Inovação

Colunista

Marina Feferbaum

Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP

IA e sustentabilidade: cinco pontos de atenção

Inteligência Artificial (IA) tem se tornado uma questão ambiental

Meio ambiente Tensão entre desenvolvimento e preservação existe no debate público

Por Marina Feferbaum e Guilherme Forma Klafke: Fala-se muito sobre os impactos da Inteligência Artificial nas profissões e no futuro da sociedade, mas pouco se fala no custo invisível dessa transformação para o meio ambiente. Sem dúvida, a IA e a digitalização da vida estão provocando um impacto sem precedentes no modo como vivemos, trabalhamos e aprendemos. Não podemos, contudo, ignorar o contexto no qual tudo isso está ocorrendo.

A falta de verde e da natureza é uma imagem comum à maioria das obras de ficção científica que retratam um futuro distópico. Nós (Evgeni Zamiatin), 1984 (George Orwell), Blade Runner (Hampton Fancher e David Peoples) e sua obra inspiradora Do Androids Dream of Electric Sheep? (Philip K. Dick), Neuromancer (William Gibson), todos esses clássicos que trazem a tecnologia como parte da vida das pessoas deixam propositalmente a natureza de fora, ora como estranha, ora como inimiga.

Até hoje, a tensão entre desenvolvimento e preservação existe no debate público, ainda que conceitos como desenvolvimento sustentável e ecocapitalismo tenham surgido nos últimos anos. O ambiente em que tudo se dá é apenas um, o nosso planeta, afetado por diversas questões, como as drásticas mudanças climáticas, o acúmulo de resíduos sólidos, a poluição do ar e da água, a contaminação de fauna e flora, dentre outras.

 

Cinco pontos de atenção na relação entre IA e meio ambiente

 

Ao lado do aquecimento global, da emissão de gases do efeito estufa, da escassez de recursos renováveis, da perda da biodiversidade, da migração forçada devido a esses eventos e de doenças relacionadas ao clima, a própria IA tem se tornado uma questão ambiental. Esses custos para o planeta muitas vezes não são visíveis, porque as interações com sistemas se dão por meio de interfaces que não levam os usuários a refletirem sobre todas as operações de suporte necessárias para que um resultado seja obtido. Indicamos, então, cinco pontos dessa relação que merecem atenção:

 

1. Consumo de matérias-primas

 

O primeiro ponto é a quantidade de recursos utilizados para rodar sistemas de IA. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Riverside e Arlington (EUA) aponta que uma conversa com o ChatGPT equivale a esvaziar uma garrafa de água

O consumo de energia da rede Ethereum, que roda contratos eletrônicos, era estimado em 100 terawatts/hora por ano até meados de 2022, quando a rede se aproximou da neutralidade energética com mudanças de protocolo, maior do que países como Filipinas, Bélgica, Chile e Portugal.

Além da eletricidade, aumentou a quantidade de recursos naturais usados para a construção de servidores, semicondutores e demais equipamentos eletrônicos – há projeções de que o mercado de chips para IA aumente em quase 10 vezes até 2028. Considerando, então, o consumo de energia para treinar, operar e resfriar esses centros de dados de IA, os impactos ambientais causados são enormes.



2. Degradação do meio ambiente

 

O intenso consumo de matérias-primas cria uma pressão sobre o meio ambiente, mesmo com o uso de matrizes energéticas renováveis. Estima-se que turbinas eólicas matem mais de 1 milhão de pássaros anualmente apenas nos EUA.

O acidente em Fukushima colocou em questão o uso de energia nuclear. No Brasil, as usinas hidrelétricas produzem energia renovável às custas, por exemplo, da degradação das áreas onde os lagos são criados, como a longa discussão da construção da Usina de Belo Monte demonstrou.



3. Pressão na matriz energética

 

O deslumbramento com a IA e as tentativas de inovação levam a usos não eficientes da tecnologia. O ChatGPT, da OpenAI, entrou no Guinness, livro dos recordes, pela quantidade de usuários que obteve em apenas um mês. Rapidamente, criou-se uma indústria de aplicativos variados, todos se valendo da API do sistema, para diversas funções. Se antes os sistemas estavam restritos a produtos e serviços, a abertura para o público geral também trouxe uma série de usos para entretenimento, exercício da profissão ou mera curiosidade. Estima-se que o gasto mensal de energia apenas com o ChatGPT equivale ao consumo de energia mensal de 175 mil dinamarqueses, cerca de 22 mil residências no Sul do Brasil (região com maior consumo de energia residencial). Os usos pressionam a matriz energética e competem com outras demandas do ambiente produtivo.



4. Desigualdade ambiental

 

Os sistemas de IA demandam equipamentos que podem estar dentro ou fora do país. De um lado, os acessos mundiais podem aumentar a demanda por energia nos países que sediam os sistemas; de outro, a internalização dos sistemas pode se dar em países que não contam com matrizes energéticas renováveis, especialmente no Sul Global. A conta pode ser dividida de maneira desequilibrada entre os países, especialmente para aqueles que já têm dificuldades para cumprir metas de descarbonização da economia.



5. Meio ambiente como variável nos sistemas

 

Finalmente, é possível discutir as próprias decisões ou análises feitas pelos sistemas de IA e o quanto elas levam em consideração os impactos ambientais como uma variável para o próprio resultado obtido. Por um lado, há uma promessa de que IA contribua para a proteção do meio ambiente de várias formas, como monitoramento de queimadas ou desmatamento, redução do consumo de combustíveis em carros, dentre outros.

Por outro lado, ela pode tomar decisões que prejudiquem o meio ambiente ou ser uma vulnerabilidade que cause desastres, como em sistemas de armas autônomas (especialmente nucleares) ou na indústria de petróleo.

 

Formar cidadãos do futuro também passa pelo meio ambiente

 

Os avanços promovidos pela IA são, evidentemente, muito importantes para a humanidade, mas não é apenas com ela que devemos nos preocupar. A questão climática é estruturante para a construção da cidadania e a formação de profissionais não apenas para o futuro, mas também para o presente.

Diante de problemas tão basilares, tudo indica que as questões climáticas serão fortemente reguladas em um futuro bastante próximo. Os sinais dos governos, da sociedade e da natureza apontando para essa direção são cada vez mais claros. Os governos, por exemplo, estão investindo cada vez mais em projetos para eletrificação da frota de transporte público utilizando energias renováveis, como parte das medidas para cumprimento das metas de redução de emissão de gás carbônico na atmosfera.

Essa mudança também é notada na sociedade. Os editais de fomento estão colocando, com mais frequência, a questão climática e a economia circular como centrais, demonstrando uma maior consciência relacionada a uma gestão mais eficiente de recursos naturais. Isso tem, consequentemente, contribuído para o engajamento dos setores produtivos, a participação cidadã na definição de políticas públicas e a estimulação nas áreas de inovação e pesquisa em prol de ações climáticas.

A urgência e importância de construirmos uma economia verde, dado o impacto das nossas ações no mundo, é percebida quando observamos, por exemplo, os impactos sobre a fauna.

Nos países da União Europeia e do Reino Unido, mais de 600 milhões de aves desapareceram desde 1980, ou seja, uma em cada seis aves foi perdida num período de 40 anos. Na América do Norte, cerca de 30% das aves desapareceram desde 1970. Considerando o aumento das temperaturas, as ondas de calor afetarão ainda mais essas espécies – e tantas outras, incluindo nós, humanos.

 

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E não precisamos ir tão longe para notar os impactos da crise climática. No Brasil, temos vivenciado com maior frequência e intensidade as consequências dessa situação ambiental, como secas, inundações, crises hídricas e nuvens de poeira. Não há dúvida de que todas essas mudanças estão diretamente ligadas ao futuro das profissões, às instituições de ensino superior e ao nosso papel de educadores.

Em meio a tanta preocupação, a sociedade tem um sério compromisso de combater as mudanças climáticas. Organizações com aparência de sustentáveis, mas que não implementam medidas na prática (o chamado greenwashing) estão convencendo cada vez menos a população, de modo que a postura dos agentes econômicos terá de se adaptar às exigências tanto jurídicas quanto dos consumidores para a redução da pegada ecológica das suas operações.

Diante dessa problemática, como podemos nos preparar enquanto universidade? Para responder a essa questão, precisamos pensar no propósito dessa instituição. Se o objetivo for preparar os profissionais para enfrentar essa realidade, é preciso construir um repertório sobre o tema, que será cada vez mais uma questão central na formação profissional e, logo, nos programas de ensino superior.

 

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Há, portanto, ao menos dois caminhos bastante claros: produzir conhecimento científico e sair dos muros da universidade. Criar hipóteses e construir modelos para compreensão e ação no mundo é um dos papéis das instituições de ensino superior, ao mesmo tempo que se conectar com o entorno por meio da extensão (que é um tema que já falamos nesta coluna) aproxima a universidade da sociedade e de outras instituições, tornando a construção de políticas públicas adequadas mais factível.

Mais que uma questão estratégica de seguir essa tendência, participar e contribuir para o avanço da economia verde é, para os atores brasileiros, uma oportunidade de protagonizar o debate no contexto global, visto que o Brasil é um dos atores mais importantes na questão climática.

*Marina Feferbaum é coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação. Guilherme Forma Klafke é professor da pós-graduação lato sensu da FGV Direito SP, onde também é líder de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI).

Por: Marina Feferbaum | 10/07/2023


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