Educação

Colunista

Daniel Sperb

Consultor em inovação e gestão universitária

Pare de vender cursos, venda resultados

Ao alinhar cursos com a transformação que o aluno busca, a IES cria relacionamentos duradouros e diferenciados

Cursos e resultados Imagem: Shutterstock

Os estudantes não se importam com o curso que sua IES oferece. Muito menos se ele é o melhor ou o mais barato do mercado. O que eles realmente desejam é a transformação que esse curso vai causar em suas vidas.

Quando você, como dirigente universitário, entende isso, uma chave vira em sua mente e todo o seu entorno começa a operar com base nessa nova lógica.

Isso afeta não somente a concepção e a forma como comunica seus cursos, mas também proporciona que esteja atento à entrega da visão de futuro que o aluno deseja para si.

É por isso que ele investe em sua instituição: pela visão de futuro que deseja para si mesmo.

Ao compreender que sua IES está posicionada exatamente entre o que o aluno é e o que ele deseja ser, não é somente sua percepção de marketing que se expande, mas também sua visão de negócio e missão educacional.

 

Saindo da Matrix

Essa compreensão, embora sutil, provoca uma mudança brutal na forma como sua IES comunica valor aos alunos.

Infelizmente, é comum vermos IES vendendo seu portfólio de cursos a granel, sem atributos qualificadores claros, sem personalização comunicacional.

O aluno não compra a IES. Ele compra o curso. Quando uma IES entende que cada curso precisa de uma identidade verbal e visual aderente ao seu público, ela descobre que, dentro de um mesmo curso, existem diferentes personas, e isso afeta drasticamente a forma como ela se comunica e segmenta esses públicos.

Esse nível de personalização faz com que o aluno ingresse na IES sentindo-se não apenas conhecido, mas profundamente compreendido e valorizado. Isso cria uma conexão poderosa que fortalece o vínculo com a instituição desde o primeiro momento.

 

A balança não vale mais que a ração

Preocupe-se com a sua área de marketing, caso ela esteja falando mais sobre métricas do que sobre o aluno. Inclusive, recomendo que essa preocupação transcenda a área de marketing e seja conduzida para o restante da instituição, pois todos os setores só existem em decorrência de um ator: o estudante.

Siglas como CPC (custo por clique), CTR (taxa de cliques), CPA (custo por aquisição), CAC (custo de aquisição de aluno), LTV (valor do tempo de vida do cliente), entre outras, são importantes, mas não valem nada quando desprovidas da compreensão profunda do que é valor para o seu aluno.

Pesar um porco todo dia não garante seu aumento de peso, mas a qualidade da sua ração, sim. O mesmo ocorre com essas métricas. Elas costumam receber mais atenção (quando existem) do que aquilo que de fato as impacta.

Uma equipe de marketing que não adota ou não estabelece interfaces com departamentos responsáveis pelo uso de ferramentas como blueprinting de serviços educacionais, jornada do aluno, prototipagem de serviços, análise de pontos de contato, testes de usabilidade, avaliação heurística, personas, storytelling, cenários educacionais, entre outras, não pode se considerar verdadeiramente centrada no estudante.

Ignorar esses métodos e ferramentas essenciais revela uma lacuna significativa na compreensão profunda das necessidades, comportamentos e expectativas dos alunos.

Sem essa integração interdisciplinar, as estratégias de marketing permanecem superficiais e desconectadas da experiência real do estudante, resultando em campanhas ineficazes e em cursos que simplesmente não conectam com o público-alvo.

 

Marketing: uma definição didática e matadora

Para ser realmente centrada no aluno, uma equipe de marketing deve dominar o design de serviços e a experiência do usuário (UX), garantindo que cada ponto de contato e cada interação sejam cuidadosamente mapeados, testados e otimizados para proporcionar uma experiência verdadeiramente transformadora e satisfatória.

Se o seu time de marketing não transpira paixão pelo aluno e seu comportamento e não metrifica sua jornada,  você tem um problemão: total ausência do verdadeiro propósito do marketing no próprio time de marketing.

Se você deseja uma definição didática e pragmática, esqueça tudo que você ouviu falar sobre marketing e guarde apenas uma frase: Marketing é satisfazer o seu aluno. Simples assim.

João Branco, premiado publicitário brasileiro, defende que o marketing gira em torno de viabilizar a satisfação ao seu cliente. Para ele, o marketing é tudo aquilo que está entre alguém que precisa vender e alguém que precisa comprar.

 

Jinetes de plataformas

Nada é mais importante do que saber tudo sobre o seu aluno. Logo:

1) Saber tudo sobre o seu aluno significa domínio absoluto sobre a sua jornada.

2) O domínio da jornada proporciona melhor design da sua experiência.

3) Design de experiência é uma especialidade da área de design de serviços.

4) Design de serviços é uma das manifestações de design.

Sendo assim, um bom executivo de marketing educacional precisa, obrigatoriamente, de conhecimento avançado em design. Ele não resume o design a uma estação de beleza para seus criativos.

Logo, é impossível ter performance em um time que não domina os métodos e técnicas para o mapeamento, projeto e monitoramento sistêmico da jornada do aluno.

Percebo que, cada vez mais, o marketing está se escondendo atrás de métricas desprovidas de estratégia e contexto. Estrategistas ficam vendidos perante seus analistas que mais parecem jinetes de plataformas, subindo campanhas e torrando a suada verba institucional.

O problema é que áreas inteiras de marketing em instituições de diferentes portes espalhadas pelo mundo passaram a operar como se as técnicas e ferramentas de marketing digital fossem marketing, e não são. Marketing digital é um subsistema do marketing.

O jogo é ganho ao conhecer o aluno melhor que o concorrente, pois o efeito rebote desse conhecimento impacta a forma como você concebe e entrega um curso diferenciado ao seu estudante.

 

Defina “diferencial competitivo” e veja a régua subir

Diferencial competitivo é gerar valor que o seu concorrente não gera e que é difícil de ser copiado.

Marty Neumeier defende que existem apenas dois componentes do sucesso de um negócio: a marca e sua entrega. Todas as outras atividades como finanças, produção, marketing, captação, comunicação, relacionamentos humanos, relacionamentos com investidores, são subcomponentes desse êxito.

Seth Godin vai numa linha semelhante e defende que marketing é empatia e serviço. Marketing não é sobre quem pode gritar mais. É sobre criar desigualdade em coisas aparentemente iguais, definição atribuída a branding por Arthur Bender.

Neil Patel diz que o bom marketing se destaca, mas o excelente marketing não parece marketing. É impossível fazer isso sem conhecer profundamente o seu aluno.

No final do dia, é sobre oferecer a transformação e não apenas o curso. Godin gosta de afirmar que marketing é um ato generoso de resolver problemas.

Sua área de marketing possui um inventário claro e objetivo dos problemas que cada curso resolve na vida dos seus alunos?

 

Ressignificando o marketing institucional

A solução está em resgatar a essência do marketing: satisfazer e encantar o aluno. Para isso, é fundamental que as instituições invistam em compreender profundamente quem é seu público-alvo, suas necessidades e desejos.

Times de marketing devem transcender as métricas superficiais e adotar uma abordagem centrada no estudante, utilizando técnicas de design de serviços educacionais para mapear toda a jornada do aluno.

Ao alinhar cursos e serviços com a transformação que o aluno busca, não apenas fortalecemos a marca, mas também criamos relacionamentos duradouros e diferenciados, difíceis de serem replicados pela concorrência.

Godin alerta que toda organização é significativamente influenciada por uma força motriz primária. Por exemplo: restaurantes são influenciados pelo chef. O Vale do Silício pela tecnologia. Wall Street pelo dinheiro. Algumas instituições possuem o marketing como força motriz, e esse é um erro fatal. Isso faz você amar mais seu produto ou serviço do que o problema que ele se propõe a resolver. Por que isso importa? Seus cursos nasceram para resolver problemas dos alunos e isso deveria pautar toda a comunicação da IES e de seus cursos.

 

Considerações finais: ataque a causa raíz

O conceito de Jobs to Be Done (JTBD), criado por Clayton Christensen, por exemplo, prega justamente isso – todo produto, na verdade, oculta um trabalho a ser feito. Quais são os JTBD de cada curso do seu portfólio? A comunicação reflete esse trabalho a ser feito?

Você prefere uma furadeira ou um buraco na parede? Você prefere um buraco na parede ou um quadro? Você prefere um quadro ou decorar a sua parede? O que realmente está por trás do que você quer?

Finalizo esse texto com uma definição de design do Nobel de Economia de 1978, Herbert Simon, considerado um dos pais da inteligência artificial e um dos mais respeitados teóricos do design. Simon acreditava que o design era uma poderosa ferramenta para a mudança, não um mero utilitário para o projeto de produtos, serviços ou comunicações.

“Todo aquele que se lança ao design está transformando situações existentes em situações preferidas.”

Como estão as situações existentes em sua IES? Próximas de se tornarem situações preferidas? Se não, comece pelo design.

 

Por: Daniel Sperb | 13/11/2024


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