Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

Apoiando os novos estudantes do pós-secundário – o esforço pela requalificação

IES precisam adaptar seus currículos e metodologias, abraçando inovações como microcertificações e credenciais digitais

Requalificação Cenário demanda acordo social pela requalificação

Nos dois últimos artigos desta coluna, procurei lançar luzes sobre o fenômeno da mudança do perfil do estudante do ensino superior brasileiro. Conforme demonstrado, esse novo estudante tende a ser mais velho (2/3 acima dos 25 anos e 1/3 acima dos 35 anos). Esses estudantes possuem necessidades diferentes dos estudantes “tradicionais” que conseguem entrar no curso superior na idade que seria considerada a ideal. Mas, será que estamos atentos a eles?

 

Leia: Mudanças demográficas e o apagão dos estudantes

 

Fenômeno internacional

Essa mudança está em curso não somente no Brasil, sendo comum a países em rota de envelhecimento. Aqui na América do Sul, o Chile é um bom exemplo desse processo. Lá, assim como aqui, há uma tendência crescente de estudantes mais velhos ingressando no ensino superior (Pérez, 2024). Um estudo realizado pela Universidad de Chile revelou que cerca de 40% dos estudantes universitários no país têm mais de 24 anos, com uma parcela significativa acima dos 30 anos. Esse fenômeno é particularmente notável nas universidades privadas e nos institutos profissionais, onde a proporção de alunos mais velhos é ainda maior.

Esses estudantes maduros enfrentam desafios únicos. Muitos deles trabalham em tempo integral, têm responsabilidades familiares e retornam aos estudos após um longo período afastados do ambiente acadêmico. Por consequência, eles frequentemente lutam para equilibrar suas obrigações acadêmicas com suas vidas pessoais e profissionais. Além disso, muitos relatam dificuldades em se adaptar às novas tecnologias e metodologias de ensino, bem como em se integrar com colegas mais jovens.

Apesar desses desafios, as instituições de ensino superior chilenas têm sido lentas em adaptar seus programas e serviços para atender às necessidades específicas desses estudantes. Um relatório do Ministério da Educação do Chile destacou a falta de políticas e programas direcionados a esse grupo demográfico em crescimento. No entanto, algumas universidades começaram a implementar iniciativas como horários flexíveis de aula, serviços de apoio específicos e programas de mentoria para ajudar os alunos mais velhos a navegar com sucesso em sua jornada acadêmica.

 

Estratégias multissetoriais

Provavelmente, não será uma ação isolada que irá dar conta de resolver um problema que afeta até mesmo a competitividade nacional. Uma possibilidade seria uma ação combinada de três atores: governo, instituições e empregadores. Seria um verdadeiro acordo social pela requalificação.

Imagem 1

Embora não exista uma receita para resolver uma questão tão ampla e premente, podemos imaginar algumas ações que cada uma das partes envolvidas nesse acordo podem implementar. Em minha visão, somente um grande esforço nacional como esse pode reverter um resultado como o do ranking de talento 2024 da escola suíça IMD (IMD, 2024). Na sua mais nova edição, de 67 países avaliados, o Brasil ocupa a penúltima posição, acima apenas da Mongólia. Verdade que os países da América Latina não foram bem, em geral. Ainda assim, esse não é um motivo para nos conformarmos com a situação. Além disso, chegamos a ocupar a 57ª posição em 2021 e perdemos nove colocações em apenas três anos.

Imagem 2

O ranking da prestigiosa escola suíça de gestão é produzido a partir da consolidação de três dimensões: (1) Investimento e Desenvolvimento – investimentos públicos em educação e qualidade da educação por meio de indicadores relativos ao número de estudantes por professor; (2) Atratividade – o quanto um país é atraente a talento local e internacional; e (3) Preparo – qualidade das competências prevalentes entre a força de trabalho, incluindo o nível de preparo de gestores experientes.

 

Leia também: Qual será o futuro do setor do ensino superior?

 

Entre essas três categorias, o Brasil obteve as piores avaliações na terceira – Preparo. Ao contrário do que poderíamos pensar, esse resultado não é decorrência de baixos investimentos em educação. Pelo contrário, o investimento em educação como percentual do PIB, um dos critérios da dimensão Investimento e Desenvolvimento registrou a melhor qualificação do país: com 6% do PIB investido na educação pública, o Brasil fica em 7° lugar entre os 67 países avaliados.

Como pode ser visto na tabela abaixo, a categoria Preparo teve 2/3 dos seus indicadores entre a 60ª e a 67ª posições, o pior resultado de todas as categorias de indicadores. Por outro lado, a tabela apresenta um único indicador entre a 1ª e a 9ª posições, justamente o investimento público em educação, incluído na categoria Investimento e Desenvolvimento.

Tabela 1

Quantidade de indicadores por categoria, número de indicadores em cada faixa de desempenho e média em cada categoria (fonte: IMD, 2024)

O gráfico apresenta o detalhe dos 12 indicadores da categoria Preparo. Ao analisar a figura, tenha em mente que valores mais altos representam uma posição pior no ranking.

Gráfico 1

Posição do Brasil em cada indicador da categoria Preparo
(fonte: IMD, 2024)

Em dois indicadores, o Brasil ocupa o último lugar da amostra: formação de gestores alinhada com necessidades das empresas e habilidades linguísticas da força de trabalho. Em outros três: qualificação em finanças, educação primária e secundária, e formação universitária, o país está em penúltimo lugar entre os participantes do ranking. Mão de obra qualificada, 65 em 67; experiência internacional, 62 em 67; oferta de gerentes experientes competentes na força de trabalho, 61 em 67. Os resultados não são animadores e, se algo não for feito, dificilmente irão melhorar.

Pensando nisso, seguem propostas para cada ator principal nesta complexa cena.

 

Governo: fomento a um ambiente propício à educação continuada

O governo tem um papel fundamental na criação de um ambiente que incentive e facilite o retorno de adultos mais velhos ao ensino superior. A chave para isso está em desenvolver políticas e programas que reconheçam as necessidades únicas desses estudantes e removam as barreiras que eles enfrentam.

Uma das principais ações que o governo pode tomar é implementar políticas de financiamento flexíveis. Isso pode incluir a criação de bolsas de estudo específicas para estudantes mais velhos e o desenvolvimento de programas de empréstimos estudantis adaptados às suas circunstâncias financeiras. Além disso, o governo pode criar incentivos fiscais para empresas que apoiam a educação continuada de seus funcionários, estimulando assim um ecossistema de aprendizagem ao longo da vida.

Outra frente que pode ser acelerada por meio de regulação específica é o reconhecimento da aprendizagem prévia. Desenvolver programas que validem experiências profissionais como créditos acadêmicos pode acelerar o percurso educacional desses estudantes e valorizar suas experiências de vida. Paralelamente, estabelecer políticas de apoio ao trabalhador-estudante, permitindo a flexibilidade de horário para estudos, pode ajudar a equilibrar as demandas do trabalho e da educação.

 

Instituições de ensino: maior atenção às necessidades dos estudantes adultos

As IES também podem apoiar os novos estudantes, por exemplo, com a criação de percursos de aprendizagem mais flexíveis e focados nas necessidades de requalificação. Isso implica em uma mudança significativa na forma como os programas acadêmicos são estruturados e entregues, incluindo a adoção de formatos educacionais inovadores.

Uma possibilidade que representaria um passo importante nessa direção é a introdução de microcertificações e credenciais digitais empilháveis. Estas oferecem uma abordagem modular à educação, permitindo que os estudantes adquiram e demonstrem competências específicas em períodos mais curtos. As instituições podem desenvolver uma série de microcursos que, quando combinados, levam a certificações maiores ou até mesmo a graus completos. Isso não apenas proporciona flexibilidade aos estudantes mais velhos, mas também permite que eles construam seu currículo acadêmico de forma personalizada, alinhando-o com suas necessidades profissionais imediatas e objetivos de longo prazo.

Além disso, o desenvolvimento de currículos que integrem a experiência profissional dos alunos mais velhos pode enriquecer o ambiente de aprendizagem para todos os estudantes. Ao reconhecer e valorizar as habilidades e conhecimentos prévios por meio de credenciais digitais, as instituições podem criar um sistema educacional mais inclusivo e adaptável às necessidades do mercado de trabalho moderno.

Finalmente, instituições também podem criar serviços de apoio específicos para estudantes mais velhos. Isso pode incluir aconselhamento de carreira adaptado às suas necessidades, suporte tecnológico para aqueles que podem estar menos familiarizados com as ferramentas digitais modernas, programas de mentoria entre pares que conectem estudantes mais velhos, permitindo que compartilhem experiências e estratégias de sucesso.

 

Empregadores: Fortalecimento de uma genuína cultura de aprendizagem

Empregadores, por sua vez, podem ativamente fomentar a importância da educação continuada em suas organizações. Isso envolve uma mudança de mentalidade, o reconhecimento de que o investimento na educação dos funcionários é benéfico tanto para o indivíduo quanto para a empresa, e a adoção de novas formas de reconhecimento de habilidades e competências.

Uma das principais ações que os empregadores podem tomar é oferecer programas de educação corporativa em parceria com instituições de ensino. Isso pode envolver desde cursos curtos de atualização até programas de graduação (mais difícil de ser implementado) ou pós-graduação (mais fácil de ser implementado) personalizados para as necessidades da empresa e do setor. Além disso, os empregadores podem criar programas de reembolso de mensalidades ou co-financiamento de cursos, reduzindo assim a barreira financeira que muitos funcionários enfrentam ao considerar o retorno aos estudos. Outro incentivo seria valorizar as novas habilidades adquiridas pelos funcionários-estudantes, por exemplo, através da ampliação de oportunidades de recrutamento interno para crescimento na carreira.

A implementação de políticas de flexibilidade de horário para funcionários que estudam será de grande auxílio para o atingimento de um equilíbrio entre trabalho e estudos. A oferta e a valorização de microcertificações, que podem ser obtidas em períodos mais curtos e com menor impacto na rotina de trabalho, pode facilitar esse movimento.

Por sinal, a adoção de credenciais digitais, meio tangível de demonstrar e validar novas habilidades adquiridas, incentivaria os colaboradores a buscar educação continuada. Ao valorizar essas credenciais, as empresas podem criar caminhos de desenvolvimento de carreira mais claros e flexíveis para seus funcionários.

Por fim, estabelecer parcerias com instituições de ensino para desenvolver currículos alinhados às necessidades do mercado pode garantir que a educação adquirida seja diretamente relevante para o ambiente de trabalho.

 

Um esforço conjunto pela competitividade da força de trabalho brasileira

O fenômeno dos estudantes mais velhos no ensino superior não é apenas uma tendência passageira, mas uma realidade que está remodelando o panorama educacional no Brasil e em muitos outros países. Para enfrentar esse desafio e aproveitar as oportunidades que ele apresenta, se faz necessária uma abordagem colaborativa e multissetorial. Este acordo é ainda mais necessário quando os indícios apontam para a piora da competitividade internacional brasileira pela baixa capacitação da mão de obra.

O governo, as instituições de ensino e os empregadores têm papéis distintos, mas igualmente relevantes nesse processo. O governo pode criar o ambiente regulatório e os incentivos necessários para facilitar o acesso e a permanência desses estudantes no ensino superior. As instituições de ensino, por sua vez, precisam adaptar seus currículos e metodologias, abraçando inovações como microcertificações e credenciais digitais empilháveis. Já os empregadores têm a oportunidade de fomentar uma cultura de aprendizagem contínua, reconhecendo e valorizando a educação como parte integral do desenvolvimento profissional.

A implementação bem-sucedida dessas estratégias não apenas beneficiará os estudantes mais velhos, mas também fortalecerá todo o ecossistema educacional e profissional. Ao criar um ambiente que valoriza a aprendizagem ao longo da vida, investimos no futuro da nossa força de trabalho e, consequentemente, na competitividade e no desenvolvimento socioeconômico do país.

 

Referências

Por: Alexandre Gracioso | 23/10/2024


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