Inovação

Colunista

Marina Feferbaum

Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP

Oportunidade para as IES com inteligência artificial

Ao invés de rejeitar ou combater podemos formar os profissionais que ocuparão um novo mercado de trabalho marcado pelo uso extensivo da IA, e para formar as pessoas que terão que lidar com decisões pessoais e políticas apoiadas por essa tecnologia

Inteligência artificial Professores podem utilizar a IA para facilitar o aprendizado

Por Marina Feferbaum e Guilherme Forma Klafke:

A inteligência artificial está cada vez mais presente em nossas vidas, avançando também sobre as salas de aula. Ferramentas que criam imagens, textos e sons a partir de comandos (“IA generativa”) são a realidade mais recente. O melhor exemplo é o ChatGPT e seu sucesso imediato. O impacto desses recursos na educação é ao mesmo tempo preocupante e potencializador de oportunidades.

De certa forma, a tecnologia fugiu do controle de seus criadores assim que foi lançada ao público. Em dois meses, mais de 100 milhões de usuários começaram a usar o ChatGPT – um recorde registrado no Guinness. Todas essas pessoas contribuem para a calibragem das respostas, criando talvez o maior conjunto de “professores de IA” de todos os tempos. Ao mesmo tempo, outras empresas e pesquisadores criam suas próprias versões da ferramenta, como o modelo “Alpaca” de Stanford, ou correm para lançar seus próprios produtos, como o “Bard”, do Google.

A rapidez do avanço suscita diversas questões e discussões. Em alguns locais, a primeira reação foi a proibição de seu uso, a exemplo de instituições de educação nos Estados Unidos, Austrália e Europa, além do recente banimento – ainda que provisório – na Itália. Preocupações como proteção de dados e plágio foram as primeiras a serem levantadas. Uma recente carta assinada por Yuval Harari, Elon Musk e milhares de outras personalidades pediu uma pausa no desenvolvimento da tecnologia por conta do risco que ela representa para a humanidade. Em comum, essas respostas convergem em meio à incerteza de como esses novos autômatos transformarão a sociedade, liquefazendo institutos até então indiscutivelmente sólidos.

 

Leia: Deixar a inteligência artificial passar seria ‘perda inestimável para os jovens’, avalia especialista

 

Naturalmente, os impactos da IA generativa reverberam também na educação, talvez até de maneira amplificada. Para quem sempre viu os professores como detentores do conhecimento e a educação como transmissão de informações, o ChatGPT pode parecer um rival ameaçador pelas respostas que dá. Por outro lado, quem defende uma educação crítica e reflexiva ganha mais um argumento a seu favor. A discussão não é apenas sobre evitar o uso indevido da IA nos instrumentos pedagógicos e avaliativos, como a produção de respostas e textos acadêmicos, ou de incorporar as novas tecnologias no modo como ensinamos e aprendemos, mas, principalmente, para qual futuro a educação deve apontar.

A proposta deste artigo é que, ao invés de rejeitar ou combater as incertezas, podemos abraçá-las, tanto para formar os profissionais que ocuparão um novo mercado de trabalho marcado pelo uso extensivo da IA, quanto para formar os cidadãos e as pessoas que terão que lidar com decisões pessoais e políticas apoiadas por essa tecnologia. Devemos construir um projeto pedagógico para um futuro que leve em consideração essas tecnologias, sendo o ChatGPT apenas seu primeiro grande expoente. Tudo isso, certamente, sob uma ótica crítica do papel da universidade e dos objetivos de aprendizagem.

 

O que é o ChatGPT na prática 

 

Mas afinal, o que é o ChatGPT, tão mencionado e usado nos últimos meses? Trata-se de uma IA generativa genérica de textos que interage com o usuário para responder a quaisquer questionamentos. O sistema é suportado por uma rede neural treinada para gerar respostas complexas que parecem humanas a partir de um volume massivo de dados obtidos de conteúdos da internet. Diferente de um chatbot tradicional, que só responde a poucos e específicos comandos, essa nova ferramenta responde a qualquer pergunta apresentando um diálogo mais fluido, ainda que com algumas restrições programadas pelos criadores. Ele pode responder desde perguntas simples, como uma equação de 1º grau, até as mais sofisticadas, como pedidos por histórias de ficção, orientação médica e outros.

O ChatGPT, porém, não é uma enciclopédia do conhecimento humano, um sábio robótico ou um oráculo digital. Embora possa ser tentador usá-lo para buscar informações específicas, é importante lembrar que sua principal função é gerar textos que pareçam convincentes a partir de dados preexistentes combinados com outros fornecidos pelo usuário. Em outras palavras, ele é uma ferramenta complementar que pode nos ajudar a produzir novas ideias e a expandir a compreensão sobre um determinado assunto, mas tem limitações de base de dados e modelo.

Assim, como toda ferramenta, o ChatGPT também deve ser usado de forma estratégica e consciente para nossos objetivos. Se a intenção é encontrar informações precisas e confiáveis sobre um determinado tema, ele deve ser considerado com cuidado. Vale a pena mencionar que, apesar de contarmos com a assistência desse tipo de ferramenta, cabe a nós, e não a uma máquina, termos o senso crítico e a responsabilidade de pesquisarmos a validade dos dados e embasarmos nossa atuação enquanto educadores(as) e nossas decisões.

 

Impactos da IA Generativa 

 

O ChatGPT é apenas um exemplo de um conjunto maior de ferramentas de inteligência artificial generativa. Midjourney, Dall-E, Stable Diffusion, Adobe Firefly são sistemas que permitem aos usuários criarem imagens com diversos estilos a partir de comandos de diferentes complexidades. É possível, por exemplo, solicitar que uma dessas ferramentas crie um laboratório de universidade usado para um experimento em estilo de pintura surrealista. Jukebox da OpenAI, Warpsound, MusicLM da Google e Musico são exemplos de sistemas que permitem a criação de sons e músicas por meio de IA.

Essa tecnologia tem potencial para proporcionar mais produtividade e otimização das tarefas, não somente as repetitivas. Essa combinação entre ser humano e máquina, que está cada vez mais estreita, vem aumentando a complexidade da própria automação em si e da solução de problemas complexos da sociedade.

A automação, que já vinha impactando a mão de obra de tarefas repetitivas, começa a impactar também a mão de obra mais qualificada, como produção de texto, análise de dados e outras atividades criativas. Novas oportunidades de trabalho e funções estão surgindo justamente por essas transformações, liberando esses profissionais para revisar e aprimorar o que é produzido, como realizar a manutenção de chatbots, verificar a acurácia das respostas, avaliar a ética e os vieses, regular e controlar a ferramenta, entre outros.

Temos diante de nós duas perspectivas

 

A primeira ressalta a extinção de empregos e funções que ameaça a sociedade com o aumento do grupo de pessoas excluídas do sistema de produção e o surgimento de uma classe social que Yuval Harari chama de “inúteis” para o sistema, porque não serão mais “empregáveis”. Apenas quem está em posições privilegiadas consegue se adaptar com facilidade, enquanto a desigualdade social aumenta.

A segunda ressalta a possibilidade de que barreiras de formação e conhecimento possam ser superadas com auxílio da IA. Pessoas que nunca tiveram formação em design de produtos ou desenho, por exemplo, podem refinar comandos e ver a concretização de suas ideias. Pesquisadores podem resumir uma quantidade de conteúdo que nunca puderam fazer antes por meio desses sistemas de linguagem.

É possível que nenhuma das duas perspectivas venha a ocorrer integralmente, mas elas apontam para uma direção em comum: a importância do letramento digital e do letramento em inteligência artificial para as futuras gerações. Apesar da falta de credibilidade, somada à possibilidade de disseminar desinformação, a IA tem sido explorada intensamente por diversas áreas, como vendas, marketing, saúde, recrutamento, entretenimento, aconselhamento jurídico, entre outras, e sobretudo pela educação. Os benefícios proporcionados pela tecnologia são inúmeros, mas é sempre necessário um olhar crítico para o modo como a incorporamos em nossa prática.

 

Sobre o uso na educação 

 

Nesse cenário, tecnologias como o ChatGPT potencializam a atividade de educadores. Elas podem oferecer feedback contínuo, tempestivo e preciso para as respostas dos estudantes, personalizando a assistência para estudantes com dificuldades, além de ser uma fonte de inspiração para desenvolvimento de novas ideias. Geradores de imagem podem possibilitar aos professores a recriação de cenários históricos e até atividades criativas para os alunos – imagine-se uma aula em que se peça aos alunos criarem cinco cenários de um mundo imaginário com fauna, flora e climas únicos, pedindo-se que eles justifiquem as escolhas. No entanto, é importante lembrar que a tecnologia não deve ser vista como um oráculo da verdade, mas sim como uma ferramenta para auxiliar o processo educacional. A consideração dos vieses nas respostas, da imprecisão de informações, do plágio, entre outros problemas que decorrem do uso dessas tecnologias, mostra que a máquina não veio para substituir habilidades humanas nem dispensa um exercício de julgamento ético. A empatia, a criatividade, a adaptabilidade e o julgamento são competências intrínsecas a nós. O sistema de ensino terá a responsabilidade de educar os estudantes para o uso dessas novas ferramentas com base em princípios éticos.

Um exemplo é a importante habilidade de fazer boas perguntas. Isso implica ter uma postura crítica e o conhecimento sobre o que e como demandar da máquina. A pessoa deverá, portanto, saber identificar o problema; reconhecendo-o, ela saberá elaborar uma questão precisa, agindo como um engenheiro de prompts ou comandos, ou seja, uma pessoa com capacidade para interagir de forma eficiente e precisa com os sistemas de inteligência artificial. Somente assim as solicitações ao ChatGPT, por exemplo, terão uma resposta mais eficaz. Essa resposta deverá ser avaliada, o que ressalta também a capacidade de julgar respostas e identificar possíveis vieses ou imprecisões na resolução de problemas.

Leia: IA, importante termos uma boa regulamentação

 

Outro exemplo é a capacidade para identificar produtos do trabalho da IA. Essa competência será fundamental para a sociedade nos próximos anos. O cidadão e a cidadã digital deverão ser capazes de distinguir informações falsas, inventadas, verdadeiras ou parcialmente verdadeiras, ainda que todas sejam convincentes. Deverão compreender que a tecnologia não é maniqueísta, embora traga em si determinados valores e escolhas de quem as criou. Ao ter consciência de que ela não é boa nem ruim, mas uma ferramenta que deve ser utilizada de forma consciente e responsável, deve saber como usá-la e interpretar seus resultados.

É inegável, assim, que os estudantes terão ainda mais autonomia na busca pelo conhecimento, proporcionando o desenvolvimento de habilidades que os prepararão para uma vida de aprendizado contínuo, em um mundo que está em constante mudança. Dessa forma, nesta era da informação, os alunos estarão preparados para usar a tecnologia de forma mais consciente e responsável em sua atividade profissional, aproveitando ao máximo seus benefícios e minimizando seus possíveis riscos. Além disso, essa habilidade também poderá ser aplicada em outros contextos, tanto na vida pessoal quanto na vida política, tornando-se uma competência valiosa para o sucesso em diversas áreas.

Cabe a nós, contudo, nos questionarmos se estamos fazendo da sala de aula uma mera formalidade do sistema de ensino, ou se esse encontro realmente é algo tão valioso que os estudantes não teriam como vivenciar e aprender sem nossa mediação humana. Talvez nós, educadores(as), também devamos reaprender a fazer as perguntas certas sobre nossos objetivos de ensino.

 

Autores:

Marina Feferbaum – Coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.

Guilherme Forma Klafke – Líder e gestor de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP (CEPI), onde também é professor do programa de pós-graduação lato sensu.

 

Leia também na Revista Educação | Inteligência artificial: Brasil continua parado e ensino básico perde

 

 

 

 


 

 

 

 

 

Por: Marina Feferbaum | 24/05/2023


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