É preciso criar nas instituições, ambientes que promovam o enfrentamento saudável dos desafios acadêmicos, emocionais e sociais
Em meu artigo do mês de agosto, fiz um recorte da história de Simone Biles com enfoque nas Olimpíadas de 2024 para abordar a transitoriedade dos problemas emocionais. Afinal, depois de uma fase emocionalmente difícil, ela superou os obstáculos com muito sucesso. Digo isso para retomar uma outra história também relacionada às Olimpíadas, e desta vez quero falar sobre resiliência e saúde emocional. Claro que me refiro a Rebeca Andrade, nossa estrela do esporte.
Aos 25 anos, Rebeca Andrade é a maior atleta e medalhista olímpica que o Brasil conhece. São seis pódios olímpicos em três Olimpíadas. Dona de um número impressionante de medalhas, conquistadas em grandes competições, é exemplo de sucesso. Enfrentou lesões graves e cirurgias com uma determinação inabalável, necessária para vencer tantos desafios que podiam ter sepultado definitivamente sua carreira.
Quem conhece um pouco da história dessa atleta sabe que nem sempre as coisas foram fáceis para ela. Não me refiro apenas às lesões e ao físico que ela teve que recuperar tantas vezes, e sim a uma vida difícil do ponto de vista socioeconômico. Vinda de uma família pobre com 8 filhos, foi criada apenas pela mãe numa favela da cidade de Guarulhos. Sua mãe sempre respeitou seu talento, reconhecido desde cedo, e a estimulou a entrar para a ginástica aos quatro anos em um projeto social da prefeitura.
Aos nove, a pequena Rebeca teve que escolher entre a segurança da família e a chance de se tornar uma atleta bem sucedida, mudando-se sozinha para Curitiba para treinar e dedicar-se totalmente ao esporte. Não dá para entender que essa seja uma tarefa fácil, e de fato não foi. Não dá para achar que isso é comum, porque não é. Depois de uma carreira intensa, vieram as grandes competições, as vitórias e as Olimpíadas.
Ela sempre foi muito determinada, mas talvez eu não conseguisse imaginar que ela tivesse uma força emocional tão grande. Durante as competições em Paris, algo importante chamou a atenção de todos. Além do talento absoluto da Rebeca, ela foi capaz de, imediatamente após perder uma merecida medalha na trave, recuperar-se e na sequência, conquistar um ouro no solo, superando a maior atleta da ginástica de todos os tempos, Simone Biles.
Esse foi um episódio em que não era possível chorar ou lamentar. Ela tinha que competir novamente na sequência e sem intervalo de tempo. Foi para o solo, determinada, e esbanjando competência e talento deu um show. Foi sucesso absoluto e a conquista do ouro se materializou. Isso tem nome. Esse nome é resiliência, que é capacidade de uma pessoa ou sistema de se adaptar, superar e se recuperar de situações adversas, desafios ou estresse. Essa mesma força que permitiu a ela enfrentar tantos problemas ao longo da vida e sair vencedora.
Embora a resiliência possa surgir naturalmente em algumas pessoas, ela pode ser intencionalmente cultivada, portanto desenvolvida por meio de práticas e estratégias conscientes. Isso não ocorre apenas no nível pessoal, mas também em diversos outros contextos, como o profissional, acadêmico e social. Na escola, mais precisamente na educação superior, ela é essencial para o sucesso acadêmico, pessoal e profissional. Ser resiliente nesse sentido, não é apenas benéfico para uma trajetória acadêmica bem sucedida, mas também para a vida profissional futura. A capacidade de superar desafios com equilíbrio é uma habilidade altamente valorizada no mundo do trabalho. Profissionais resilientes tendem a ser mais adaptáveis, criativos e bem-sucedidos na resolução de problemas, características essenciais para as demandas do mundo atual.
Um ponto de destaque é que os jovens parecem cada vez menos resilientes, tolerantes e capazes de enfrentar as adversidades de forma positiva. A crescente proteção oferecida pelos pais, na busca de evitar que os jovens enfrentem situações difíceis, tem contribuído para uma fragilidade emocional cada vez mais evidente. E claro, isso tem relação direta com a dificuldade em adaptar-se a mudanças. Mas como nós, gestores de educação superior, podemos tornar esse processo mais positivo para os alunos? No meu entendimento, é inicialmente assumindo que também temos responsabilidades nesse processo.
É preciso criar nas instituições, ambientes que promovam o enfrentamento saudável dos desafios acadêmicos, emocionais e sociais. O apoio psicológico, mentorias e a criação de redes de suporte permitem que proporcionemos aos os estudantes recursos necessários para lidar com as adversidades de maneira equilibrada. Não me refiro apenas às atividades extracurriculares, como é o caso do Programa Campus Vivo aqui na Belas Artes. Refiro-me também a currículos que estimulem o pensamento crítico e a resolução de problemas, a avaliações responsáveis e não benevolentes, a definição e cumprimento de prazos. Essa é a base para que os estudantes se posicionem com relação a si mesmos e ao mundo, e consigam enfrentar desafios que a vida certamente trará.
Precisamos discutir as diversas nuances do bem-estar emocional cada vez mais, assegurando que os estudantes fortaleçam suas capacidades de autogestão e superação diante das dificuldades típicas da vida universitária e que depois serão a base da sua vida profissional. Não podemos e nem devemos pensar que o problema não nos pertence. Os estudantes são nossos e a responsabilidade sobre eles também.
Por: Josiane Tonelotto | 26/09/2024