Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

Mudanças demográficas e o apagão dos estudantes

IES precisam repensar suas estratégias de captação e até mesmo o seu público-alvo

Apagão de estudantes mudanças demográficas em curso no Brasil trazem consigo o desafio do "apagão dos estudantes"

“Por favor, alguém viu o estudante que estava aqui?”

“Minha cara diretora, em primeiro lugar, ele não nasceu”.

Esse diálogo fictício talvez se torne realidade muito em breve. As mudanças demográficas em curso no Brasil trazem consigo uma série de desafios para diversos setores da sociedade, incluindo a educação superior. Uma das tendências mais significativas é a queda na população jovem, tradicionalmente o principal público-alvo das instituições de ensino superior. Esse fenômeno, que pode ser chamado de “apagão dos estudantes”, exige uma reflexão sobre o futuro do ensino superior no país.

Na verdade, o impacto dessas mudanças será sentido não apenas pelas instituições de ensino, mas pela economia e pela sociedade como um todo. A redução na demanda por educação superior pode até mesmo levar a uma escassez de profissionais qualificados em diversas áreas, afetando a competitividade e o desenvolvimento do país a longo prazo. Até mesmo o nível de empreendedorismo no Brasil pode ser afetado, na medida em que jovens tendem a apresentar uma maior tolerância ao risco.

Além disso, a queda na população jovem pode ter reflexos na inovação e no empreendedorismo, uma vez que os jovens são geralmente mais propensos a assumir riscos e a propor soluções criativas para os desafios da sociedade.

No entanto, nosso foco aqui será centrado nos impactos no ensino superior, que podem ser analisados de diversos pontos de vista, desde a quantitativa até o perfil dos estudantes e novos desafios que o setor deverá enfrentar ao se estruturar para servir uma população mais velha. Essa avaliação mais ampla exigirá mais do que um artigo. Neste primeiro, será realizada uma análise o mais factual possível sobre a evolução da população jovem no Brasil.

 

A transição demográfica brasileira

O Brasil vive um processo de transição demográfica, caracterizado pela queda nas taxas de natalidade e o aumento da expectativa de vida. Esse fenômeno não é exclusivo do país, sendo observado em diversas nações em desenvolvimento que passaram por avanços significativos nas áreas de saúde, educação e qualidade de vida nas últimas décadas.

De acordo com projeções do IBGE, a população brasileira deve atingir seu pico em 2047, com cerca de 233 milhões de habitantes, e depois começar a encolher. Essa inversão da pirâmide etária trará uma série de desafios para a sociedade, como a necessidade de adaptação dos sistemas de saúde, previdência e educação para atender a uma população mais envelhecida.

 

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É importante destacar que essas projeções foram feitas antes do Censo de 2022, que surpreendeu o país com uma população menor do que as projeções. Especialmente na faixa etária de interesse neste artigo, a projeção atualizada em 2020, do IBGE, apontava 32 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos em 2022. No entanto, os resultados do Censo que começam a ser divulgados informam que a população nessa faixa não chegava a 30 milhões (29.842.805, para ser exato), ou seja, 7% a menos do que o previsto.

Paralelamente, a proporção de idosos na população total tende a aumentar significativamente nas próximas décadas. Estima-se que, em 2060, cerca de um terço da população brasileira terá mais de 60 anos, o que representa um crescimento expressivo em relação aos níveis atuais, em que esse grupo corresponde a cerca de 13% da população total.

 

Possíveis impactos no volume de entrantes no ensino superior

Essa transição demográfica tem um impacto direto na população jovem, que historicamente compõem a maior parte dos estudantes de ensino superior. De acordo com os dados do Censo da Educação Superior disponíveis no BI do Inep – atualizado até 2021 -, naquele ano cerca de 40% dos entrantes no ensino superior tinham até 24 anos.

No entanto, estima-se que, até 2040, o número de jovens nessa faixa etária deve cair cerca de 20% em relação aos níveis atuais. Até 2060, essa redução será de 30% e, até o final deste século, a população jovem na faixa de 15 a 24 anos no Brasil cairá pela metade. É claro que essa redução na população jovem representa um desafio significativo para as instituições, que precisarão se adaptar a um cenário de competição ainda maior.

Tomando a população de 21.2 milhões entre 18 a 24 anos do Censo de 2022 como base, os 4.8 milhões de entrantes representam 22% desse total (claro que nesse volume de entrantes há pessoas de outras faixas etárias). Considerando a redução dos jovens, se o volume de entrantes das outras faixas etárias não se alterar, o percentual de jovens matriculados no ensino superior nas próximas décadas deverá dobrar simplesmente para manter o volume atual de entrantes.

Dado o fenômeno internacional de interesse decrescente dos jovens no diploma universitário, não há nenhuma garantia de que essa marca possa ser atingida.

 

Desafios para as IES 

Diante desse cenário de mudanças demográficas e redução da população jovem, as IES precisam repensar suas estratégias de captação e até mesmo o seu público-alvo. Esse é um desafio complexo, que exige criatividade, inovação e capacidade de adaptação por parte das instituições.

Pensando nas ferramentas de análise estratégica tradicionais, a instituição pode analisar a situação com o apoio da matriz de Ansoff.

 

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Portanto, há muitas opções para uma organização ampliar sua base de receitas, mas é preciso ser criativo.

Certamente a diversificação do público aparece como uma estratégia interessante, buscando atender não apenas os jovens recém-saídos do ensino médio, mas também estudantes mais velhos e profissionais em busca de atualização e aperfeiçoamento. Isso pode envolver a oferta de cursos de pós-graduação, especialização e educação continuada, além de programas voltados especificamente para a terceira idade. Essa via estratégica pode ser mais relevante principalmente para escolas de nicho, que atendem segmentos específicos da população. Sabemos que as classes sociais mais abastadas são as que menos têm filhos, portanto especialmente as escolas que dependem de um público de nicho irão enfrentar desafios ainda maiores com esta mudança e precisam estar ainda mais atentas aos movimentos demográficos e à necessidade de atrair um novo público. Na matriz de Ansoff, essa estratégica corresponderia ao desenvolvimento de mercados.

 

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Nas dimensões de desenvolvimento de produto e, eventualmente, até mesmo a diversificação, poderíamos mencionar a oferta de cursos mais flexíveis e adaptados às necessidades do mercado de trabalho. Por exemplo, no Fnesp de 2023, os professores Sanjay Sarma e S. P. Kothari enfatizaram a necessidade de oferecermos certificações mais curtas, microcredenciais, de tal forma que os estudantes não tivessem que esperar quatro anos e então receber um diploma pelo término do curso como um todo.

Embora o momento do EAD seja delicado, o investimento em educação a distância precisa ser considerado mesmo por instituições mais tradicionais. Embora a realidade do mercado mostre que as faculdades e universidades mais bem sucedidas são aquelas que trabalham a marca a partir de focos mais específicos, tanto em termos de cursos quanto geograficamente, o modelo híbrido ou totalmente à distância tem o potencial de atrair um público novo para a instituição.

Por fim, parcerias com empresas e organizações podem ser uma estratégia valiosa. Além da oferta de cursos corporativos e treinamentos sob medida, essas parcerias podem envolver a realização de pesquisas aplicadas, o desenvolvimento de projetos de inovação e a criação de programas de estágio e mentoria para os estudantes. O apelo à empregabilidade é importante fator de escolha da instituição pelos candidatos e estas atividades reforçam a marca em uma dimensão valorizada pelo público.

 

Conclusões

As mudanças demográficas em curso no Brasil trazem consigo o desafio do “apagão dos estudantes “, com uma redução significativa na população jovem, tradicionalmente o principal público do ensino superior. Esse fenômeno não pode ser ignorado pelas IES, que precisam se preparar para um futuro com menos estudantes e mais competição.

Para enfrentar essa nova realidade, é fundamental que as instituições se reinventem e busquem estratégias inovadoras para atrair e reter estudantes. A diversificação do público-alvo, a oferta de cursos flexíveis e adaptados às demandas do mercado, o investimento em educação a distância e as parcerias com empresas e organizações são alguns dos caminhos possíveis.

No entanto, mais do que soluções pontuais, é preciso uma mudança de mentalidade e uma visão estratégica de longo prazo. As instituições que conseguirem se antecipar às tendências e se posicionar como agentes de transformação da sociedade certamente estarão mais bem preparadas para enfrentar os desafios do futuro.

O apagão dos estudantes jovens não é uma realidade distante ou uma possibilidade remota. É um processo em curso, que já está afetando a educação superior brasileira e que tende a se intensificar nas próximas décadas. Cabe a cada instituição, a cada gestor e a cada educador refletir sobre seu papel nesse novo cenário e se mobilizar para construir um ensino superior mais inclusivo, inovador e alinhado com as necessidades da sociedade.

 

Referências

 

Por: Alexandre Gracioso | 26/08/2024


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