Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP
Com um futuro tão contingente, a formação deve preconizar desenvolver profissionais com alta capacidade de adaptação e de cooperação
A IA generativa se popularizou para os expedientes cotidianos, começando a avançar para sua incorporação em tarefas automatizadasNuma era onde o que se espera é o inesperado, onde a inovação é a norma, a IA (especialmente a generativa) parece notícia datada: as novas versões do ChatGPT já não atraem tanta atenção; a IA do Elon Musk, ou melhor, do X (mais conhecido como antigo Twitter), chama mais atenção pela polêmica do que pela tecnologia em si; e o deep fake ficou tão comum a ponto de se tornar arma de bullying escolar. Ainda assim, trata-se de uma tecnologia em desenvolvimento, em fase de amadurecimento, que irá revolucionar as profissões e o mundo.
A velocidade com que a tecnologia avança normaliza o estado de inovação permanente, o que dificulta perceber as revoluções. A IA generativa se popularizou para os expedientes cotidianos, como minutas de todos os tipos, começando a avançar para sua incorporação em tarefas automatizadas. Com o aperfeiçoamento dos modelos massivos de linguagem – os large language models (LLMs) – e o aumento da sua penetração nas atividades intelectuais, em breve veremos uma transformação no modo de trabalho, fazendo surgir novos tipos de atores – assim como novos tipos de fintechs, de lawtechs etc. –, novos modos de produção e nova organização do trabalho. E tudo isso novamente até a próxima tecnologia disruptiva.
Com um futuro tão contingente, a formação deve preconizar desenvolver profissionais com alta capacidade de adaptação e de cooperação: aprender a aprender, aprendizado ao longo da vida (lifelong learning), trabalho em equipe – que, por sua vez, exige habilidades socioemocionais – e familiaridade com problemas multidisciplinares. Some-se a tudo isso a facilidade para aumentar a produtividade com IA, particularmente a generativa.
Deveria parecer natural a universidade abraçar o uso da IA de maneira pioneira, haja vista sua posição central na ciência e na construção do futuro, sendo a IA um dos seus produtos. Mas o movimento inicial foi marcado por recuos cautelares.
No meio acadêmico, ou melhor, na produção da academia, a IA generativa surgiu como uma ameaça à autêntica autoria individual. Afinal, a academia se ergueu sobre o intelecto e sobre sua expressão por meio da publicação de resultados, com uma estrita exigência de respeito às ideias alheias. A redação de próprio punho é uma obrigação inegociável. Por isso o receio com os LLMs.
É justo e necessário que a academia discuta, se ocupe e se preocupe com aquilo que seu aluno produz em nome da ciência. Mas que isso não ofusque a missão social da universidade de também formar profissionais para os mercados. É preciso preparar o profissional para um futuro robotizado.
Na sua edição de 2024, o Survey da Inside Higher Ed para Reitores e Diretores de IES dos Estados Unidos, dentre muitos outros temas, apurou que 83% das instituições têm iniciativas de políticas de uso de IA em ensino e pesquisa, sendo que 20% já publicadas e 63% em desenvolvimento. O mesmo levantamento identificou que 14% modificaram seus currículos para preparar os alunos a utilizar IA no local de trabalho e 73% pretendem fazê-lo.
Esses resultados mostram aquilo que qualquer pessoa que acompanhe as notícias sobre IA já percebeu: que a IA faz parte do futuro. A tendência é tanto de regular seu uso em ensino e pesquisa como de capacitar para seu uso. Aliás, a pesquisa também apurou que 92% do corpo docente já demandou das suas instituições treinamentos relacionados ao desenvolvimento em IA generativa, sendo que 78% atenderam a essas demandas nos últimos 18 meses.
Em um futuro cheio de incertezas, parece que a IA generativa é uma das poucas coisas certeiras. E o tempo de fazer algo a seu respeito é agora.
Por: Marina Feferbaum | 15/08/2024