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Por um cérebro bilíngüe

Pesquisa detecta os momentos ideais para se aprender uma segunda língua

Publicado em 10/09/2011

por Mônica Cristina Corrêa







Temos em média 100 bilhões de neurônios que se comunicam pelas chamadas sinapses, as quais levam e registram informações. A lembrança numérica é do biólogo Rodrigo Collino, que faz pesquisas em neurociências. Num mundo em que a palavra de ordem é “globalização”, esse conhecimento aparentemente quantitativo do sistema nervoso central se mostra importante para que se saiba um pouco mais sobre seu funcionamento – e, portanto, sobre sua otimização nas crescentes demandas de conhecimento do homem contemporâneo.

Por exemplo: ao avaliar a fase do maior número de sinapses durante a vida humana, pode-se prever também o melhor momento para certos aprendizados e como se estruturam as informações na memória. Em outras palavras, melhorar o desempenho. Esse é, de fato, o objetivo ao qual provavelmente servirá a pesquisa de mestrado desenvolvida na Universidade de São Paulo (USP) por Collino, que, além de biólogo, é professor de inglês e trabalha com testes neurofisiológicos sobre a aquisição de línguas. Seus resultados, mais do que ajudar a detectar os momentos ideais para se aprender uma língua além da materna, podem servir de base aos profissionais do ensino. Como a aquisição de idiomas se torna primordial nas sociedades atuais, o assunto envolve gerações de educadores e aprendizes.

Testes preliminares aplicados por Collino apontaram para uma melhor percepção de fonemas do inglês por indivíduos que o aprenderam entre 7 e 10 anos. De fato, é na primeira infância que ocorre uma espécie de boom de sinapses, cujo ápice se dá por volta dos 3 anos. Sabe-se também que os bebês até 1 ano de idade têm capacidade para distinguir sons e pares minimais (bad/bed do inglês, fée/feu do francês, som/são do português). A distinção desses fonemas de diferença sutil tende a rarear com o passar do tempo. “A partir de 1 ano, o bebê começa a privilegiar os sons de uma determinada língua, certamente aquela que ouve com mais freqüência”, afirma Collino. Assim, é interessante que, em caso de bilingüismo, a criança ouça sons das línguas nas quais virá a ser alfabetizada.

Fenômeno inconsciente – Estudos recentes em neurociências têm sugerido que, mesmo com o passar do tempo, o sistema nervoso continua mostrando reações de distinção dos sons e nuanças, mas apenas no nível inconsciente. “O adulto vai perdendo a capacidade de identificar conscientemente sons que não pertencem à sua língua mãe. Assim, mesmo que tenha uma resposta neural ao ouvir determinados sons diferentes, ele não se dá conta.” Nesse sentido, a pergunta que resta responder para os educadores é sobre qual a melhor maneira de trazer à consciência um fenômeno que se dá em nível inconsciente, “o que seria valioso àqueles que já passaram da ‘idade ótima’ para o aprendizado”, considera Collino.

A resposta pode acarretar mudanças na área do ensino de línguas. Não é verdade que adultos não aprendem línguas, mas não se pode deixar de reconhecer, por outro lado, que a ciência comprova maior desembaraço de aquisição na infância e a perda dessa “facilidade” é progressiva no homem. Aliás, a partir dos 40 anos, os seres humanos começam a perder sinapses não utilizadas – cabe o chavão do “enferrujado” para as línguas estrangeiras – e até a terceira idade perde-se 10% dos neurônios. Eles são em número 30% maior nos homens em relação às mulheres – mas isso não significa que sejam menos inteligentes ou menos aptas a aprender.

Embora estudos apontem maior densidade de massa cinzenta em indivíduos com aprendizagem precoce de idioma estrangeiro e com bom nível de proficiência naquela língua, é possível ser fluente numa língua estrangeira mesmo começando seus estudos na idade adulta. O envolvimento emocional do adulto com uma cultura e seu interesse podem levá-lo a aprender perfeitamente. Mas os professores de línguas têm de lidar com dois aspectos fundamentais no ensino.










 Vilson Leffa: a ciência da linguagem não contradiz a biologia, mas reforça seus dados com relação ao aprendizado da gramática


Primeiro, a dificuldade decorrente dos anos para aqueles que nunca tiveram oportunidade de “formar um cérebro bilíngüe” precoce. Nesse caso, um trabalho de sensibilização concorre na tentativa de tornar conscientes as distinções percebidas no nível inconsciente. Esse procedimento muitas vezes esbarra em obstáculos comuns e por isso conhecidas até como “sotaques” específicos. No Brasil, ao se imitar, por exemplo, um imigrante japonês, troca-se o “l” pelo “r”.

Rodrigo Collino evoca esse fato já anedótico para lembrar que isso é conseqüência de uma não-identificação consciente do par “l/r” na maioria dos falantes do japonês. Experiência realizada pela professora de francês Ligia Fonseca Ferreira, do Departamento de Letras Modernas da USP e diretora de seu Centro de Línguas, mostra que o caminho pode ser mesmo o do resgate dos aspectos mais “primitivos” da assimilação de uma língua diferente. Com a tarefa de ensinar francês para jovens e adultos ingressantes que nada conhecem ainda, Ligia faz primeiro um trabalho de sensibilização para universo sonoro. O objetivo é exercitar e ampliar a percepção, fazendo-os ouvir, às vezes repetir, fonemas, palavras, trechos de frases e canções, e promover exercícios de conscientização corporal. Nada de gramática, nem de regras nas primeiras aulas.

“A idéia é também sensibilizar os alunos a observar como recebem e percebem o idioma antes de passar à produção”, explica. Ligia acredita que é preciso que um indivíduo compreenda a própria organização de seu aprendizado. Ela julga os métodos comunicativos, que exigem produção imediata, um pouco ineficazes nesse sentido. Sua abordagem vai ao encontro das pesquisas de Collino na medida em que ativa, com seus exercícios de escuta, possíveis registros armazenados na memória dos futuros falantes, o que pode levar a uma melhor consciência fonológica da língua. “Muitas vezes, a língua fascina quando ouvida e assusta ao ter de ser falada”, conta Ligia. “Por isso, os aprendizes sentem emoções diferentes, nem sempre evidentes para eles mesmos, e não adiantaria, numa etapa inicial, lidar com o que é coletivo, como partir do pressuposto de que os brasileiros gostam da França e do francês.

Isso não basta para garantir a motivação ou o sucesso no aprendizado.” Citando as pesquisas do neurologista Antonio Damásio, autor de O Erro de Descartes (Companhia das Letras, 336 págs., R$ 49,50), Ligia procura se distanciar também de algo que, para ela, separaria a razão, portanto os processos cognitivos, da emoção.

Dessa forma, o aluno se prepararia com mais segurança para se confrontar às outras dimensões do aprendizado da língua estrangeira. No entanto, a aquisição de um idioma requer também a parte estrutural, ou seja, a “parametrização” (sintaxe). Diferentemente do que se tenderia a crer, as idades citadas como ideais na formação de sinapses podem ser também para a alfabetização, conforme o professor Vilson José Leffa, da Universidade Federal de Pelotas (RS). “É possível ler com 3 anos de idade e até antes”, diz ele. “Há casos de crianças alfabetizadas em duas línguas simultaneamente. Mas isso não quer dizer que se deva fazê-lo, pois forçar a criança pode ser prejudicial, a aprendizagem tem de ser prazerosa.” Linguagem e ciência – Vilson Leffa é especializado em lingüística aplicada e também em novas tecnologias, e tem um site para discussão sobre o assunto (www.leffa.pro.br). Sua experiência lembra que a ciência da linguagem não contradiz a biologia, mas corrobora alguns de seus dados com relação ao aprendizado da gramática e dos parâmetros. “De fato, pela lingüística chomskyana, o cérebro muda com a idade, adquire outras funções e parece perder a capacidade de aprender a língua”, explica. Mas o envolvimento emocional com o aprendizado pode resolver essa defasagem.

Por isso, uma outra ciência é necessária para se aprender línguas (e outras coisas): a pedagogia. “Ela tenta corrigir a natureza, ajudando o sujeito, acelerando a aprendizagem, por exemplo”, afirma Leffa. Daí também as diferenciações de ensino entre adultos, jovens e crianças. Aliás, questões relativas à abordagem e método passaram por muitas fases. Segundo observa ele, em geral, uma maneira de ensinar era justamente contrária à anterior.

Depois de muitas experiências, Leffa percebe, em suas pesquisas, que “vivemos uma era pós-método; tudo já foi experimentado e no fundo existem duas maneiras de o aluno aprender uma língua: com a ajuda do método ou apesar do método”. E o que acontece, atualmente, é que as várias técnicas emprestam, cada uma, a sua contribuição. “Um levantamento das abordagens usadas nas escolas oficiais ou de ensino de línguas mostra ênfase no exercício: aprendemos a falar, falando, a escrever, escrevendo, a ler, lendo”, diz.

A professora de alemão Elke Specke, da Escola Suíço- Brasileira de São Paulo, testemunha essa pluralidade de métodos nas atuais salas de aula. Ensinando alemão para alunos de 10 a 11 anos que falam o português como língua materna, mas praticam ambos os idiomas desde o jardim da infância, Elke deve garantir-lhes a fluência e o bom uso da gramática e da sintaxe. Os objetivos de sua instituição é que os estudantes, ao findarem o ensino médio, sejam bilíngües, no que tem obtido êxito.










 Rodrigo Collino: 

resta saber como trazer à consciência um fenômeno de identificação de sons que se dá em nível inconsciente


A experiência de Elke tem particularidades: ela mesma nasceu no Brasil, mas de pais alemães. Assim, nunca falou português em casa. Elke se tornaria bilíngüe ao freqüentar a escola no Brasil. Hoje, quando procura explicar o significado de uma palavra alemã, tenta fazê-lo com os recursos da própria língua, mas percebe que seus alunos encontram rapidamente um equivalente em português, com precisão e mais facilidade do que ela própria. A professora acha admissível, pois compreende que essas crianças formaram um cérebro bilíngüe e passam pela transposição entre as línguas.

A tradução é, aliás, polêmica no ensino de línguas. Por ter sido a metodologia mais antiga, também se tornou alvo das maiores críticas. Antes, ensinava-se a segunda língua pela primeira. Mais tarde considerada arcaica em relação às novas abordagens, a tradução foi praticamente “banida” da sala de aula. Curiosamente, porém, as pesquisas na área da neurociência reconhecem o armazenamento concomitante de informações no cérebro e os dados tendem a fazer com que se defenda o aprendizado cumulativo.

O professor Leffa, que pesquisou e estudou os métodos e abordagens de forma diacrônica, conclui que “o acesso ao significado por meio da tradução pode ser uma etapa necessária no desenvolvimento da língua estrangeira, principalmente em situações formais de ensino, como a sala de aula”.

No entanto, o ensino de uma língua estrangeira apenas pela tradução pode ser mesmo limitante. Daí a necessidade do emprego de várias maneiras de ensinar.

De todo modo, a escola ainda terá muitos desafios nessa área. Há que se contar com a heterogeneidade dos grupos, pois, além dos interesses diferentes, as pessoas têm também maior ou menor aptidão. O papel do professor será o de despertar; levar seus alunos a terem entusiasmo pela cultura estrangeira. O primeiro pressuposto para se aprender uma língua é o de estar aberto às diferenças.

Sabe-se de longa data, aliás, que não é possível separar língua e cultura. Outra língua é uma outra maneira de dizer, portanto de pensar, viver e até sentir. Desse modo, talvez as fronteiras a atravessar sejam, ainda, as da tolerância – uma velha lição.

Quanto à ciência, avançando, vem auxiliar todo tipo de iniciativa. Leffa observa que as novas tecnologias, acompanhando as mudanças da sociedade, devem ser aproveitadas pelos professores. Mas também é um campo novo: se a técnica contribui muito para o avanço das pesquisas, faltam ainda pesquisas sobre a utilidade e os limites da técnica.

Autor

Mônica Cristina Corrêa


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