IES devem inspirar os estudantes e capacitá-los para aprender de forma independente
A geração de vínculos consiste em criar conexões entre os estudantes e o conteúdoComo seria se as salas de aula fossem espaços onde os estudantes não apenas se apropriassem do conhecimento, mas se sentissem emocionalmente conectados e engajados a pensar e aprender? No cenário da educação superior, onde o conteúdo técnico e laboral domina, há uma crise silenciosa de desconexão e desmotivação.
Além da experiência como executiva da educação superior, nos últimos anos, ministrei palestras e workshops com professores da educação superior em todo Brasil e tenho registro de mais de mil notas autoadesivas (físicas e digitais) expressando os maiores problemas que os professores encontram na sala de aula. A maioria dos problemas são muito similares e posso assegurar que um dos mais frequentes é a preocupação em como engajar estudantes para o processo de aprendizagem.
É fato: professores de todo o país têm um desejo genuíno de motivar seus estudantes. A vontade de inspirar e envolver os alunos é, sem dúvida, uma das principais razões que impulsionam esses educadores. Essa vontade de motivar faz parte dos motivos centrais que levaram a escolher a docência como sua profissão.
De acordo com pesquisa realizada pela Gallup nos Estados Unidos, apenas 47% dos estudantes se dizem engajados; mais de um quarto não demonstram engajamento de algum modo, e o restante está desmotivado. Os estudantes justificam essa falta de envolvimento mencionando o distanciamento entre o conteúdo ensinado e sua aplicação prática — muitos não compreendem o propósito do que estão aprendendo e não se sentem pertencentes ao ambiente escolar.
Vale mencionar que os relatórios da OCDE reforçam que estudantes desmotivados tendem a apresentar baixo desempenho e maior propensão à evasão escolar. Esses mesmos relatórios demonstram que o sentimento de pertencimento — ou seja, o quanto os estudantes se sentem aceitos, respeitados e apoiados — é essencial para o engajamento. No entanto, revelam que uma parcela significativa dos estudantes não se sente emocionalmente conectada, o que impacta diretamente seu desempenho e motivação para aprender.
Como instituição de ensino superior, precisamos ser parte da solução para o estudante, não mais um problema que ele precisa gerenciar. Não basta apenas reter os estudantes; é preciso atraí-los, inspirá-los, apoiá-los e capacitá-los para aprender de forma independente, preparando-os para uma trajetória acadêmica e profissional significativa.
E se a solução consistir na criação de ambientes de aprendizagem que integrem tanto os aspectos cognitivos quanto os emocionais? A educação superior enfrenta um desafio urgente: afetar profundamente os estudantes.
A prática da afetividade vai além de ser simpático e gentil, embora essas atitudes sejam altamente recomendadas. Trata-se de transformar a relação professor-aluno em uma via de mão dupla, baseada na confiança, encorajamento e curiosidade.
Estudo da Unesco (2020) revela que o vínculo afetivo positivo entre professor e aluno pode aumentar em até 40% o engajamento e a apropriação do conteúdo. No contexto educacional, a afetividade refere-se ao impacto profundo que a experiência de aprendizagem tem sobre o estudante, promovendo uma conexão significativa com o conhecimento.
Para fomentar práticas pedagógicas afetivas, uma alternativa é o uso de atividades iniciais que estabelecem uma conexão emocional com o conteúdo. Ao despertar a curiosidade dos alunos, essas atividades aumentam o interesse e facilitam a apropriação do conhecimento. Professores que planejam suas aulas com a intenção de afetar emocionalmente seus alunos não apenas ensinam melhor, mas também despertam neles um desejo genuíno de aprender.
A geração de vínculos consiste em criar conexões entre os estudantes e o conteúdo, fazendo com que cada um se sinta parte essencial do processo de aprendizagem. Isso reforça o vínculo e o senso de pertencimento ao grupo.
Elabore convites personalizados para projetos, destacando a importância de cada estudante para o sucesso do trabalho. Inicie um grupo de discussão online com uma pergunta instigante que incentiva a participação de todos.
Adote estratégias que demonstrem interesse pelos sentimentos e percepções dos estudantes. Atividades dessa natureza reforçam a ideia de que cada estudante tem algo importante a contribuir e que o sucesso do grupo depende da colaboração de cada um.
A criação de expectativa e a conexão emocional despertam o interesse inicial dos estudantes, vinculando o conteúdo a algo que realmente os motiva.
Para alcançar isso, o professor pode contar uma história ou compartilhar um caso real que exemplifique o tema, destacando um problema atual que a disciplina busca resolver. Essa abordagem desperta a curiosidade dos estudantes e cria conexão emocional com o conteúdo.
A ambientação envolve preparar o ambiente físico ou virtual para que os estudantes se sintam reunidos e motivados. Um ambiente acolhedor facilita a concentração e o engajamento.
Em uma sala de aula presencial, o professor pode incorporar uma imagem ou música que evoque o tema da aula. Nas aulas online, é possível criar “salas temáticas” com fundos visuais ou digitais que remetem ao tema. Além disso, os estudantes podem ser incentivados a personalizar seu ambiente virtual com imagens ou frases de promessa, fortalecendo a conexão com o conteúdo.
A aprendizagem ativa envolve atividades que estimulam os alunos a participar, pensar criticamente e aplicar o conhecimento de forma prática e significativa.
Para implementar essa estratégia, organize debates sobre temas controversos ou de relevância social na disciplina, dividindo a turma em grupos com posições opostas e incentivando-os a defender seus argumentos com base em evidências.
Estratégias como o fórum invertido ou o palco invertido também podem ser agregadoras. Esse tipo de atividade não apenas captura a atenção dos estudantes, mas também desenvolve habilidades de argumentação e pensamento crítico.
A consolidação é o momento de reflexão, permitindo que os estudantes processem e integrem o conhecimento, promovendo uma sensação de fechamento e realização por meio da acomodação dos novos aprendizados.
Para favorecer essa etapa, proponha que cada estudante escreva uma breve reflexão ou mensagem para si mesmo, destacando o que aprendeu e como pretende aplicar esse conhecimento. Essas “colheitas” podem ser guardadas e revisadas no final do semestre ou do curso, proporcionando um momento de reflexão pessoal sobre o desenvolvimento de cada estudante.
Essas estratégias são direcionadas para uma experiência de aprendizagem mais afetiva e engajadora, onde os estudantes se sentem emocionalmente conectados e motivados a participar do processo educacional.
As IES precisam enxergar o aprendizado como uma experiência que envolve a cabeça, o coração e as mãos. Isso significa que a experiência de aprendizagem precisa ser cognitiva (ativando o intelecto), emocional (criando conexões e envolvimento) e prática (integrando habilidades e conhecimento à realidade do aluno).
O afeto é o que permanece com o estudante após a experiência de aprendizagem, influenciando suas futuras relações com o conhecimento e com o mundo ao seu redor. É também compromisso de transformação. A prática pedagógica deve, portanto, criar laços afetivos que tornem o aprendizado mais profundo e significativo. Sem esse vínculo, o conteúdo se fragmenta e se desconecta da realidade dos estudantes, enfraquecendo sua capacidade de engajamento.
Por: Thuinie Daros | 06/11/2024