Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

Diferencial estratégico e saúde financeira da IES

Pressão por preços cada vez mais baixos traz graves consequências para a sustentabilidade das IES

Saúde financeira Foto: Shutterstock

Com o início do ano letivo, o esforço para a construção da peça orçamentária começa a ficar para trás e aparece espaço na agenda para um pensamento de mais longo prazo. É importante aproveitar esse respiro das tarefas emergenciais para nos dedicarmos a uma reflexão mais estratégica. E o que pode ser mais relevante para a instituição do que pensar nos diferenciais competitivos e como os mesmos se relacionam com a política de preços dos cursos oferecidos no portfólio?

Embora o mercado para o ensino superior esteja se tornando cada vez mais competitivo internacionalmente, o Brasil vem sofrendo de um complicador adicional que é uma forte competição baseada em preços. Esse fenômeno é mais acentuado por aqui e, justamente por isso, conquistar um diferencial estratégico valorizado pelo mercado é essencial para a saúde financeira da IES.

O estabelecimento de diferenciais bem marcados, compreendidos e valorizados pelo mercado (candidatos, estudantes e recrutadores) traz benefícios de diversas naturezas para a instituição. O mais concreto deles, mas não o único, talvez seja a possibilidade de sair da vala comum da competição baseada no preço, que vem minando a sustentabilidade financeira e, por conseguinte, a própria sobrevivência de muitas instituições. Porém, os benefícios ultrapassam a questão imediata da precificação. Diferenciais bem compreendidos pelos candidatos, por exemplo, ajudam a selecionar estudantes mais afinados à proposta institucional, favorecendo a satisfação, o engajamento e a permanência dos discentes.

Inicialmente, chamarei a atenção do leitor para a situação que se criou por decorrência da competição por preços no setor. A pressão por preços cada vez mais baixos vem diminuindo gradativamente a margem dos programas, com consequências graves para a sustentabilidade das instituições.

 

Achatamento das mensalidades

A análise a seguir faz uso dos dados coletados pelo Instituto Semesp e disponibilizados por meio do Sindata, sistema de Business Intelligence (BI) criado pelo Semesp para difundir, entre os associados, dados confiáveis do setor do ensino superior no Brasil.

Entre os muitos dados disponíveis, há uma base de acompanhamento das mensalidades cobradas por instituições particulares que respondem a uma pesquisa anual. Essa base (Semesp: Sindata), com dados de 2021 a 2024, é a fonte para as análises contidas neste artigo.

O Gráfico 1, abaixo, apresenta a média das mensalidades para algumas carreiras e a média geral para todas as carreiras, de acordo com a base de dados do Sindata, em 2021 e 2024. A primeira constatação é que Medicina “puxa” a média para cima, no entanto outras carreiras possuem valores bem mais reduzidos. Além disso, evidencia-se a disparidade praticada entre os preços do presencial e do EAD. Também chama atenção a pequena diferença entre as mensalidades de 2021 e as de 2024. Na verdade, os reajustes, como será visto mais abaixo, não cobrem a inflação do período medida pelo IPCA.

Gráfico 1: Mensalidades médias de carreiras selecionadas e média geral de todas as carreiras em 2021 e 2024.

De acordo com os dados do Sindata, a média das mensalidades dos cursos presenciais, todos os cursos, em 2021 era de R$1.115 e, em 2024, de R$1.132. Ou seja, em quatro anos, período no qual o IPCA acumulou 28%, as mensalidades do ensino superior particular tiveram seus preços reajustados, em média, em apenas 1,5%, registrando uma perda significativa nos valores reais das mensalidades.

 

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A ampliação dessa análise por modalidade e por carreira mostra em maior riqueza a dinâmica de mercado.

Tabela 1: Variação % nas mensalidades médias em R$ entre 2021 e 2024, por carreira e por modalidade e ganho ou perda real (em percentual) – carreiras selecionadas e total geral (*)

 (*) Inflação acumulada no período IPCA (2021 – 2024): 28% – Fonte: IBGE

A tabela acima ressalta o processo de perda de margem das instituições de ensino superior brasileiras nos últimos anos. Entre as carreiras apresentadas, contabilidade foi a que apresentou pior resultado, com perdas reais de 21% no presencial e 8% no EAD. Os cursos de administração também sofreram perdas de margem significativas, tanto no presencial quanto no EAD. Mesmo a área de medicina, onde se encontram as mensalidades mais elevadas do mercado, foi capaz somente de repassar o IPCA.

Por outro lado, algumas carreiras, aqui representadas por sistemas de informação, cresceram tanto em demanda que acomodaram aumentos reais de preço. Os cursos de SI presenciais, por exemplo, conseguiram aumentar 58% suas mensalidades entre 2021 a 2024, representando um aumento real de 24%. Mesmo os cursos EAD conseguiram manter sua posição, aumentando 24% em média e acumulando somente uma pequena perda.

 

Indo mais fundo – movimentos diferenciados

Mas o ponto deste artigo não é unicamente chamar a atenção para o fato de que em sua maioria as IESs brasileiras estão perdendo lucratividade a cada ano. Os dados do mercado nos permitem fazer uma avaliação da posição competitiva dos cursos por faixa de preço e a história que eles contam é surpreendente. A Tabela 2 apresenta as mensalidades médias para as carreiras selecionadas e para todas as carreiras.

Tabela 2: Mensalidades médias (R$) para as carreiras selecionadas e para todas as carreiras, em 2021 e 2024.

A tabela acima revela, por exemplo, que os cursos que mais conseguiram aumentar seus preços, no presencial, foram os cursos que já estavam no quartil superior de mensalidades. Ou seja, aqueles cursos que não entraram na competição por preços, cursos que não estão na vala comum e que, muito provavelmente, possuem diferenciais competitivos bem estabelecidos. No EAD o quadro é diverso, sendo que os cursos que mais aumentaram suas mensalidades foram os primeiro quartil, apesar de aumentos substanciais dos cursos com preços mais elevados. A Tabela 3 apresenta o percentual de aumento para cada quartil.

Tabela 3: Variação % nas mensalidades médias em R$ entre 2021 e 2024, por carreira e por modalidade, por quartil de valor de mensalidade e média – carreiras selecionadas e total geral (*)

 

Cursos mais caros cada vez mais caros?

Para resumir essa informação e tornar mais tangível as diferentes taxas de aumentos de preços por cursos em quartis de mensalidades diferentes, foi criado um indicador intitulado “Múltiplo Q3”. A Tabela 4 apresenta o cálculo desse múltiplo para a carreira de sistemas de informação, para exemplificar o que foi feito para cada carreira.

Tabela 4: Exemplificação do cálculo do indicador Múltiplo Q3 para a carreira Sistemas de Informação Modalidade Presencial

As expressões entre parênteses, nas três colunas da direita, indicam o cálculo realizado para obtenção do indicador para cada caso.

O Múltiplo Q3 pode ser analisado tanto dentro do ano como entre anos. Em 2021, por exemplo, percebemos que as mensalidades dos cursos posicionados no quartil mais elevado de preços eram, em média, mais de duas vezes mais elevadas (2,27) que as mensalidades praticadas pelos cursos mais baratos da carreira e 32% mais elevadas (1,32) que as mensalidades dos cursos posicionados no segundo quartil.

Em 2024, esses números se alteraram substancialmente. Os cursos mais caros elevaram seus preços mais rapidamente que os cursos dos outros quartis e, em média, estavam praticando mensalidades cerca de quatro vezes (4,08!) mais elevadas do que os cursos mais baratos. Esse movimento aumentou a distância até mesmo em relação aos cursos posicionados no segundo quartil (de 1,32 para 2,40).

 

Leia: Por que as IES devem adotar as práticas de ESG

 

O Gráfico 2 apresenta o indicador Múltiplo Q3 para cada uma das carreiras selecionadas e para todas as carreiras em 2021 e 2024, assim como a variação percentual observada no período (números em caixas azuis ou vermelhas, à direita). A categoria Q3 foi omitida no eixo da esquerda por se tratar da variação dos preços dos cursos no terceiro quartil em relação a eles próprios. O gráfico mostra que a evolução de preços do presencial e do EAD foi diferente. No presencial, o Múltiplo Q3 aumentou em todos os casos, sem exceção, ao passo que no EAD, o múltiplo diminuiu na maior parte dos casos, permaneceu igual em um caso e aumentou em outro. A Tabela 5, após o gráfico, apresenta essa contagem.

Gráfico 2: Múltiplo Q3 por carreira e por modalidade, para 2021 e 2024, e variação percentual observada no período.

 

A Tabela 4 apresenta o resumo da contagem das variações apresentadas no gráfico. Com esse resumo mais organizado, fica mais claro que os preços do EAD e do presencial evoluíram de forma diversa. No presencial, todas as variações do Múltiplo Q3 foram positivas, sem exceção. Isso significa que, no presencial, os cursos com mensalidades mais elevadas se distanciaram ainda mais dos outros nesse período. Por outro lado, no EAD, quase todas as variações no Múltiplo Q3 foram negativas, o que significa que os cursos com mensalidades menos elevadas se aproximaram dos mais caros.

tabela 5

 

Conclusão

A análise apresentada neste artigo revela um cenário preocupante para o ensino superior brasileiro. Os dados do Semesp demonstram que a maioria das instituições está presa em uma espiral descendente de competição por preços, com perdas reais significativas nas mensalidades entre 2021 e 2024, período em que a inflação acumulou 28%.

O comportamento divergente entre os quartis de preço é particularmente revelador. Enquanto as instituições que competem primariamente por preço viram suas mensalidades reais se deteriorarem (com perdas de até 30% no primeiro quartil dos cursos presenciais), aquelas que conseguiram estabelecer diferenciais competitivos claros – como exemplificado pelos cursos de sistemas de informação no quartil superior – conseguiram não apenas manter seus valores reais, mas até aumentá-los significativamente.

 

Leia: IES obtêm até 25% de economia nas compras

 

Esta dicotomia entre instituições que conseguem ou não sustentar seus preços não é mera casualidade estatística, mas sim reflexo direto de suas propostas de valor. As instituições que construíram diferenciais estratégicos sólidos – seja através de excelência acadêmica reconhecida, parcerias empresariais diferenciadas, infraestrutura superior ou outcomes de carreira comprovados – conseguem justificar e sustentar mensalidades mais elevadas mesmo em um mercado altamente competitivo.

O caminho para escapar da “vala comum” da guerra de preços passa, necessariamente, pela construção de diferenciais competitivos que sejam:

  • Relevantes para o mercado (estudantes, empregadores e sociedade)
  • Difíceis de serem copiados pela concorrência
  • Claramente comunicados e comprovados
  • Alinhados com as necessidades e expectativas dos stakeholders

Como será discutido no próximo artigo, existem diversos caminhos possíveis para a construção desses diferenciais. O ponto crucial é que, sem eles, as instituições continuarão vulneráveis à erosão de suas mensalidades, comprometendo sua sustentabilidade financeira e, consequentemente, sua capacidade de ofertar educação de qualidade.

Os dados analisados demonstram que não se trata mais de uma opção, mas de um imperativo estratégico: desenvolver diferenciais competitivos claros e valorizados pelo mercado é condição sine qua non para a sobrevivência e a prosperidade das instituições de ensino superior no cenário atual.

 

Referências

 

Por: Alexandre Gracioso | 27/01/2025


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