No campo da educação, as críticas são rebatidas com um movimento-reflexo de culpabilização de terceiros
Publicado em 10/09/2011
Seu filho vai ser operado do rim em um hospital público e, em vez disso, lhe operam o fígado. Erro médico grosseiro. “Não venha colocar a culpa em mim!”, diz o médico.
“Ganho um salário miserável, faço plantão em dois hospitais. Estou fazendo um curso de especialização porque amo essa profissão. É fácil reclamar, mas você não sabe como é trabalhar em um hospital superlotado, onde faltam leitos e remédios, em que o diretor não está nem aí. Sem falar nos governantes… E também o seu filho estava tão mal nutrido e mal cuidado que o rim dele estava com a maior cara de fígado. Com uma conjuntura dessas, como você pode reclamar do resultado da operação?! Exijo respeito!” Se eu encontrasse um médico desses na minha frente, provavelmente lhe arrancaria o fígado e os rins. Não estou muito interessado nas agruras e esforços daqueles que tratam da minha saúde e dos meus familiares. Quero apenas resultados.
O caso acima não aconteceu. É apenas um símile da educação brasileira, que não é apenas ruim ou digna de país subdesenvolvido: é uma das piores do mundo.
E seus artífices são principalmente os professores, assim como na saúde são os médicos. Mas, no campo da educação, as críticas são rebatidas com um movimento- reflexo de culpabilização de terceiros.
A aula não dá certo porque o aluno é indisciplinado e preguiçoso, os pais são pobres e burros. Não ocorre que o aluno possa ser dispersivo e desinteressado porque ele recebe um ensino ruim, porque o professor usa dinâmicas pedagógicas enfadonhas e atrasadas e freqüentemente tem baixo domínio do conteúdo.
Quando essas possibilidades são aventadas – e, em realidade, são mais do que possibilidades: são verificadas em vários estudos, pesquisas e censos -, o professor culpa a tudo e a todos pelo fracasso escolar, e ainda indigna-se que alguém que não dá aula tenha a pachorra de colocar o dedo na ferida.
O professor de colégio público é um servidor público e deve sim satisfações a quem paga o seu salário por meio de impostos e delega ao magistério uma tarefa cujo resultado também tem fortes conotações públicas, que é a formação das gerações futuras. A sociedade brasileira começa a acordar para o desastre que é a nossa educação e a entender que melhorá-la significa requalificar os professores, exigir resultados, interferir nos currículos de cursos de pedagogia, exigir diretores competentes, demandar que a carga horária seja cumprida, que professores faltem e se atrasem menos e que livros didáticos sejam usados.
O professorado pode e deve ser um grande aliado nessa batalha, mas só será um parceiro quando notar que a educação brasileira não vai bem e que ele, professor, não desempenha bem a sua função. Nesse momento, tenho certeza de que todos os brasileiros de bem darão as mãos aos professores e construiremos um sistema de ensino melhor, juntos. Enquanto persistirem os professores no seu auto-engano, na sua impermeabilização frente à realidade, a sociedade os perceberá cada vez mais como o médico do exemplo acima, e nossas crianças é que continuarão pagando o pato.
GUSTAVO IOSCHPE
Mestre em desenvolvimento econômico com especialização em economia da educação
desembucha@uol.com.br