NOTÍCIA

Edição 272

Como romper o isolamento

Em território nacional, as redes de cooperação surgem aos poucos

Publicado em 27/02/2023

por Sandra Seabra Moreira

redes de cooperação Foto: Shutterstock

 

Dá para ser gestor de uma universidade e esquecer os desafios que a pandemia trouxe? Foi um tempo difícil. Imagine se, à época, fosse possível contatar outros gestores e tranquilamente perguntar: “Olha, mudaram as regras, o que vocês vão fazer semana que vem?” E os estudantes atrás de estágios, com dificuldade para realizá-los em casa, em meio à quarentena, e se ficassem sem estagiar teriam sua formação prejudicada? Já pensou, numa hora tão tumultuada, contar com um grupo de profissionais das IES responsáveis pela carreira dos estudantes, todos empenhados em conseguir colocação para eles?

Ou ainda, que tal saber como aconteceu a última visita do avaliador do MEC na instituição concorrente? Imagine discutir com seus pares o sucesso do aluno, o dissídio dos professores, a internacionalização, os avanços tecnológicos, a cibersegurança. Parece impossível? Não é. A cumplicidade, a mesma que há entre amigos, construída na base da confiança, pode acontecer entre as IES nas redes de cooperação. “A lógica das redes de cooperação está relacionada a uma combinação de competição e cooperação, o que faz muito sentido, principalmente quando as instituições compartilham de missões comuns, como é o caso da educação”, explica Irineu Gianesi, diretor de assuntos acadêmicos do Insper. A instituição participa da Rede 9 do Semesp e em redes internacionais, como a Executive MBA Council, da AACSB International, da Association of MBAs (AMBA), a European Foundation for Management Development (EFMD) e, mais recentemente, a Global Business School Network (GBSN).

Se há inúmeras dessas redes no cenário internacional, no Brasil, elas vão surgindo aos poucos, na contramão de uma “cultura de feudo”, como diz Rogério Massaro, diretor acadêmico da FAAP, em que cada IES vive no seu quadrado e a gestão é uma tarefa solitária. “As redes são fundamentais para romper as barreiras de isolamento. A própria gestão é muito difícil quando se está sozinho, sem pares para trocar informações. Com as redes se amplia o alcance, o conhecimento, tudo você multiplica pelo número de parceiros”, diz.

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O Semesp impulsiona a criação de redes desde 2016. Atualmente, já se pode falar em uma hub de redes do Semesp, com 19 delas, a maioria temática, com objetivos já determinados, reunindo mais de 100 IES. Bons exemplos são a rede de autoavaliação institucional, a de temas jurídicos, a que reúne as IES que oferecem cursos na área da saúde.

Vidal Martins, vice-reitor da PUCPR

Vidal Martins, vice-reitor da PUCPR. (Foto: arquivo)

A chamada Rede 9 tem características um pouco diversas das demais. Dela participam o Insper, PUCPR, FAAP, ESPM e o Instituto Mauá de Tecnologia (IMT). “Não está reuni- da em torno de tema específico, como a rede de autoavaliação. É o posicionamento que nos une. São instituições que prezam por excelência, investem nisso, então acabam tendo problemas parecidos”, conta Vidal Martins, vice-reitor da PUCPR. “Criamos parcerias em determinadas ações, que muitas vezes caem muito bem, mesmo sendo IES concorrentes. É um espaço privilegiado de troca, de aprendizagem e até para disparar ações estratégicas”, explica.

O fato de a Rede 9 reunir os gestores das IES, portanto pessoas com cargos similares, é preponderante. “Isso faz com que tenhamos sinergia, intersecção de interesses. É um espaço de diálogo, para discutir o que nos aflige. Não tem objetivo operacional ou resultados aparentes e imediatos, mas contribui muito para a visão dos gestores”, fala Marcello Nitz, pró-reitor acadêmico do IMT. Os temas discutidos na Rede 9 surgem a partir de demandas pontuais, como o dissídio dos professores, ou emergem dos próprios interesses dos participantes. “O tema se desloca rápido no grupo de gestores. É abrangente, não tem tema proibido, ruim”, conta Massaro.

 

Do que falam os gestores

 

Alexandre Gracioso

Alexandre Gracioso, vice-presidente acadêmico da ESPM

“O exemplo mais recente que temos para compartilhar foi a troca de experiências dos responsáveis pelas áreas de sucesso do estudante. A concepção de uma área totalmente voltada para isso é nova no Brasil e algumas instituições, incluindo a ESPM e outras parceiras da Rede 9, estão em processo de implantação de iniciativas dessa natureza. Foi muito inspirador conhecer com mais detalhes os caminhos que cada escola está trilhando”, conta Alexandre Gracioso, vice-presidente acadêmico da ESPM.

A discussão acerca do dissídio dos professores é importante para as IES. “Deu antecipação, não deu? Qual interpretação se dá para a lei em relação à estabilidade dos professores? São questões que surgiram”, conta Nitz. O índice do dissídio é uma pauta incontornável. Martins está em Curitiba, onde a negociação difere da que se verifica em São Paulo, mas participou das discussões, consideradas por ele balizadoras, “para formar opinião do que era justo, correto, do que poderia ser feito para garantir a sustentabilidade das instituições”.

“Se a IES fica numa posição conservadora, de segurar o índice, vai ser vista como alguém que está marchando sozinho. Ou ao contrário, todo mundo segurando porque o momento está difícil, e você resolve sair da curva e fazer algo diferente. Dá um passo sozinho e complica os colegas”, detalha. Para Martins, isso não engessa a atuação da IES. “Cada um tem autonomia para variar nos detalhes. Mas os direcionamentos de usar a inflação como referência, de repor o que foi perdido por meio do abono ajudam, porque dão coesão.” Martins participa também da rede de autoavaliação institucional.

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A internacionalização é outra vertente forte no grupo. A FAAP, por exemplo, tem 380 parceiros internacionais, entre eles, o consulado americano e o governo chinês. Surgem discussões em torno de quem são os melhores parceiros, para onde encaminhar os estudantes.

Para além dos focos de interesse comum, há os temas circunstanciais. A pandemia, por exemplo, foi campeã em trazer questões operacionais – exigência de máscaras, de comprovante de vacinas, de testes, volta ao presencial. Foi ao longo desse esforço que surgiu o grupo em prol dos estágios para os estudantes. Profissionais de cada uma das IES participantes da rede se reuniram e conceberam um projeto para sensibilizar empresários. Grupos de trabalho como esse surgem para outras demandas, por exemplo, o de procuradores, aqueles responsáveis, dentro das IES, por receberem os avaliadores do MEC e o grupo de TI. Se ganham efetividade, podem se transformar em uma nova rede. O crescimento de redes é um processo orgânico.

 

Que segredo eles contam?

 

A participação na Rede 9 pressupõe que a IES e o gestor estão aptos a discussões mais abertas, amplas. Na atualidade, boa parte dos dados de empresas e mesmo das instituições de ensino superior é aberta, acessível. Massaro diz não saber se existe entre seus pares da rede quem tenha algum segredo fantástico ainda não revelado. “Conversamos, sim, sobre temas delicados, que não seriam conversados em outros fóruns. Mantemos discrição acerca de algo mais institucional, que está no estratégico da instituição e ainda não se materializou”, explica. Martins concorda. “Não é obrigado a abrir o que não se deseja abrir. Temos de ter muita clareza do que é estratégico e quais são os desafios para conseguir tocar a operação. Tudo o que é desafio pode ser plenamente compartilhado.”

“Bom senso é a palavra”, diz Nitz. “Já fizemos perguntas aos colegas que são intimidades. É importante ter um ambiente em que as pessoas fiquem à vontade para compartilhar ou não, pois há outras forças agindo, de sigilo, ou o próprio fato de os gestores não responderem pela instituição sozinhos. Inclusive, posso ter contrato com fornecedor que não permite revelar valores, por exemplo.”

Esta reportagem sobre redes de cooperação faz parte da edição 272 (janeiro/fevereiro) da revista Ensino Superior.

Autor

Sandra Seabra Moreira


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