Revista Ensino Superior | Virtudes cardeais para construir futuros éticos e prósperos

Educação

Colunista

Daniel Sperb

CEO na Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP)

Construir futuros éticos, eficientes e prósperos

O conceito das virtudes cardeais como orientador de decisões para as IES 

Virtudes cardeais "A verdadeira liderança reside na capacidade de influenciar, inspirar e guiar pessoas, independentemente do título" (foto: Shutterstock)

Em um mundo cada vez mais complexo e dinâmico, a busca por princípios que guiem nossas ações e decisões torna-se fundamental. Seja no âmbito pessoal ou profissional, a capacidade de discernir o certo do errado, de agir com integridade e de liderar com propósito são qualidades inestimáveis e, infelizmente, cada vez mais raras. 

Por isso decidi explorar a interconexão entre as milenares “virtudes cardeais” e os conceitos modernos de liderança e hierarquia empresarial, revelando como a compreensão desses pilares pode transformar pessoas e negócios.

As virtudes cardeais, originadas na Grécia Antiga e aprofundadas por pensadores como Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, são princípios éticos fundamentais que sustentam uma vida moralmente equilibrada. Mais do que conceitos filosóficos, elas orientam atitudes e decisões, moldando não apenas o caráter individual, mas também o ambiente coletivo e a qualidade da liderança.

Paralelamente, no mundo corporativo, tenho percebido que a discussão sobre liderança e estrutura organizacional ganha novas camadas de complexidade. Em um momento onde a inovação e a agilidade são imperativos, a compreensão clara de papéis, a promoção de uma cultura de responsabilidade e a valorização da liderança como uma atitude, e não apenas um cargo, tornam-se diferenciais competitivos. 

 

Leia: Por que devemos ensinar ética no ensino superior

 

As quatro virtudes cardeais 

A base de uma ética prática. Oferecem um framework para a tomada de decisões e para o desenvolvimento de lideranças íntegras. São elas:

Prudência (sabedoria prática)

A prudência é a capacidade intelectual e moral de discernir o verdadeiro bem em cada circunstância e de escolher os meios mais adequados para alcançá-lo. Não se trata de hesitação ou medo de agir, mas de uma sabedoria prática que orienta a razão na busca da melhor ação. Uma pessoa prudente reflete antes de agir, considera as consequências de suas escolhas e aprende com suas experiências, evitando a impulsividade e a ingenuidade. Ela é a bússola que nos impede de agir precipitadamente ou de forma irrefletida.

Justiça (dar a cada um o seu devido)

A justiça é a vontade constante e firme de dar a cada um o que lhe é devido. Ela estabelece a harmonia nas relações humanas, promovendo a equidade, o respeito aos direitos e o bem comum. A justiça nos impulsiona a agir com imparcialidade, a cumprir nossos deveres e a lutar contra qualquer forma de desigualdade ou opressão. É a virtude que garante a ordem e a equidade nas interações sociais.

Fortaleza (coragem moral)

A fortaleza, ou coragem, é a virtude que assegura a firmeza e a constância na busca do bem, mesmo diante das dificuldades, perigos e provações. Ela nos capacita a resistir às tentações, a superar o medo e a suportar o sofrimento com dignidade. A fortaleza não é a ausência de medo, mas a capacidade de agir corretamente apesar dele, perseverando em objetivos dignos e enfrentando os desafios da vida com resiliência.

Temperança (autodomínio)

A temperança é a virtude que modera a atração pelos prazeres sensíveis e busca o equilíbrio no uso dos bens materiais. Ela garante o domínio da vontade sobre os instintos e as paixões, permitindo o controle sobre os impulsos e a busca por uma vida de moderação e sobriedade. A temperança nos ajuda a evitar excessos, cultivar o autocontrole e a direcionar nossos desejos para o bem maior, preservando nossa dignidade e saúde.

 

Liderança não é cargo

No cenário corporativo contemporâneo, a compreensão da liderança transcende a mera posição hierárquica. A frase “Liderança não é cargo. É postura. É atitude.” encapsula uma verdade fundamental: a verdadeira liderança reside na capacidade de influenciar, inspirar e guiar pessoas, independentemente do título ou da posição no organograma. Essa perspectiva é crucial para o desenvolvimento de ambientes de trabalho mais produtivos, inovadores e engajadores.

Um líder, nesse sentido, é alguém que demonstra iniciativa, responsabilidade e um compromisso genuíno com o bem comum da equipe e da organização. Pode ser um supervisor, um analista ou até mesmo um estagiário que, por sua proatividade e capacidade de resolver problemas, inspira seus colegas e contribui significativamente para os resultados. A autoridade formal pode vir com um cargo, mas a liderança autêntica é conquistada pela influência e pelo exemplo.

A máxima “Você não trabalha para o seu chefe, nem para sua empresa. Você trabalha para você.” ressalta a importância da autonomia e da responsabilidade individual na construção da carreira. Entender a estrutura hierárquica da empresa não é apenas sobre saber quem manda em quem, mas sobre mapear onde você está e para onde pode ir. Se um coordenador não compreende as responsabilidades de um gerente, como poderá planejar seu próprio desenvolvimento?

 

O dano da negligência ao “básico”

A hierarquia organizacional é uma estrutura essencial para a eficiência de qualquer negócio. A compreensão clara dos níveis hierárquicos e seus papéis é vital para evitar o caos, promover o alinhamento e otimizar o desempenho organizacional.

A negligência ou subestimação do conhecimento aparentemente “básico” sobre hierarquia, papéis e gestão pode ser um “câncer organizacional”, gerando ineficiência, perda de competitividade e uma crise de liderança generalizada.

Ao longo dos últimos anos, atuando como executivo e consultor, percebo um padrão preocupante nas IES: a maioria sequer sabe que não sabe sobre responsabilidades fundamentais ligadas a cada cargo e função. A ausência de consciência sobre isso compromete não só a eficiência da gestão, mas também a formação de uma cultura institucional madura e profissionalizada.

Nas instituições bem estruturadas, cada nível de liderança tem um papel claro e complementar.

 

1. Alta direção (nível estratégico)

O CEO, presidente ou reitor da IES, é responsável por definir a visão, o propósito e os grandes rumos da instituição. Sua atuação é focada no longo prazo, de 3 a 10 anos, lidando com decisões de alto impacto como fusões, expansão e investimento. É quem desenha e valida a estratégia da organização.

Abaixo dele, costumam estar diretores que traduzem essa estratégia em planos para suas áreas específicas. Eles definem o que precisa ser feito e como será feito, estabelecendo políticas, métricas e direcionamento de recursos. O foco aqui é o médio a longo prazo.

 

2. Gerência (nível tático)

Os gerentes executam os planos definidos pelos diretores, transformando estratégia em metas operacionais. São responsáveis por entregar resultados concretos, coordenando pessoas e processos para que os objetivos da área sejam atingidos. Trabalham com horizontes de curto a médio prazo, geralmente trimestrais ou semestrais.

 

3. Coordenação e supervisão (nível tático-operacional)

Coordenador: foca na gestão de áreas ou projetos específicos, com maior autonomia para planejar, tomar decisões e propor melhorias. Atua de forma mais estratégica dentro do nível tático-operacional.

Supervisor: atua diretamente na linha de frente, acompanhando e controlando a execução das tarefas no dia a dia. Seu foco é mais operacional, garantindo que as rotinas sejam cumpridas conforme o planejado.

 

4. Operacional (nível técnico e de apoio)

Na base, estão os analistas e especialistas, que executam as tarefas técnicas e operacionais com precisão, como análises, relatórios ou atendimento direto.

Assistentes e técnicos oferecem suporte essencial às rotinas administrativas ou técnicas, garantindo que a operação funcione com eficiência.

 

Considerações Finais

Fica evidente que a sabedoria das virtudes cardeais e a clareza sobre os princípios de liderança e hierarquia empresarial não são temas isolados, mas elementos intrinsecamente conectados que moldam o sucesso individual e organizacional. 

Um líder, em sua essência, é alguém que incorpora essas virtudes: a prudência para tomar decisões ponderadas, a justiça para agir com equidade, a fortaleza para enfrentar desafios e a temperança para manter o equilíbrio em meio às pressões. Da mesma forma, uma estrutura hierárquica bem definida, com papéis claros e um fluxo de comunicação eficiente, é o ambiente onde essa liderança virtuosa pode florescer, transformando a visão estratégica em resultados tangíveis.

IES que dominam esse “básico”, a clareza de papéis, o alinhamento estratégico-operacional e a valorização da liderança como postura, tornam-se máquinas de alta performance.

Profissionais que internalizam esses conceitos não são meros funcionários, mas protagonistas de suas carreiras, construindo um legado e uma reputação que transcendem o cargo. 

Em última análise, a sinergia entre as Virtudes Cardeais e uma gestão profissionalizada é o caminho para a construção de um futuro mais ético, eficiente e próspero, tanto para indivíduos quanto para negócios.

Por: Daniel Sperb | 04/08/2025


Leia mais

6 forças para o futuro das IES

6 tendências que vão redesenhar a universidade até 2030

+ Mais Informações
Abuso de medicação prejudica saúde mental dos jovens

Abuso de medicação prejudica saúde mental dos jovens

+ Mais Informações
COP30

IES pode ser aliada da adaptação climática

+ Mais Informações
Recreio docente

‘Recreio’ leva escolas a olhar para a sala de aula

+ Mais Informações

Mapa do Site