Revista Ensino Superior | Educação em tempos de emergência climática
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Educação

Colunista

Karina Tomelin

Educadora, psicóloga, pedagoga e mestre em educação

O bode está na sala: educação em tempos de emergência climática

Professor de Porto Alegre traz reflexões sobre os impactos da crise climática na educação

Emergência climática em pauta Karina Tomelin estreia a nova temporada da série de artigos "Docência no divã" com o professor e jornalista Roberto Belmonte, professor e jornalista (foto: arquivo pessoal)

“Hoje, quando qualquer professor fala em sustentabilidade e mudança do clima, todos param para ouvir.” A frase, dita pelo professor Roberto Belmonte, carrega um peso que só quem viveu o trauma das enchentes em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, pode compreender plenamente. Mas ela também aponta para uma transformação mais ampla: a do olhar dos estudantes, da escuta ativa em sala de aula e da urgência de educar para um mundo que já não é mais o mesmo.

Belmonte tem 56 anos, é jornalista por formação e professor por paixão. Atua no Centro Universitário Ritter dos Reis há mais de uma década e se tornou uma referência em jornalismo ambiental no Brasil. Começou cobrindo a histórica Rio 92, evento que, segundo ele, moldou não só sua carreira, mas seu sentido de existência profissional. “Foi ali que eu entendi o que era ser jornalista. Foi ali que meu trabalho passou a ter propósito.”

 

A trajetória de um educador inquieto

Antes de se tornar professor universitário, Roberto percorreu o mundo em busca de formação e aprofundamento, estudando jornalismo ambiental. Trabalhou na RBS, participou de programas de formação em jornalismo ambiental na Suécia, Alemanha, Estados Unidos e Equador, e foi um dos fundadores da rede brasileira de jornalismo ambiental, em uma época em que nem todos os colegas tinham e-mail. “Era o final dos anos 90, e a internet ainda engatinhava. Mas já sabíamos que precisávamos de uma rede.”

Sua transição para a docência foi marcada por uma paixão antiga e por um desejo de aprofundamento: “Eu sempre quis dar aula, mas queria chegar com bagagem. Por isso, mergulhei primeiro no mercado”. E chegou à academia com sede de pesquisa. Fez especialização, mestrado e doutorado, com foco na linguagem e nos discursos sobre meio ambiente. Hoje, se vê completamente inserido no tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão.

“Me sinto, enfim, integralmente professor universitário. É um lugar de escuta, de mediação, de provocação. Um espaço onde posso fazer a diferença.”

 

Leia: Reitores se organizam para a COP30

 

A palavra que perdeu o peso

Muito antes da água subir, Roberto Belmonte já identificava outra inundação — a do vocabulário. Em suas aulas, ele provocava os estudantes com uma constatação: a palavra “sustentabilidade” foi tão repetida, tão usada em discursos publicitários, campanhas corporativas e políticas vazias, que perdeu parte de seu sentido original. “Até o cigarro virou sustentável”, ironiza. É o que ele chama de erosão semântica: um processo em que o uso excessivo e pouco rigoroso de um termo leva ao seu esvaziamento. Quando tudo é sustentável, nada mais é.

Essa banalização afasta os alunos da urgência real da questão ambiental. “Muitos chegavam na aula e torciam o nariz, como se fosse só mais um chavão da moda. A palavra perdeu a potência de mobilizar”. Para ele, é justamente aí que entra o papel do professor: resgatar o significado profundo da sustentabilidade, conectando o conceito às experiências concretas dos alunos — à cheia que destrói bairros, à seca que inviabiliza plantações, ao calor insuportável que adoece os corpos. Reenraizar a linguagem no território é, para Belmonte, um gesto pedagógico e político.

 

O dia em que Porto Alegre virou sala de aula

Quando as águas subiram em maio de 2024, após uma sequência de eventos extremos no sul do Brasil, Roberto não apenas viu sua cidade inundada — ele viu suas aulas ganharem uma urgência inédita. A crise climática, que antes era conteúdo de PowerPoint ou artigo acadêmico, materializou-se nas ruas, nas casas, nas vidas.

“A emergência climática tem cheiro, tem cor, tem lama. Não é mais um conceito abstrato. Ela está entre nós.”

Segundo ele, o efeito nas salas de aula foi imediato. Estudantes passaram a se envolver mais, fazer perguntas, conectar o conteúdo com suas experiências cotidianas. “Antes, sustentabilidade era vista como um tema distante. Hoje, ela virou uma pauta pessoal.”

Após a enchente, não há mais distanciamento possível. A emergência climática deixou de ser um conceito para virar conversa de todo dia. “Não existe um porto-alegrense que não tenha uma opinião sobre as casas de bomba, os diques, a reconstrução ou a viagem do prefeito à Holanda”, diz Belmonte. “Todo mundo quer saber o que está sendo feito. Virou uma discussão popular”. O que antes era tema de aula especializada, agora invade os corredores da universidade, os grupos de WhatsApp e as rodas de chimarrão. 

 

O bode na sala de aula

A metáfora do “bode na sala”, popularizada no Brasil por colunistas, como Celso Nascimento, vem de uma antiga anedota de origem judaica que retrata uma estratégia curiosa para lidar com o incômodo. Segundo a história, um homem procura o rabino reclamando da vida difícil com sua família em uma casa apertada. O rabino aconselha: “Leve um bode para morar com vocês”. Dias depois, com o ambiente insuportável, o rabino sugere: “Agora tire o bode”. Ao retirá-lo, o alívio é imediato — ainda que as condições permaneçam as mesmas de antes. 

No olhar de Roberto Belmonte, o bode é a emergência climática: incômoda, escancarada, inescapável. Mas, diferente da fábula, esse bode não pode ser removido — e tampouco ignorado. Ele é consequência direta das escolhas que fizemos como sociedade. Agora, mais do que desejar seu desaparecimento, precisamos nos responsabilizar por sua presença e por tudo que fizemos com o planeta até aqui. O bode está na sala — e é hora de conversar com ele.

 

Leia: O enfrentamento da crise climática na Universidade Zumbi dos Palmares

 

A imagem do “bode na sala” atravessa a fala de Roberto Belmonte como uma metáfora viva do que a emergência climática representa hoje no contexto educacional. Para ele, a enchente de maio de 2024 escancarou um problema que, antes, muitos preferiam ignorar ou tratar como tema de “especialistas”. O bode, incômodo e barulhento, está agora no centro da sala — e não dá mais para fingir que ele não está ali. “A crise climática virou pauta comum, virou conversa de bar, de fila de banco, de sala de aula. E como tirar o bode da sala se ele é, agora, parte da vida?”, questiona. A pergunta, mais do que retórica, é pedagógica: como manter o tema candente mesmo quando o céu está azul e os rios, calmos?

Belmonte sugere que, ao invés de tentar “expulsar” o bode ou escondê-lo debaixo do tapete, a educação pode aprender a conviver com ele — e até a transformá-lo. “A gente precisa ensinar os alunos a cuidar do bode, a compreender de onde ele veio, porque está aqui, e o que fazer com ele”. Isso significa transformar o incômodo em reflexão, e a crise em possibilidade. O bode, afinal, também pode ser um ponto de virada: uma oportunidade de provocar pensamento crítico, fortalecer vínculos com o território e estimular ações concretas. O que antes era invisível e incômodo, agora é insuportavelmente presente — e pedagogicamente fértil.

 

O professor como farol: ansiedade, finitude e mobilização

Mas junto da escuta veio o medo. Belmonte relata ter percebido o que hoje se chama de ansiedade climática: jovens sem projeto de futuro, sem planos de família, sem esperança. “Eles estão se perguntando se vale a pena sonhar.”

Para ele, o papel do professor nesse cenário é delicado, mas crucial: não negar a gravidade da situação, mas transformar o medo em ação. “Um pouco de ansiedade faz bem. O que não pode é paralisar. Ela precisa nos mobilizar.”

“A emergência climática precisa estar presente quando escolhemos onde trabalhar, como viver, em quem votar. A educação precisa ser parte dessa virada.”

Um ponto alto de sua fala é a crítica à ideia de que a crise ambiental é um tema “da biologia” ou “do professor especializado”. Para Roberto, isso é ultrapassado — e perigoso.

“Não faz sentido mais ter uma caixinha chamada ‘educação ambiental’. Isso é de todos nós.”

Ele defende que todas as áreas do conhecimento, da contabilidade à moda, precisam desenvolver letramento ambiental. “Na contabilidade, é fácil: a conta não fecha. Temos 8 bilhões de pessoas querendo consumir como nunca, com recursos naturais cada vez mais escassos. Essa equação não tem solução sem repensarmos tudo.”

 

Ecoalfabetização, extensão e reconexão com a natureza

Inspirado no físico Fritjof Capra, Belmonte defende o conceito de ecoalfabetização: reaproximar o humano do mundo natural, começando pela escola. Para ele, a experiência é a chave. E ele tem levado isso a sério. Seus alunos fazem reportagens imersivas, participam de saídas de campo, conhecem projetos locais, sentem a natureza — ou sua ausência — no corpo.

“Nada permanece no repertório do aluno se ele não vivencia. A experiência é o que transforma.”

Ele também destaca o papel dos projetos de extensão, especialmente com a chegada da curricularização. “Pegamos os alunos pela mão e vamos para o parque, para o morro, para o rio. E eles voltam diferentes”.

 

O que pode (e deve) um professor fazer?

Para o professor Roberto Belmonte, os professores não estão de mãos atadas diante da crise climática. Pelo contrário: têm um papel central. E isso vale para todos, não apenas para quem leciona biologia, geografia ou jornalismo ambiental. A sustentabilidade, como ele afirma, não deve ser mais uma “caixinha” no currículo, mas uma lente através da qual todas as áreas repensam seus propósitos e práticas.

“A primeira pergunta que todo professor deve se fazer é: como a minha área pode ajudar a resolver essa conta que não fecha?”

 

Leia também: Crise climática eleva importância da biologia marinha

 

Para isso, Belmonte sugere partir do entorno, observar as evidências da emergência climática na própria comunidade e usar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como guia prático. “Eles são um cardápio de possibilidades para qualquer curso, seja na engenharia, na contabilidade ou no design de moda”, afirma. A transversalidade, segundo ele, precisa ser mais do que um conceito: deve virar ação. Projetos de extensão, temas de TCC, trabalhos em grupo, saídas de campo, visitas técnicas — tudo pode (e deve) incorporar o eixo socioambiental.

“Não é mais suficiente separar o lixo. É preciso mobilização, política pública, mudança cultural. E os professores são agentes fundamentais dessa transformação.”

A mensagem final de Belmonte é clara: estamos vivendo em outro planeta — mais quente, mais desigual, mais imprevisível. E cabe à escola, à universidade e aos educadores o desafio (e a responsabilidade) de formar sujeitos capazes de enfrentar esse novo mundo com lucidez, sensibilidade e ação. “O bode está na sala. E a educação é o único espaço onde ele pode, de fato, ser transformado”.

 

Por: Karina Tomelin | 25/04/2025


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