Lei norte-americana prevê separação de alunos negros, brancos e latinos em escolas públicas de Omaha, no Nebraska
Publicado em 10/09/2011
Uma lei aprovada pelo senado estadual dos Estados Unidos e pelo governo de Nebraska, Estado situado no Meio-Oeste do país, divide a cidade de Omaha em três grandes distritos escolares: um dedicado quase exclusivamente a alunos brancos, outro a negros, e o terceiro aos latinos. As fronteiras delimitadas a cada um deles ainda não foram definidas, mas a controvérsia que a Lei Estadual de número 1.024 está causando já ganhou o mundo. Para seus opositores, trata-se de uma atitude segregacionista e racista. Mas para um de seus criadores, Ernie Chambers, o único senador estadual negro de Nebraska, ela é "absolutamente neutra".
Defensor radical dos direitos dos negros, Chambers já foi qualificado como "o homem negro mais raivoso de Nebraska" por um jornal, especialmente por sua intransigência. Defendeu o fim da pena de morte no estado e fez pedidos pelo fim do apartheid na África do Sul. Assim, causou espanto que ele criasse e defendesse uma lei que, na avaliação de seus opositores, separará os alunos negros daqueles com diferentes etnias.
Mas Chambers parece ter uma outra visão sobre a proposta. "Em primeiro lugar, não há nada racista nessa lei. Quando eu digo que ela trará benefícios para a população negra, quero também dizer que ela será benéfica para todos os outros, e seus distritos escolares. O propósito é criar um controle local que traga qualidade à educação", afirma Chambers, que considera a nova regulamentação benéfica para seus eleitores.
O senador garante que, com a medida, os novos distritos poderão ser coordenados localmente. Os distritos englobariam diversas escolas primárias e, fundamentalmente, dois ou três colégios cada, em áreas contínuas. Cada um desses distritos será comandado por um comitê próprio, e os recursos financeiros serão distribuídos igualmente entre eles.
O principal argumento dos defensores da lei é que os alunos não estarão necessariamente restritos às escolas que ficarem nos distritos onde eles moram. Assim, os estudantes poderão freqüentar escolas de outros distritos, desde que haja vaga, e receberão transporte gratuito para isso. O sistema público de ensino de Omaha fazia esse tipo de transporte até 1999, mas o serviço havia sido suspenso desde então por determinação judicial.
"As pessoas estão falando em segregação, mas, no atual sistema, as escolas já são segregadas", ressalta Marguerita Washington, editora do jornal Omaha Star. "Quem mora na zona norte da cidade simplesmente não consegue chegar às outras escolas, porque não há transporte. Acho que as pessoas deveriam se unir para fazer essa lei funcionar corretamente, mas estão com medo do desconhecido, por isso a rejeitam."
Em Omaha vivem 409 mil pessoas, quase um quarto dos cerca de 1,75 milhão de habitantes do Estado de Nebraska, que tem um número de moradores inferior ao de um município interiorano do Brasil, como Campinas (SP).
O apoio do jornal Omaha Star tem uma importância simbólica. O jornal foi fundado em 1938 por Mildred Brown, tia de Marguerita, e foi o primeiro veículo de comunicação dos EUA a ter uma proprietária negra, e, muito provavelmente, um dos primeiros a ter uma proprietária mulher. Assim, o Star, cuja sede fica no centro do distrito 11 de Omaha, que já elegeu Chambers para dez mandatos no senado estadual, tem profundas relações com a comunidade negra da cidade. Esta é representada, segundo o Departamento Americano de Recenseamento, por 4,3% da população. De acordo com o Censo de 2004, 92% dos habitantes de Omaha são brancos e 85% são brancos não hispânicos. Ou seja, a população branca hispânica da cidade (7%) é maior do que a de negros.
Contra a divisão
– A lei deverá ser posta em prática a partir do início do ano letivo de 2008/09, no dia 1º de julho de 2008, reorganizando uma população de 100 mil alunos em Omaha. Até lá, no entanto, entidades que defendem os direitos da população negra norte-americana pretendem cancelar a lei, com base na constituição dos EUA. Os Estados têm o direito de legislar sobre seus próprios sistemas educacionais, mas essas regulamentações têm de estar de acordo com os princípios constitucionais do país.
A principal iniciativa é da Associação Nacional pelo Desenvolvimento da População de Cor (NAACP – National Association for the Advancement of Colored People), entidade civil envolvida em lutas pelos direitos da população negra desde 1909. Em meados de maio, a associação entrou com uma ação judicial contra a lei. Lideranças locais da associação chegaram a acusar Chambers, que vive nos mesmos bairros que o resto da comunidade negra, de ter motivos escusos para criar a lei.
Em seu website (
www.naacp.org
), a NAACP alega que a ação "pede especificamente que os tribunais impeçam o governo de Nebraska de dividir intencionalmente o Omaha Public Schools (OPS), entidade que reúne as escolas da cidade em um único distrito, e criar, em seu lugar, três distritos separados por raça. O Estado de Nebraska não tem o direito de promover intencionalmente a segregação racial em suas escolas públicas".
Outro lado da disputa envolve os recursos destinados por lei à educação. No modelo atual, o distrito único do OPS recebe todo o financiamento e o distribui conforme as decisões de seu comitê de educação. O comitê, no entanto, não possui nenhum representante da zona norte de Omaha, onde se concentra a maior parte da população negra.
Com a medida, algumas escolas do subúrbio da cidade, lar da população branca e rica de Omaha, seriam incorporadas aos distritos e, além de poderem ser freqüentadas por alunos das outras etnias, que contariam com transporte gratuito até elas, teriam de dividir os recursos com as escolas das regiões central, norte e sul, onde moram as populações de renda mais baixa. Por isso, a lei vem sendo tachada de racista até mesmo por brancos famosos, como o bilionário Warren Buffett, o homem mais rico de Omaha.