Velocidade não é aprendizado e eficiência não é compreensão
“Estou muito ansioso com o momento em que este período de teste terminar. Não quero voltar à minha vida antes do ChatGPT.” A confissão foi feita por um estudante de Ciências da Computação com TDAH, no Reddit. “Perco a motivação quando fico preso em erros básicos. Mas agora que tenho meu fiel bot, as coisas estão indo bem para mim.”
Mas será que estão mesmo?
Uma pesquisa recente feita na Austrália revela que um em cada quatro universitários admite aprender pouco ou nada ao usar inteligência artificial em seus estudos (pessoalmente, acho esse percentual até baixo). Por outro lado, 55% exigem que suas instituições forneçam essas mesmas ferramentas. Entre estudantes internacionais, o número dispara para 75%.
Eric Klopfer, professor do MIT, decidiu testar uma hipótese. Dividiu os alunos em três grupos e deu-lhes um problema em Fortran para ser resolvido. Ele escolheu FORTRAN por ser uma linguagem que nenhum aluno da turma conhecia (entendo eles, também não conheço). O grupo um podia usar o ChatGPT livremente, o grupo dois podia usar o Code Llama, cujo uso exige um pouco mais de engajamento na construção do código, e o grupo três somente podia fazer pesquisas no Google (e havia quem pensasse que mesmo isso era demais).
Bem, não é preciso fazer suspense sobre os resultados iniciais: os alunos que usaram o ChatGPT foram os mais rápidos, os do Code Llama terminaram em segundo e os do Google demoraram mais. Aí, alguns dias depois, os estudantes tiveram que refazer o exercício, de memória. O resultado se inverteu e todos os estudantes do grupo do ChatGPT foram reprovados na tarefa. Metade do Code Llama foi aprovado e todos os que tiveram que decompor a tarefa em pedaços menores para se valer somente do Google foram aprovados.
Esse momento cristalizou uma verdade incômoda que muitos preferem ignorar. Velocidade não é aprendizado e eficiência não é compreensão. E a facilidade de hoje pode ser a incompetência de amanhã.
No entanto, é sempre muito fácil julgar e apontar deficiências. Mas, e quanto ao mundo em que vivem esses jovens? Um percentual cada vez maior de estudantes do ensino superior trabalha e estuda ao mesmo tempo. Isso é verdadeiro no Brasil e no exterior. Na Austrália, por exemplo, em 2018, apenas 4% dos estudantes australianos trabalhavam em tempo integral. Hoje? 26%. “É insustentável”, diz a pesquisa.
O que estamos vendo é que usar a IA Generativa, principalmente nas fases iniciais da aprendizagem, é como aprender a caminhar com andador e descobrir que suas pernas atrofiaram.
Um docente, por exemplo, relata que doutorandos no programa de IA Responsável submeteram, como projeto final de disciplina, um podcast criado inteiramente por IA como se fosse deles. Como se não bastasse isso, o paper de base continha erros que não foram identificados pelos estudantes e que foram amplificados pela ferramenta de IA. “Foi o trabalho mais irresponsável que vi em minha carreira”, lamenta o professor.
Ainda assim, proibir a IA é um exercício inútil. Os especialistas que conduziram a pesquisa australiana são categóricos em afirmar que as tecnologias terão que ser incorporadas na educação. A questão não é se, mas como. E é o “como” que irá determinar se de nossas cadeiras sairão pensadores ou “prompteiros”.
Lembra quando calculadoras invadiram aulas de matemática? O pânico inicial (“Ninguém mais saberá fazer contas!”) deu lugar a uma compreensão mais refinada. Mantivemos o cálculo mental suficiente para preservar o “senso numérico” enquanto liberávamos mentes para problemas mais complexos. Agora enfrentamos desafio similar, mas exponencialmente mais complexo.
Enfim, seres humanos não são coerentes todo o tempo, talvez nem a maior parte do tempo e esta não é a primeira situação em que desejamos algo que pode nos prejudicar. Mas, é importante considerar que este paradoxo talvez seja sintoma de um problema maior.
O sistema educacional está inserido em uma sociedade que valoriza resultados, não processos. Notas ao invés de aprendizagem e velocidade, produção, ao invés de profundidade, são o que realmente importa. Isso é verdadeiro também para professores, que precisam equilibrar múltiplas tarefas que envolvem liderar muitas turmas, escrever, pesquisar etc. A IA somente escancara o que está aí.
Um caso emblemático é o da professora Francesca Gino, de Harvard, que pesquisa comportamento ético e que foi demitida por ter inventado dados para atingir as metas de publicação. Ok, talvez este caso seja muito extremo, mas talvez, talvez, se professores e estudantes não se sentissem tão pressionados por metas muitas vezes conflitantes e todas elas para ontem, não precisassem pegar tantos “atalhos”.
Enquanto as coisas não mudam, estudantes continuam a enfrentar seu dilema diário. Abrem a aba da IA com um misto de culpa e alívio. Entregam trabalhos que não lembram de ter escrito e avançam nas disciplinas pensando se desenvolverão as competências necessárias durante seus programas. Nossos estudantes merecem mais do que críticas e recriminação; o ensino superior deveria oferecer um ambiente no qual aprender e viver não sejam forças opostas, mas complementares. Onde a tecnologia liberte o potencial humano em vez de substituí-lo.
Este futuro não é impossível, só está ainda um pouco longe.
Por: Alexandre Gracioso | 13/06/2025