NOTÍCIA
Jornalista Antônio Gois discute em obra razões do atraso na educação do país e aborda orçamento, políticas educacionais e principais gargalos da área
Publicado em 15/09/2022
O cenário atual da educação brasileira é o resultado de um longo processo de descaso e de decisões equivocadas que até hoje cobram um alto preço ao país. Essa é a premissa principal do livro O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente, do jornalista Antônio Gois, diretor da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação).
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“No livro eu mostro estudos que demonstram que o principal problema do Brasil é que o professor costuma dar aula em duas, três, quatro escolas, acumulando muitas turmas, o que resulta em menos tempo para se aperfeiçoar constantemente. Existem outras questões também, como melhorar a gestão das escolas e do sistema, mas se eu fosse eleger o principal desafio, ele está na questão do docente”, afirma Gois, que desde 1996 cobre a pauta da educação.
Outro tema abordado pela obra é a falsa ideia de que a educação pública no passado seria melhor. A partir de estudos e da análise das estatísticas históricas, o livro traz farta evidência de que o sistema educacional era, na verdade, uma grande máquina de exclusão em massa que abusava do expediente da repetência sem que isso gerasse melhor qualidade.
Nesta conversa, o autor aborda temas como o orçamento do setor, premissas equivocadas do passado e quais são os principais obstáculos da educação brasileira.
Para responder essa pergunta temos que separar o discurso da prática. No discurso, tivemos vários projetos educacionais até bastante ousados. No Estado Novo, por exemplo, apesar das críticas que podem e merecem ser feitas, havia uma concepção, muito desigual, de uma escola para rico e outra para pobre. O Gustavo Capanema pensou um projeto educacional para o país, só que ele não foi bem executado. Nessa época, o gasto por aluno e o crescimento das matrículas foram muito ruins. Apesar da narrativa de que está tudo ruim e piorado, o período da redemocratização foi muito bom para a educação em termos de aumento de investimento, matrículas e, parcialmente, de qualidade. As melhorias, entretanto, ainda foram muito insuficientes.
Uma delas é que a aprovação automática seria um dos mais graves problemas da educação pública. A lógica por trás disso afirma que o sistema educacional tinha qualidade antes e com a aprovação automática ela caiu. Portanto, seria melhor ter repetência do que aprovar automaticamente.
Qual é a premissa equivocada sobre o passado? Que se tinha uma qualidade que se perdeu com a aprovação automática, o que não é verdade. Primeiro porque os indicadores de reprovação sempre foram muito altos e não havia indicadores para mensurar a qualidade com os parâmetros que a gente tem hoje. Não há nenhum estudo comprovando que, por causa da aprovação automática, a qualidade caiu, mas, no entanto, se repete isso. Aliás, se olharmos o percentual de alunos com aprendizagem adequada no quinto ano do ensino fundamental, entre 1995 e 2019, o que vemos é um aumento de alunos com aprendizagem adequada.
Dependendo de como a conta é feita, o orçamento varia entre 5% e 6% do PIB, então é verdade que o Brasil já gasta em educação valor equivalente ao de países desenvolvidos. Só que o investimento per capita é muito baixo e quando isso é traduzido em gasto por aluno também é verdade que o Brasil fica muito abaixo dos países desenvolvidos nesse quesito, então as duas afirmações são verdadeiras.
O que eu defendo no livro é que se queremos fazer um debate público sério é preciso considerar essas duas informações. Eu argumento que precisamos melhorar a eficiência do gasto público, mas discordo (e apresento no livro evidências) que o investimento público desde a redemocratização tenha sido inútil.
Aumentou o número de alunos em creches (de 5% para 37% entre 1989 e 2020), a quantidade de alunos no ensino médio (de 14% para 75% entre 1985 e 2020), o percentual de crianças com aprendizagem adequada no quinto ano fundamental. Porém, o peso do atraso no Brasil é muito grande, então todo esse aumento dos investimentos ainda não foi suficiente para diminuir a distância do Brasil para os países ricos. Isso é um fato que não dá para esconder.
O primeiro desses obstáculos é a questão do professor, olhando apenas para o setor educacional sem levar em conta fatores externos como pobreza e a escolaridade dos pais.
É preciso uma política que pague salários atrativos, pelo menos na média do mercado, e que forneça uma formação que prepare esse professor para os desafios que ele enfrentará na prática. É necessário melhorar as condições de trabalho e criar nas escolas um ambiente de constante aperfeiçoamento profissional.
No livro eu mostro estudos que demonstram que o principal problema do Brasil é que o professor costuma dar aula em duas, três, quatro escolas, acumulando muitas turmas, o que resulta em menos tempo para se aperfeiçoar constantemente. Existem outras questões também, como melhorar a gestão das escolas e do sistema, mas se eu fosse eleger o principal desafio, ele está na questão do docente.
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A entrevista conduzida pelo jornalista Raul Galhardi faz parte da edição 269 (setembro/2022) da Revista Ensino Superior. Assine.