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Ser professor de português em Paris

Estudos sobre o idioma na Sorbonne primam pelo conhecimento da diversidade cultural dos países lusófonos

Publicado em 10/09/2011

por Mônica Cristina Corrêa

* Da revista
Língua Portuguesa

(
lingua@editorasegmento.com.br

)


O livro A República Mundial das Letras, de Pascale Casannova (Estação Liberdade, 2002) traça um perfil da centralização em Paris das atividades literárias mundiais. Para a francesa, há séculos os escritores lá vão trabalhar em busca de reconhecimento e prestígio. Paris virou rota obrigatória de artistas e, há não muito tempo, ser traduzido em francês significava ser inserido em contexto bem maior.


Tal caráter universalizante da cultura francesa sofreu sensíveis modificações desde a Segunda Guerra, embora a "cidade-luz" guarde muito de seu esplendor. A política imperialista e depois colonialista acabou por levar a França a interessar-se por diversas culturas, a traduzi-las e até incorporá-las.


A própria língua portuguesa teve lá seu florescimento, encontrando lugar de difusão. Em 1892, foram criadas a Sociedade de Estudos Portugueses e a Seção da América Latina. Em 1911, a Sorbonne instituiu a cadeira de "Estudos Brasileiros". A cadeira de português propriamente viria em 1936 e os estudos portugueses e brasileiros tornaram-se independentes em 1970.


Um contingente migratório ocorreu na França nos anos 60. Hoje, ainda é o país da Europa com uma das maiores concentrações de luso-descendentes. São 1 milhão de pessoas. Natural que aumente a procura pelo idioma. Mas, para Jacqueline Penjon, brasilianista e chefe de pós-graduação do Centro de Estudos Lusófonos da Sorbonne (Paris III), o português na França vive um impasse.


– Português é uma disciplina que, em nível superior, quase só é procurada por luso-descendentes. O problema está em fazer com que surja o interesse em alunos de outras origens.



Preconceito



Segundo Jacqueline, o preconceito atrapalhou o desenvolvimento da língua portuguesa em território francês.


– A associação do idioma com a imigração deu-lhe um caráter negativo, que agora está mudando. Foi a mesma coisa com o espanhol e o italiano nos anos 50, que já não sofrem esse tipo de xenofobia.


De todo modo, os estudos do português na Sorbonne prosperam. A recente reforma no ensino, com a obrigatoriedade de uma segunda língua para os universitários, trouxe o interesse pelo português, sobretudo o brasileiro, como matéria optativa.


O apelo do português brasileiro num país geograficamente mais próximo de Portugal é motivado, diz Jacqueline, pela imagem de simpatia do Brasil. Somos vistos pelos franceses, garantem as pesquisas imagológicas, como um país que, longínquo, é mais exótico e onírico. O incentivo aumentou desde o ano passado, com o "Ano do Brasil na França". Segundo a Federação Internacional dos Professores de Francês (FDLM), a procura pelo português aumentou 20% depois do "Ano do Brasil", o que veio acompanhado por um progresso do turismo de 27% e pela escolha do Brasil como o primeiro alvo dos investimentos franceses na América Latina. Mas o avanço do português na França, diz Jacqueline Penjon, se deve ao próprio idioma.


– O português do Brasil é bem mais vocálico (ouvem-se mais as vogais), o que é mais fácil e agradável aos ouvidos do francês, enquanto o de Portugal não, pois as vogais quase não são pronunciadas.



Contexto



Diferentemente das universidades brasileiras, a francesa contextualiza e separa os estudos lusófonos em português europeu, do Brasil e da África. Atrelam-se a eles as especificidades da língua e das culturas.


– O aluno opta pela modalidade lingüística portuguesa ou brasileira, mas não pode ignorar a outra, tendo de estudar a literatura de todos os países – diz Jacqueline Penjon.


Os estudos africanos, cujo responsável é Michel Laban, centram-se na literatura angolana. Há nela uma marcante influência do quimbundo, língua da família banto.


– A África segue as normas de Portugal, mas não nas manifestações da fala – diz.


Falar e escrever no português africano têm influências do Brasil, sobretudo da literatura libertária dos anos 1930, diz o professor. É o que acontece com certa variação dos pronomes, substituições inusitadas em Portugal ("eu lhe chamei" em vez de "eu o chamei"). Laban foi o encarregado dos verbetes africanos do Aurélio (edição de 1998). A palavra "maca", por exemplo, ganhou em Moçambique e Angola o sentido de rixa ou briga, que não tem em Portugal e no Brasil. Mas, para Laban, é a alteração de formas sintáticas, cada vez mais freqüente na África, que dificulta o entendimento de brasileiros e portugueses.


São casos extremos, de difícil compreensão para quem desconhece a estrutura, como em "O João bateram-lhe na mãe dele". De cara, há a impressão de que quem sofreu a agressão foi a mãe e ocorreu inversão da ordem da frase "Bateram na mãe do João", com um pronome redundante ("lhe" ou "dele"). A frase descreve o contrário, diz Laban. Quem apanhou foi João. A mãe é a agressora, como em "A mãe do João lhe bateu".



Olhar democrático



Laban vê em casos do gênero a interferência do quimbundo, que, para a compreensão exata, requer conhecimento da cultura. É possível detectar tais estruturas passivas na escrita, em angolanos como Dúnem, Dibundu ("Gastou todo dinheiro que lhe deram para trazer, lhe comeram com ele nos próprios amigo" = os próprios amigos comeram-lhe o dinheiro) ou em C. Andrade ("vieram-lhe buscar nos cipaios" = os cipaios o vieram buscar).


Não havendo como separar língua de cultura, na Sorbonne ensinam-se as muitas culturas de língua portuguesa. O Centro de Estudos Lusófonos da Sorbonne é, por isso, um modelo democrático de ensino do português, pois leva em conta a diversidade. Os esforços que se somam em sua vitalização são uma demonstração da capacidade francesa de manter-se, não como o centro do mundo – quimera imperialista irrealizável – mas como um cadinho cultural oportuno no cenário da globalização. A língua portuguesa assegura aí o seu lugar, pluralizando-se.

Autor

Mônica Cristina Corrêa


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