Integrar a sustentabilidade ao centro do ensino exige visão de longo prazo
"No Brasil, integrar o oceano ao ensino superior por meio de currículos interdisciplinares, cursos inovadores e projetos de extensão costeira representa uma oportunidade estratégica de futuro" (Ilustração: Shutterstock)
Por Ana Vitória Tereza de Magalhães*
O início de um novo ano traz também novas tendências em sustentabilidade que impactam diretamente o ensino superior. O cenário global de 2026 é profundamente distinto do de poucos anos atrás, tanto pelas transformações geopolíticas quanto pela centralidade que a sustentabilidade passou a ocupar na educação. Nesse novo contexto, as universidades deixam de se limitar às tradicionais infraestruturas verdes e às linhas de pesquisa ambientais: ampliam sua atuação para temas contemporâneos como bem-estar estudantil, inovação pedagógica, justiça social, uso responsável da tecnologia e o papel social das instituições de ensino.
As IES convivem simultaneamente com os avanços acelerados da inteligência artificial e com debates cada vez mais urgentes sobre mudanças climáticas e justiça climática. As gerações mais jovens já compreendem que seu futuro e até seu bem-estar presente, será profundamente influenciado pelos impactos de um planeta mais quente. Integrar a sustentabilidade ao centro do ensino, portanto, exige visão de longo prazo, renovação curricular e uma reconfiguração profunda do que significa ensinar e aprender.
A presença da inteligência artificial nas universidades já é uma realidade consolidada. Muitos professores enfrentam desafios na avaliação de trabalhos que apresentam semelhanças excessivas, falta de reflexão crítica ou até referências inexistentes, sinais de uso inadequado de IA. Paralelamente, docentes utilizam a própria IA como apoio na correção e no planejamento de aulas, indicando que a tecnologia não será afastada do ensino superior.
Esse cenário exige métodos de ensino e avaliação mais adequados à era digital, priorizando o desenvolvimento de competências reais. A educação voltada à sustentabilidade desempenha papel crucial nesse processo. Ao explorar questões ambientais complexas, os estudantes desenvolvem cooperação, pensamento sistêmico, interdisciplinaridade, ética e responsabilidade social, habilidades essenciais para seu futuro profissional.
Nesse contexto, cresce o debate sobre a chamada “IA degenerativa”, quando o uso excessivo da tecnologia reduz a autonomia intelectual dos estudantes e limita sua capacidade de pensar criticamente sobre problemas reais, como as mudanças climáticas. A educação para o desenvolvimento sustentável oferece oportunidades de desconexão consciente, promovendo experiências práticas: visitar uma área marinha protegida, acompanhar cientistas em campo ou participar de atividades ao ar livre aprofunda mais o aprendizado do que assistir a conteúdos gravados.
O Brasil vem se destacando no campo da Cultura Oceânica. Entre os marcos recentes estão a primeira Lei de Cultura Oceânica do mundo (Santos, 2022) e o projeto Currículo Azul, criado com Unesco, MEC e MCTI. Embora essas iniciativas tenham começado na educação básica, seu potencial para o ensino superior é enorme.
Nesse cenário surge o conceito de universidades azuis, que estendem a Cultura Oceânica para a formação de profissionais das carreiras do mar.
Um dos grandes exemplos globais é a Universidade Sorbonne Abu Dhabi, que em 2025 declarou o Ano do Oceano e realizou pesquisas sobre DNA ambiental, acústica marinha, conservação de manguezais, além de exposições e eventos culturais. O modelo demonstra como a temática oceânica pode ser incorporada de forma interdisciplinar a cursos tão diversos como Direito, Humanidades, Engenharia e Arqueologia.
Outras iniciativas internacionais reforçam a centralidade da sustentabilidade marinha:
• os modelos hiperrealistas Digital Twins of the Ocean,
• o mapeamento global do fundo do mar Seabed 2030,
• e a Década do Oceano da ONU.
Para o Brasil, com sua Amazônia Azul, integrar o oceano ao ensino superior por meio de currículos interdisciplinares, cursos inovadores e projetos de extensão costeira representa uma oportunidade estratégica de futuro.
Especialistas em educação defendem que o bem-estar estudantil deve se tornar um indicador relevante nos rankings universitários. Em instituições altamente exigentes, casos de burnout cresceram, revelando os limites de modelos centrados apenas em desempenho e produtividade.
A Geração Z, por sua vez, busca experiências acadêmicas que façam sentido, aliem propósito, valores e saúde mental. Frente a essas demandas, as universidades podem fortalecer políticas de bem-estar e integrá-las às estratégias de sustentabilidade.
Atividades ao ar livre, ensino outdoor e metodologias conectadas à natureza tornam-se essenciais. O contato com ambientes naturais contribui para reduzir estresse, melhorar o humor, ampliar a concentração e aprimorar o sono, fatores decisivos para o desempenho acadêmico.
Quando articuladas a projetos ambientais reais, essas práticas desenvolvem trabalho em equipe, liderança, resolução de problemas e resiliência. Universidades que reconhecem o estudante como sujeito integral conseguem oferecer uma formação mais humana e significativa.
O futuro das instituições de ensino depende, cada vez mais, do reconhecimento de que saberes indígenas, tradicionais e locais são indispensáveis para enfrentar os desafios contemporâneos.
Nesse sentido, o Brasil vive um movimento histórico: em 2022, cerca de 70 mil estudantes indígenas estavam matriculados no ensino superior, e o número segue crescendo. A valorização dos conhecimentos da floresta, do oceano e dos territórios amplia a compreensão científica ao integrar dimensões culturais, sociais e ambientais.
Esse processo envolve:
• projetos de extensão com comunidades indígenas e quilombolas;
• iniciativas de co-criação;
• diálogo entre ciência acadêmica e epistemologias do Sul Global.
Internacionalmente, cresce a coprodução de ciência com detentores de Conhecimento Tradicional Indígena (CTI), prática reconhecida por promover equidade e corrigir desigualdades históricas.
No Brasil, o debate se conecta ao Conhecimento Tradicional Associado ao Patrimônio Genético, composto por saberes sobre plantas, espécies e ecossistemas transmitidos intergeracionalmente. Considerando a megadiversidade biológica e sociocultural brasileira, mais de 200 mil espécies registradas, 305 etnias indígenas e cerca de 270 idiomas, torna-se urgente ampliar metodologias de pesquisa que integrem esses sistemas de conhecimento ao ensino universitário.
Universidades que valorizam esses saberes tornam-se mais plurais, éticas e inovadoras, e formam profissionais capazes de articular ciência, cultura e sustentabilidade.
A arte é uma ferramenta poderosa na educação para a sustentabilidade. Desde o apelo da Unesco, em 1999, pela promoção da educação artística, reconhece-se que ela estimula subjetividade, criatividade, pensamento crítico e equilíbrio emocional, todas competências essenciais na era da IA.
Integrar arte e sustentabilidade permite abordar desafios complexos sob perspectivas inovadoras. Realidade virtual, instalações, teatro, música, projeções digitais e outras linguagens estéticas aproximam universidade e sociedade, tornam temas ambientais mais tangíveis e favorecem abordagens transdisciplinares.
A arte amplia a compreensão e cria conexões emocionais que a informação técnica, sozinha, não alcança.
Para reitores, diretores e gestores educacionais, 2026 representa uma virada. Instituições que mantiverem modelos rígidos, centrados apenas em diplomas e conteúdo técnico, correm o risco de perder relevância. Em contrapartida, universidades que adotarem currículos holísticos, flexibilidade pedagógica, integração responsável da tecnologia e compromisso real com a sustentabilidade estarão mais bem posicionadas para cumprir sua missão social e formar profissionais preparados para os desafios do século 21.

*Ana Vitória Magalhães é consultora internacional e especialista em cultura oceânica, com trajetória marcada por atuações na ONU, Unesco e Comissão Europeia. Integrou a equipe responsável pela criação do programa global Escola Azul.
Por: Cultura Oceânica | 12/12/2025