Futuro das IES estará cada vez mais atrelado a sua capacidade de dialogar com a sociedade
Futuro de uma IES estará cada vez mais atrelado a sua capacidade de dialogar com a sociedadeÉ preciso conhecer as demandas e o perfil dos estudantes, sim. De uma maneira simples, podemos afirmar que as instituições de ensino existem para formar pessoas. Elas possuem identidade, propósito e modelo acadêmico, do outro lado, os estudantes também possuem propósitos, motivações, interesses e são caracterizados por um perfil de comportamento.
O ideal é a conjunção dos propósitos e ideais entre instituições e estudantes. Isso pode acontecer quando uma instituição de ensino superior escuta seus alunos, entende o perfil e suas demandas, consegue atualizar seu modelo acadêmico sem perder a identidade, refaz formas de comunicação, se atualiza e dialoga com os jovens.
A educação supõe princípios de que não podemos abrir mão: ética, cidadania, consistência e qualidade da formação, respeito aos bens coletivos e às normas que organizam a convivência social, entre outros. Por outro lado, as instituições precisam estar atentas para possíveis atualizações e transformações necessárias.
Em minha formação como professor salesiano, aprendi uma expressão: “com Dom Bosco e com os tempos”. Dom Bosco, fundador da congregação salesiana foi um educador e nos dá pistas de como uma IES (instituição de ensino superior) pode se relacionar com os jovens. Para ele, é preciso que nos mantenhamos atualizados para que possamos dar respostas às demandas dos jovens, em cada contexto histórico.
Dom Bosco não iria se “estrumbicar” em pleno 2022. Ele saberia manter a escola atualizada, pois foi um especialista em jovens. Faço algumas perguntas, pois gostaria de dialogar com o leitor: de que forma estamos dialogando com os jovens em nossas IES? Conhecemos seus propósitos e interesses? Nossos modelos acadêmicos estão atualizados e correspondem às demandas da atualidade?
Li uma pesquisa da Anthology Advancing Knowedge, intitulada “Closing the gap to create the ideal learning experience”, realizada com 2.725 estudantes e 2.572 líderes de IES públicas e privadas, que representam 10 países. Pesquisas como essa precisam se tornar comuns em nosso ambiente. É preciso escutar os estudantes, sempre.
Para mais de 80% dos estudantes, não há problema em terem experiências online em seu processo de formação. Destes, 25% afirmam que poderiam ter aulas unicamente online, 16% preferem cursos online, com algum tipo de encontro, 22% gostariam de cursos com momentos online e presenciais e 20% gostariam de um mix, entre ambos. 18% preferem cursos presenciais.
Na perspectiva dos gestores, 12% gostariam de organizar a IES para uma oferta exclusivamente online, 9% preferem o online com algum tipo de encontro presencial, 25% preferem uma oferta que tenha o online e o presencial, 38% uma oferta que seja um mix e 15% preferem cursos presenciais.
Pesquisas realizadas pelo Instituto Semesp em 2020 e 2021 indicaram que não há problema, na perspectiva dos estudantes, de frequentarem disciplinas online e cursos híbridos. Quando olhamos apenas a América Latina, segundo a pesquisa da Anthology, a perspectiva dos estudantes em relação à oferta de cursos que reúne o online com o presencial (híbrido) é preponderante, chega a 90%. No caso dos gestores, também é de 90%, com predomínio da preferência de cursos híbridos (38%).
Há espaço para IES que querem manter uma oferta exclusivamente presencial, mas para este perfil de instituição, provavelmente, o público é reduzido e possivelmente com um poder aquisitivo maior. De toda forma, a pesquisa aponta para a necessidade de entender as demandas dos estudantes.
É um risco manter nossas IES organizadas pela oferta, em que os gestores decidem o que oferecer e da forma como vão oferecer. Há exemplos de instituições de ensino que perderam o “bonde da história” e entram em crise, que tiveram que ser vendidas ou que simplesmente “desapareceram do mapa”. IES competitivas são organizadas pela demanda, respondem aos desafios da sociedade, se mantém atendas às mudanças culturais, tecnológicas, sociais e políticas e a partir daí conseguem se antecipar a eventuais turbulências.
O CNE (Conselho Nacional de Educação) aprovou recentemente, a minuta “Diretrizes nacionais gerais para o desenvolvimento do processo híbrido de ensino e aprendizagem”. As diretrizes são bem-vindas, pois estão sintonizadas com diversas pesquisas e relatórios que apontam que o online e o híbrido são demandados pelos estudantes.
Obviamente, não é qualquer modelo online ou híbrido. Há um risco dos gestores das IES errarem no modelo, com propostas pedagógicas que não despertam o engajamento e o desejo do aprendizado ou que oferecem pouco suporte para o sucesso dos estudantes.
Se uma IES pretende reforçar, aperfeiçoar ou transformar seu modelo acadêmico ouça o estudante, pesquise o tema para obter mais informação e conhecimento e faça um benchmarking com IES que já obtiveram sucesso.
O futuro de uma IES estará cada vez mais atrelado a sua capacidade de dialogar com a sociedade, especialmente com o estudante.
Ele não é somente um “pagador de boleto” que gera resultados financeiros para a instituição. Ele é um cliente e um cidadão, que consome um serviço, que espera ser tratado com respeito, que tem propósito, sonho e opinião. É muito provável que ele espere da instituição onde estuda ser ouvido, ter voz e ter experiências de aprendizado significativas.
Há incertezas sobre o futuro do ensino superior e uma IES não pode se dar o luxo de errar na comunicação com os estudantes e se guiar apenas pela oferta e não pela demanda e pelos propósitos dos estudantes. Nesse caso, o risco de se “estrumbicar” é grande.
*Fábio Reis é diretor de inovação e redes do Semesp, diretor de inovação acadêmica da Unicesumar, presidente do Consórcio Sthem Brasil, professor do Unisal e pós-doutorando em Políticas Públicas pela Universidade de Coimbra.
Por: Fábio Reis | 20/07/2022