Revista Ensino Superior | Belas Artes: Precursor da economia criativa faz 100 anos

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Precursor da economia criativa faz 100 anos

Belas Artes faz 100 anos e aumenta aposta na economia criativa; setor vive amadurecimento no país

Publicado em 23/09/2025

por Ensino Superior

Belas Artes faz 100 anos foto: Shutterstock

Por Rubem Barros

Um mês antes de participar da Semana de Arte Moderna de 1922, o escritor Mário de Andrade foi nomeado professor Catedrático de Dicção, História do Teatro, Estética e História da Música no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, instituição que ele começou a frequentar 11 anos antes, ainda como aluno. O Conservatório, hoje fundação, fora criado em 1904 pelo maestro e compositor João Gomes de Araújo e pelo dramaturgo e jornalista Pedro Augusto Gomes Cardim.

Pedro Augusto, que também participou da fundação do Theatro Municipal de São Paulo e da Academia Paulista de Letras, coroou o rol de suas criações com a Academia de Belas Artes, hoje Centro Universitário Belas Artes, que faz 100 anos em setembro de 2025.

Se a famosa semana sacudiu o pó parnasiano que reinava até então, o conjunto de novas entidades artísticas ajudou a transformar São Paulo em polo criador. Em 1925, a nova Academia passava a oferecer cursos superiores de pintura, escultura e gravura. No ano seguinte, criou o curso de arquitetura, interrompido em 1932, pois o governo exigia a formação de engenheiros arquitetos. Nessa turma inaugural estudou Benedito Calixto, responsável pelo projeto da Catedral de Aparecida.

Patrícia Cardim

Para a diretora-geral Patrícia Gomes Cardim, da Belas Artes, desafio atual é unir a capacidade de implementação à criatividade (foto: divulgação/Belas Artes)

Um século depois, o conjunto das manifestações artísticas e criativas se transformou, ao lado – e muitas vezes em parceria – das inovações tecnológicas, no campo da economia criativa, responsável por 3,59% do PIB em 2023, segundo a Firjan. Esse percentual equivale à movimentação de quase R$ 400 bilhões. O segmento emprega cerca de 7 milhões de pessoas, pelos dados da Fundação Itaú.

 

Leia: Como universidades brasileiras reinventam a educação

 

A ficha de que as atividades ligadas às artes e manifestações culturais têm potencial de desenvolver a sociedade sob vários outros aspectos – econômico, político, social – começou a cair a partir da virada do século.

Em 2001, o pesquisador inglês John Howkins lançou o livro Economia criativa – Como ganhar dinheiro com ideias criativas. A obra ajudou a olhar a cultura, tanto a mais artesanal como a industrial, como um campo privilegiado num momento de grande transformação tecnológica. Howkins passou a vir ao Brasil a convite da Belas Artes e a  ministrar aulas online. Sua presença ajudou a fazer com que a entidade hoje centenária assumisse uma posição de ponta. A Belas Artes oferece mais de 40 cursos de pós-graduação lato sensu.

Em 23 de setembro, por ocasião do 100º aniversário, a Belas Artes irá promover mais uma edição do Fórum de Economia Criativa, com atividades presenciais e online. “Construímos um grande observatório do setor, desde 2015 assumimos o trabalho de coleta de dados junto à Amcham [a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos]. Hoje, o setor é muito nichado, porém São Paulo representa cerca de 50% da economia criativa”, revela a diretora-geral da Belas Artes, Patrícia Gomes Cardim.

 

Mais demandados

Atualmente, o curso de arquitetura, reintroduzido em 1970, é um dos mais procurados entre as graduações, ao lado de cinema e audiovisual e dos três bacharelados na área de moda (design, estilismo e marketing). Há um grande trânsito entre as áreas e os cursos oferecidos. A área de cenografia, por exemplo, não se restringe ao teatro ou cinema, conversando também com a arquitetura.

As interconexões alcançam a área da tecnologia, campo, aliás, que movimenta o maior volume de recursos na área da economia criativa. Um exemplo é o software de design sul-coreano, o CLO. Sua versão 3D Fashion é utilizada internacionalmente para criações no mundo da moda. Vendo muita sinergia com seus cursos, segundo Patrícia, o caminho natural foi trazê-lo e criar capacitações para sua utilização. “A indústria brasileira de moda se profissionalizou e internacionalizou muito.”

Outra tentativa de conexão com as necessidades atuais foi a criação de um instrumento que avalia os tipos de criatividade, o criativitômetro, introduzido na instituição pela neurocientista e superintendente acadêmica, Josiane Tonelotto. O perfil da maioria dos jovens, segundo o instrumento, é de “criativos utópicos”, o que fez a Belas Artes ter como meta a transformação desses estudantes em “criativos implementadores”.

 

Exemplo bem-sucedido

Um típico exemplo de criativa implementadora é a estudante de design de moda e influencer digital Sabrina Viana, paulistana de 22 anos. Ela começou a trabalhar com mídias sociais aos 15 anos, tratando de temas como moda, beleza e viagens.

Após o ensino médio, fez um curso de fashion business e se apaixonou. Decidiu, então, cursar faculdade na área de moda, o que a ajudou a expandir os assuntos de suas postagens e o universo de seguidores, pois passou a falar da faculdade para os colegas e para quem aspira a estudar. O escopo das dicas aumentou: na moda, ela mostra tendências e novidades, no quesito beleza entram cuidados pessoais, treinos e alimentação.

Com isso, o número de seguidores chegou aos atuais  407 mil no Instagram, 101 mil no TikTok, incluindo adeptos de Portugal e Espanha. E tornou-se expert em como movimentar suas redes. “Antigamente, o número de seguidores contava muito. Hoje, o principal é o engajamento. Isso depende muito da comunidade que você cria”, ensina.

As marcas a procuram para veicular reels, postagens ou tutorias de maquiagem. O resultado financeiro é positivo. Aproveitando que ainda vive com os pais, Sabrina comprou um apartamento de dois quartos e 59 m², feito que muito marmanjo com o dobro de sua idade ainda não conseguiu.

O curso superior a tem ajudado no direcionamento da carreira. “Sempre quis ter uma marca própria. Mas, depois que cursei a disciplina de sustentabilidade, comecei a pensar em criar um brechó com itens de luxo”, revela. E credita ao curso superior da Belas Artes essa nova visão para o mundo profissional. “A mídia social virou um trabalho, mas não se deve descartar a faculdade, que ajuda a abrir o olhar e novos campos de atuação.”

 

Transformação de territórios

Eduardo Saron

Saron, da Fundação Itaú: aposta na transformação de territórios pela cultura (foto: André Seiti)

Para Eduardo Saron, presidente da Fundação Itaú Cultural, a economia criativa vem ganhando holofotes, mas ainda é tema tratado de forma imprecisa. No caso da instituição que dirige, a visão é propiciar o desenvolvimento estratégico de três pilares: o humano, o cultural e o territorial. “Com a presença no território, valorizam-se sobretudo os saberes e práticas locais, gerando inclusão social e inovação.”

As ações reverberam no campo formativo educacional, nas demandas para produtores culturais, com destaque, em termos financeiros, para as produções audiovisuais, como atesta a grande cadeia que se formou em torno do filme Ainda estou aqui, por exemplo.

“A economia criativa é um motor de transformação econômica sustentável. Ela também se entrelaça com o acesso à cultura, tendo a tecnologia como instrumento em si das atividades culturais”, realça Saron.

A atuação conjunta com universidades é outro ponto estratégico. Atualmente, há dois mestrados profissionais, um de economia da cultura e economia criativa, em parceria com a Federal do Rio do Grande do Sul (UFRGS), e outro em gestão cultural, administração e compliance, com a Federal do Ceará (UFC). Em breve, haverá um terceiro, com a PUC-SP, voltado à gestão cultural.

Entre os requisitos necessários à formação dos cidadãos nos tempos atuais, além das competências técnicas da área de atuação de cada um, Saron lista: a capacidade analítica, com poder de destrinchar lógicas causais, e os pensamentos crítico, adaptativo e criativo. “São centrais para que alguém se forme como sujeito. A cultura é um lugar de pluralidade, de manifestação de múltiplos sujeitos”, assevera.

 

Jazz no Ceará

Guaramiranga (CE), a 105 km de Fortaleza, é um exemplo de como a cultura transforma o local e seu entorno. Encravada na serra cearense, a cidade sedia, desde 2000, o Festival de Jazz e Blues. Marcada pela história de saraus que a escritora Rachel de Queiroz promovia ali um século atrás, foi pelas mãos de uma outra mulher de mesmo prenome, Rachel Gadelha, que Guaramiranga virou um polo turístico musical. Ela e sua sócia, Maria Amélia Mamede, identificaram a vocação cultural da cidade e passaram a reunir bons instrumentistas do Ceará, aos quais logo iriam se juntar músicos de todo o Brasil e estrangeiros.

Festival de Jazz

Em seu 26º ano, Festival de Jazz movimenta a pequena Guaramiranga (foto: Chico Gadelha)

Com pouco mais de cinco mil habitantes, hoje a cidade dobra de público na época do   festival, realizado no Carnaval, e recebe um público flutuante nos ensaios abertos. O evento modificou a economia e a infraestrutura da cidade, com a criação de hotéis e restaurantes.

Em 2007, a dupla organizou o I Seminário Nacional de Economia Criativa no Ceará, resultando no livro Economia Criativa – Uma nova perspectiva, com relatos das intervenções dos participantes. Em 2012, Rachel voltou à universidade e investigou modelos de financiamento, políticas públicas e a produção cultural no Ceará. Da dissertação resultou o livro Produção cultural – Conformações, configurações e paradoxos (2014).

 

Leia: Economia criativa é um caldeirão de potencialidades

 

Desde 2021, Rachel está à frente do Instituto Dragão do Mar. A entidade abriga 17 equipamentos (teatro, museus, bibliotecas, cinemas, preservação de patrimônio, escola de artes e ofícios e outros centros de formação), movimentando mais de 700 pessoas em seu dia a dia. “É um grande ativador de economia da cultura e de tudo que está em volta, o Uber, o pipoqueiro, a comunicação, a gráfica.”

Entre as demandas para que a indústria criativa dê um salto no país, Rachel menciona o levantamento de dados sobre toda a cadeia e a quem ela atinge. Outra é a formação, em nível universitário, de gestores culturais, que entendam de questões administrativas, de distribuição e circulação dos produtos dessa indústria.

A gestora alerta que  “o modelo de lei de incentivo e editais está perto de se esgotar”. O Estado tem de induzir, fomentar, “mas os empresários menores e a sociedade têm de se envolver nisso também”.

Para Patrícia, da Belas Artes, “em 2015, entramos de vez no entendimento do que é a economia criativa, a partir da ideia de que ela congrega as profissões que têm a criatividade como fator principal. Expandimos essa ideia e acreditamos que todo e qualquer profissional deve ser criativo”, finaliza.

Autor

Ensino Superior


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