Educação

Colunista

Josiane Tonelotto

Superintendente acadêmica do Centro Universitário Belas Artes

A transitoriedade dos problemas emocionais

É crucial reconhecer a intensidade e principalmente a transitoriedade de muitos estados emocionais e problemas de saúde mental

Simone Biles Simone Biles relevou que a terapia foi parte crucial de sua recuperação e superação dos desafios (foto: reprodução/Trailer Simone Biles Rising/Netflix)

Entre as imagens e acontecimentos de destaque das Olimpíadas de 2024, realizadas em Paris, não pode passar despercebido o número de vezes que a americana Simone Biles subiu ao pódio. Foram três vezes para medalha de ouro e uma para medalha de prata. Marca impressionante e, somadas às outras sete que tinha, são 11 medalhas olímpicas. Mas por que o destaque se Biles é a melhor ginasta do mundo? Não era esperado que conseguisse esse feito?

Existia uma grande expectativa em torno da participação de Biles, dado que no ano de 2021, em Tóquio, ela decidiu abandonar a competição para cuidar de sua saúde mental. Alegava naquela época que era impossível performar bem porque o físico e o mental são indissociáveis. Ela teve coragem, diante do mundo todo boquiaberto, de assumir que não estava bem emocionalmente e que não competiria. Esse fato foi notícia de destaque e cogitou-se que seria o fim da brilhante carreira da atleta. Parece que havia uma sentença negativa e uma grande dúvida no ar. Se o problema é emocional, não há solução. Eis que ela ressurge, em 2024, em plena forma e volta a vencer. De forma brilhante.

Os problemas de saúde mental são frequentemente marcados pela utilização de muitos estigmas, que podem levar à marginalização e discriminação daqueles que os enfrentam. Esses estigmas, muitas vezes alimentados por desinformação e preconceitos, tendem a perpetuar a ideia de que condições de saúde mental desfavoráveis são permanentes e definidoras da identidade de uma pessoa. No entanto, é crucial reconhecer a intensidade e principalmente a transitoriedade de muitos estados emocionais e problemas de saúde mental, desmistificando a noção de que eles são sentenças definitivas.

 

Entrevista | Universidade precisa se preparar para a juventude

 

A transitoriedade, no contexto da saúde mental, refere-se à natureza temporária ou passageira de determinados distúrbios e sintomas. É observada em várias condições, desde episódios depressivos e ansiosos até reações agudas ao estresse. Ela não diminui a gravidade ou o impacto desses problemas, mas indica que, com o tempo e intervenções adequadas, há uma tendência de melhora ou resolução espontânea. Neste ponto é importante entender que é preciso reconhecer quando alguma coisa não vai bem com nossos afetos e buscar ajuda. Muitas vezes o que se precisa para superar os problemas pode incluir medicação; outras vezes, terapia, ou ambos.

Embora a medicação possa ser extremamente útil para estabilizar os sintomas, proporcionando alívio imediato e ajudando a restaurar o equilíbrio neuroquímico necessário para o funcionamento diário, a psicoterapia desempenha um papel fundamental e insubstituível na abordagem das causas subjacentes dos problemas de saúde mental. Enquanto os medicamentos agem como uma ponte, aliviando sintomas e permitindo que o indivíduo recupere a funcionalidade básica, a psicoterapia aprofunda as raízes dos distúrbios, explorando os padrões de pensamento, as emoções e as experiências de vida que contribuem para o sofrimento mental. Por meio de um processo colaborativo e reflexivo, a psicoterapia facilita a conscientização e a reestruturação cognitiva, promovendo não apenas o alívio temporário, mas mudanças duradouras no comportamento e na cognição.

Uma abordagem integrada permite que possamos desenvolver habilidades de enfrentamento mais eficazes, que melhoremos nossos relacionamentos interpessoais e construamos uma resiliência psicológica que perdure, mesmo após a suspensão do tratamento medicamentoso. Portanto, enquanto a medicação pode ser vista como uma intervenção necessária para controlar os sintomas imediatos, a psicoterapia é essencial para uma transformação profunda e sustentável, capacitando os indivíduos a viverem de forma mais plena e satisfatória.

 

Leia também: Saúde mental na universidade é problema no mundo

 

Voltando à Simone Biles, ela revelou que a terapia foi uma parte crucial de sua recuperação e superação dos desafios. Em entrevistas, destacou a importância da terapia para lidar com a pressão extrema e o impacto que o estresse teve em sua saúde mental. Enfatizou que, além da terapia, contar com uma rede de apoio composta por amigos, família e sua equipe foi fundamental nesse período difícil. E isso é fundamental.

Nas universidades, os estudantes frequentemente enfrentam pressões intensas semelhantes às enfrentadas por atletas: a pressão por desempenho acadêmico, expectativas sociais, responsabilidades financeiras e o desafio de equilibrar múltiplas demandas. Tenho visto na Belas Artes estudantes precisando de todo tipo cuidado com a saúde mental. Estamos atentos todos os dias para atendê-los e encaminhá-los para atendimento adequado. O serviço de atendimento psicopedagógico assumiu a responsabilidade de fornecer-lhes um ambiente capaz de reconhecer a importância da saúde mental e oferecer recursos necessários para que busquem ajuda quando necessário, sem medo do estigma ou de suas repercussões. Às vezes precisam de ajuda para entender que precisam ser ajudados.

Cuidar da saúde mental não é um sinal de fraqueza, mas sim de força e autoconsciência. Os estudantes precisam sentir-se apoiados e capazes de buscar ajuda sempre que necessário. Precisamos ajudá-los a lidar com crises sejam elas transitórias ou não. De problemas simples aos mais graves. É necessário ajudá-los nas jornadas acadêmicas e pessoais, principalmente a entender que nada é definitivo e que se estamos em baixa num dia, não necessariamente estaremos em outro. Somos todos vulneráveis e o melhor caminho é saber quando e como procurar ajuda.

Por: Josiane Tonelotto | 12/08/2024


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