Uso de rubricas é caminho para objetivar o desenvolvimento de competências mais complexas
No divã: Gidalti Guedes da Silva, professor e coordenador de Formação Continuada Docente
Quando nasci, fui chamado Gidalti, nome pelo qual atendo, nome no qual me tornei. Fui constituído no caminho da vida, na relação com todas as formas de condicionamentos. Enquanto educador, sou fruto da minha relação com o mundo, refazendo-me a cada dia a partir das memórias e dos momentos vividos no presente. É no presente que sou desafiado a superar a angústia de decidir, de ser-no-mundo-com e de assumir as responsabilidades por estas escolhas. Em certas circunstâncias vividas, compreendi a necessidade de adaptar-me ao mundo, à sociedade, às condições materiais e simbólicas que me impactam cotidianamente enquanto educador. Porém, este movimento existencial de adaptação vem acompanhado de uma inquietação, por vezes, uma indignação ética, um desejo de transcendência, de emancipação da consciência e de minha práxis educativa.
Atualmente, atuo como professor e coordenador de Formação Continuada Docente da Universidade Católica de Brasília (UCB). Manifesto minha gratidão à profa. Karina Tomelin por participar deste quadro “no Divã”.
Ao longo de 19 anos de docência universitária, tenho sido professor de disciplinas do eixo de formação geral e humanística nos mais variados cursos. A formação humanística contempla o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas à dimensão ontológica (do ser). Esta dimensão abrange a subjetividade humana de modo especial, uma vez que reconhece os valores, a estética, a espiritualidade e a inteligência emocional como elementos estruturantes da consciência humana e do comportamento.
Existe uma dúvida que tenho cultivado ao longo dessa jornada de professor universitário. Tenho obtido algumas respostas a partir de leituras, relatos de experiência de colegas professores, além de minha própria prática. Contudo, ainda considero tais respostas parciais, insuficientes. Esta dúvida é: quais métodos e instrumentos avaliativos são mais eficazes para avaliação de aprendizagens relacionadas às competências da dimensão ontológica?
Minha Frase: Enquanto educador, sou fruto da minha relação com o mundo, refazendo-me a cada dia a partir das memórias e dos momentos vividos no presente.
Que alegria receber seu relato, professor Gidalti e ver que se constitui enquanto professor numa dimensão do ser. O atravessamento da docência nos faz refletir sobre a dimensão ontológica de todos nós, professores, entre ser e estar na docência. Para ambientar nossos leitores, penso ser importante resgatarmos o conceito do processo ontológico na educação, especialmente em Paulo Freire.
Enquanto humanos, somos seres inacabados e conscientes da nossa vocação do vir a ser mais. Isto acontece nas nossas relações com os outros, com a natureza, com a cultura. Diferentemente de estar no mundo, quando adotamos uma postura de ser, assumimos uma condição responsável e ativa com nosso passado, presente e futuro. Significa, por exemplo, que quando escolho ser professor, compreendo que a cada aula aprendo algo a mais sobre mim, melhoro o meu fazer, alimento o meu propósito, aprendo com o outro, refaço-me, transformo-me e transformo o meu entorno.
Muitos docentes escolhem ser professores e carregam em si a identidade e o desejo de se renovar a cada encontro com os estudantes. Aos que escolhem estar na docência, seguem um caminho predestinado, passivo diante de uma realidade determinista. Isto também acontece com nossos estudantes, quando se descobrem incompletos e, em sua relação com o conhecimento, aprendem não só sobre o mundo, novas teorias e conceitos, mas sobre si mesmos. Mas como posso tornar evidente o aprendizado ontológico do ser? Este é o desafio posto aqui no divã de hoje.
Como posso perceber no meu estudante o desenvolvimento de suas competências ontológicas e, mais do que isto, mensurá-las dentro de um processo de ensino e aprendizagem? Quando compreendemos que nos constituímos na relação com o mundo e com os outros e operamos mudanças no nosso meio, observamos a concepção ontológica em aspectos, como a curiosidade, a autonomia e a ética. Em uma época em que discutimos sobre o uso da IA, o futuro do trabalho, olhar para competências que podem ser difíceis de automatizar, como as de ordem superior, parecem fazer sentido.
Uma forma de objetivar o desenvolvimento de competências mais complexas, como as ontológicas, é utilizar as rubricas. Elas são uma ferramenta eficiente na avaliação formativa e somativa na compreensão das tarefas abertas e do desempenho multidimensional. Uma das suas maiores vantagens é a facilidade com que os estudantes percebem e recebem o feedback, especialmente de atividades formativas, tornando-as mais claras e transparentes.
Vale ressaltar que esta clareza e melhor entendimento das expectativas é tão importante para o estudante quanto para o professor. Para os estudantes, diminui a ansiedade sobre o processo avaliativo, aumentando a taxa da conclusão de tarefas, ampliando sua reflexão sobre a própria aprendizagem, por meio dos processos metacognitivos, e aprimorando sua capacidade de autogestão. Para os professores, ajuda a dar mais intencionalidade e consistência ao processo avaliativo, tornando a avaliação menos subjetiva. Uma dica ao pensar na rubrica é identificar se ela é de fácil compreensão, se a linguagem está clara e acessível ao estudante.
No quadro a seguir, listei algumas competências ontológicas do ser e como elas podem ser observadas nos estudantes.
Esperança | Capacidade de enfrentar desafios, disposição para acreditar que é possível, buscar pelo que deseja, confiança para seguir em frente. |
Curiosidade | Ter abertura ao novo, desejo por saber mais, inquietude para aprender. |
Autonomia | Capacidade para tomar decisões, assumir responsabilidades. |
Ética | Amor e respeito pelo outro e suas diferenças. |
Agora, vamos pensar em um exemplo de como poderia ser aplicada no cotidiano de uma tarefa. Selecionei a dimensão da curiosidade:
Nível 4
Extraordinário |
Nível 3
Excelente |
Nível 2
Emergente |
Nível 1
Dormente |
|
Curiosidade | Demonstra disposição e interesse em descobrir coisas novas realizando pesquisas ou formulando perguntas. Manifesta inquietação e considera várias maneiras para formular perguntas e resolver algum problema. | Demonstra interesse e manifesta desejo por descobrir coisas novas, realizando pesquisas e formulando perguntas. | Demonstra interesse, porém não executa tarefas ou atividades que possam resolver problemas ou encontrar respostas. | Demonstra pouca disposição ao novo ou explorar novas oportunidades. |
Uma outra ferramenta para objetivar as competências complexas, como as ontológicas, é a inserção de rotinas de pensamento ao final de uma aula. As rotinas de pensamento têm como objetivo tornar visível o pensamento dos estudantes por meio de propostas simples e que podem ser utilizadas em contextos variados. Elas induzem o estudante a refletir sobre o próprio aprendizado a partir de ações simples como:
Antes eu… Agora eu… ou Eu pensava e agora penso.. ou Eu fazia e agora faço ou farei..
Para ajudar com o desenvolvimento de rubricas para avaliar competências complexas, vou indicar este documento do Centro de Pesquisa e Inovação em Educação da OCDE, intitulado “Desenvolvimento da criatividade e do pensamento crítico dos estudantes”. E para ampliar seu repertório com ferramentas associadas às rotinas de pensamento, indico o livro “Aprendizagens visíveis”, organizado pela Júlia Pinheiro de Andrade.
Sugestões de leitura:
Esse foi o Gidalti Guedes da Silva no Divã, o próximo pode ser você! Envie seu relato para mim e participe das próximas colunas.
Karina Nones Tomelin
Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior
Por: Karina Tomelin | 14/07/2023