Pesquisadores abordam temas de suas pesquisas numa linguagem entre didática e jornalística, longe da acadêmica
Publicado em 31/05/2023
“Afinal, a quem serve a ciência?” Essa foi a provocação que a coordenação e pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie fez a si mesma. A partir das reflexões e da certeza de que o conhecimento disseminado impacta positivamente a sociedade, em 2021, organizou o Ano da Pesquisa Mackenzie.
O evento reuniu os coordenadores de pesquisa da instituição e marcou o início de uma ação que lotou as caixas de e-mails de jornalistas de várias editorias, além daqueles que cobrem as áreas da educação, ensino superior e ciência em geral, com artigos dos seus pesquisadores.
Se pontuar a produção científica nos periódicos internacionais é fundamental, o contraponto é: quem lê papers? “A ideia era criar um conceito para começarmos a colocar substratos de nossas pesquisas de maneira mais bem elaborada, clara, para impactar o mundo que nos cerca, sair dos muros altos da universidade e ter algum impacto regional e nacional”, conta Felipe Chiarello, pró-reitor de pesquisa e pós-graduação e professor da faculdade de direito e do programa de pós-graduação do Mackenzie.
Chiarello afirma que a única maneira de alcançar e impactar um público maior é por meio da imprensa e das mídias. Em meio à divulgação tradicional, com releases informando acerca de eventos, simpósios, palestras, aulas magnas e outras atividades, os artigos de pesquisadores chamam a atenção. Os autores abordam temas de suas pesquisas numa linguagem entre didática e jornalística, bem longe da acadêmica.
“Fizemos um pacto pedagógico com os coordenadores de pesquisa. Pedimos que indicassem em seus departamentos as pessoas que pudessem explicar para o público leigo as informações de maneira mais clara. Eles escolheram pesquisadores com esse perfil. São pessoas que têm facilidade de se comunicar.” Chiarello diz que há pesquisadores que têm o talento de encantar o público – leitor ou ouvinte.
Há uma seleção prévia de temas, prevalecendo os mais procurados pelo público leigo ou por pessoas com interesses em áreas específicas. Os releases chegam às editorias em ritmo constante. A adoção no Brasil, o êxito comercial do BBB23 da Globo e a derrocada na audiência, análise de conjuntura política, aumento de estudantes nos cursos de psicologia, o ensino médio e suas características, a dieta cetogênica, as origens do Dia do Trabalho foram temas recentes.
A assessoria de imprensa tem sido fundamental, diz Chiarello, “pois eles sabem os canais e as pessoas certas a cada momento para fazer essa disseminação. Produzimos o material e encaminhamos para eles”. A estratégia não demandou custo específico, adicional, conta, pois a universidade tem estrutura que remunera as horas de pesquisa e escrita dos professores/pesquisadores. “Eu sou apaixonado por isso. Eu estive em Stanford e vi que a universidade só vai crescer se tiver uma pesquisa efetivamente aplicada, que traz retorno para a sociedade.” Para a instituição, não é menos interessante.
Não há números tabulados que apontem o sucesso da estratégia de divulgação dos pesquisadores e seus artigos, mas Chiarello menciona um dado nada desprezível. “Em conversa com ex–diretor da Fapesp, ele questionou se alteramos os algoritmos”, relata. A pergunta veio porque a holandesa Elsevier, uma das maiores editoras científicas do mundo e que monitora o impacto das publicações científicas, inclusive as brasileiras, apontou aumento vertiginoso no interesse pelas publicações do Mackenzie.
Ao mencionar a importância da disseminação do conhecimento produzido na universidade para um público mais amplo, Chiarello conta um episódio que chocou a comunidade acadêmica do Mackenzie. O Brasil se preparava para sediar a Copa do Mundo quando um delegado da polícia federal ministrou palestra na universidade. Ele denunciou a existência de quadrilhas internacionais de tráfico de pessoas – mulheres e crianças – que atuam em grandes eventos. “Entram em comunidades vulneráveis, falam aos pais da criança que darão uma vida melhor, com mais oportunidades. Os pais cedem. As crianças são mortas e os órgãos vendidos. Ficamos chocados”, lembra Chiarello.
O policial também disse que a informação era a arma mais poderosa para salvar vidas. Dessa experiência impactante, surgiram cartilhas e o livro Pessoas Invisíveis – Prevenção e combate ao tráfico interno e internacional de seres humanos, de Ana Cláudia Cardia, à época professora de direito internacional no Mackenzie. A autora fez palestra na ONU. “Começamos a produzir sobre o tema mundialmente, com o objetivo de coibir esse crime”, conta Chiarello.
Atualmente, o projeto de pesquisa que já resultou em livro, palestras e cartilhas entra numa segunda fase. Está focado na concepção de uma política pública que construirá um cadastro nacional de pessoas desaparecidas.