Revista Ensino Superior | A urgência do cuidado nas instituições educacionais

Educação

Colunista

Josiane Tonelotto

Superintendente acadêmica do Centro Universitário Belas Artes

A urgência do cuidado nas instituições educacionais

Quando a vida perde o sentido para alguém em plena juventude, não se trata de um drama individual, trata-se de um colapso coletivo

O cuidado nas instituições de ensino Gestão educacional deve formar continuamente seus docentes e gestores para identificar sinais de sofrimento emocional (foto: Shutterstock)

Atenção: o artigo a seguir aborda temas sensíveis, como suicídio*.

Fim de semestre. Junho chegou e marca o encerramento de mais um semestre no Centro Universitário Belas Artes. Agenda apertada, tudo ao mesmo tempo e agora. Sou interrompida por uma notícia muito triste. Um estudante quis tirar a própria vida e no momento estava numa UTI para recuperar-se. Parei tudo o que estava fazendo. Nada mais era importante e nem urgente. Nada poderia ganhar o espaço de atenção que este episódio merecia. Contato com diretoria, coordenação, com o setor de atendimento psicopedagógico e finalmente com os pais. Um menino, 24 anos, excelente aluno tinha deixado aqueles pais sem reação diante de algo que ninguém conseguia entender. Um processo depressivo experimentado há algum tempo saiu do controle e a vida perdeu o sentido.

Como é possível a vida perder o sentido para uma pessoa tão jovem? Que tipo de experiências ela teria tido que não foram suficientes para achar que sempre vale a pena? Casos como esse, infelizmente, não são exceção. Vivi outros em que, infelizmente, o resultado final não foi positivo, e a vida se perdeu. Lembro como hoje, o dia em que um jovem de 21 anos, aluno de um curso de publicidade e propaganda, entrou na instituição fora do horário de aula, esgueirou-se pelo vitrô do banheiro e saltou do décimo terceiro andar. Tudo que restou em mim, desse dia, foi a memória triste e o gosto amargo – como instituição era preciso ter prestado mais atenção.

 

Saúde mental: problema se agrava e IES atuam na prevenção

 

O suicídio entre adolescentes e jovens adultos tem crescido de forma alarmante no Brasil e no mundo, configurando-se como um grave problema de saúde pública e um potente alerta para todos os que atuam na educação. Segundo o Atlas da Violência 2023, publicado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre os anos de 2011 e 2021, o número de suicídios entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil aumentou em 41%. Entre os adolescentes de 10 a 19 anos, a taxa subiu 17% nesse mesmo período.

Em âmbito global, o Relatório Global de Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2022, destacou que o suicídio é a quarta principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no mundo. No grupo de 15 a 19 anos, é a terceira causa de morte entre meninas, e a quarta entre meninos.

Afinal, o que está acontecendo com nossos jovens? O que os afeta tanto? A juventude contemporânea está exposta a uma série de tensões que contribuem para o agravamento do sofrimento mental. O excesso de conectividade digital, a pressão por desempenho, a sensação de não pertencimento a instituições e o medo diante do futuro, marcado por inseguranças climáticas, econômicas e políticas, geram um ambiente emocionalmente adverso.

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), do IBGE, na edição de 2019, já apontava que 13,3% dos estudantes brasileiros entre 13 e 17 anos relataram ter considerado seriamente tirar a própria vida nos 12 meses anteriores à pesquisa.

 

Docência no divã: Como evitar o burnout docente?

 

Dentre esses, 28,5% disseram ter se sentido sozinhos com frequência. No âmbito universitário, um estudo conduzido pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), em 2019, revelou que mais de 80% dos estudantes relataram ter passado por episódios de sofrimento psíquico durante o curso, sendo que 1 em cada 3 estudantes já pensou em suicídio.

Todos esses dados não são apenas números: eles representam histórias interrompidas, famílias devastadas, e um alerta que precisa ser ouvido pelas instituições educacionais. Eles nos colocam diante de uma responsabilidade ética não opcional e  incontornável: as instituições de ensino não podem ser apenas espaços de transmissão de conhecimento, mas precisam urgentemente ser redes de proteção da vida. E essa responsabilidade é, sim, de gestores, coordenadores, professores e técnicos, porque o sofrimento psíquico também circula pelos corredores da instituição e se infiltra nos silêncios que não sabemos escutar. Esse silêncio precisa ser ouvido. É urgente. Não basta terceirizar para o setor de atendimento psicopedagógico ou apenas indicar um telefone de emergência. É preciso criar uma cultura institucional de acolhimento e cuidado, no qual o diálogo sobre saúde mental seja legítimo, constante e institucionalizado.

A gestão educacional deve formar continuamente seus docentes e gestores para identificar sinais de sofrimento emocional. Hoje temos na Belas Artes uma pós-graduação oferecida aos docentes e obrigatória a todos que aqui iniciaram suas atividades desde 2023. Esse curso sinaliza e dá o tom da forma de atendimento pretendida, principalmente com relação à aprendizagem e à saúde mental dos nossos estudantes.

 

Leia: Saúde mental precisa da diversidade

 

Além dessa formação docente, hoje temos políticas e protocolos de acolhimento e encaminhamento, capazes de promover uma ambiência afetiva, empática e responsiva nos espaços educacionais. Nossa proposta é sempre ouvir os jovens, com seriedade e sensibilidade, sem minimizar suas angústias.

O que nós, como instituição, perdemos quando um estudante tira a própria vida? Quando a vida perde o sentido para alguém em plena juventude, não se trata apenas de um drama individual. Trata-se de um colapso coletivo. Toda a instituição falha junto. É preciso entender que, em alguma medida, não conseguimos sustentar o sentido do pertencimento, da escuta ou do cuidado. Algo passou e não nos demos conta, tão simples quanto isso.

A educação que forma profissionais e cidadãos para ganhar o mundo, também precisa garantir que esses cidadãos permaneçam vivos e saudáveis. Ao receber um estudante em nossas instituições, precisamos ter certeza que ele construirá o futuro e conosco passará os melhores anos de suas vida.

*Cabe destacar que o suicídio não resulta de um fator único, mas da junção de diversos fatores como depressão, transtornos mentais, problemas familiares, bullying, estresse, entre outros.

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Se você estiver passando por um momento difícil, procure o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece atendimento gratuito e sigiloso por telefone (no número 188), por e-mail e por chat, 24 horas por dia, ou presencialmente (confira os endereços no site da entidade).

Por: Josiane Tonelotto | 20/06/2025


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