A docência exige uma vitalidade constante; ideal se fosse uma ocupação intermitente.
Publicado em 10/09/2011
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As estimativas referentes ao universo laboral na educação brasileira (desde as creches até as universidades) apontam a existência de quase 3 milhões de postos de trabalho docentes – mais da metade concentrada no ensino fundamental. Se a elas fossem somadas as práticas não formais, o número talvez aumentasse em progressão aritmética. Trata-se, pois, de um contingente populacional gigantesco cujas feições comporiam uma figura deveras disforme, caso pretendêssemos esboçar alguma espécie de retrato identitário do segmento.
Dentre as tantas descontinuidades que designam o campo pedagógico, uma delas é digna de nota: a rotatividade dos profissionais. A cada ano, uma massa de novos professores adentra as salas de aula pela primeira vez, movidos por um impulso tão difuso quanto imponderável. Nunca se saberá por que o fazem. No entanto, mais intrigante do que aquilo que os atraiu à docência é o que, mais tarde, os fará persistir nesse bravo ofício.
A idéia de bravura não remete apenas aos perigos que espreitam aqueles que ali se embrenham, mas também à coragem de afrontar o lugar comum de que se passa uma fatalidade com quem, hoje, se propõe a ensinar – o que talvez explique o olhar condescendente dos alheios ao campo pedagógico. E eles estão certos. Isso porque a docência é mais cativa do vício do que do arbítrio. Professores de fato são aqueles que não conseguiram evitá-lo. Nada além.
Eis aqui a anatomia do vício docente: todo início de ano letivo é ocasião de tormento e, ao mesmo tempo, de alguma alegria. Tormento porque a experiência anterior de nada nos serve, já que os mais novos subvertem quase tudo que supúnhamos saber sobre o ofício. Eles são transeuntes dispersos, sempre de passagem, que usurpam sem piedade o que nós levamos um ano inteiro para construir. Daí, estranhamente, a sensação de alegria. Sem sabê-lo, os alunos nos condenam a ter de nos deslocar sempre e sempre. Monotonia aqui não há, tampouco pacificação do espírito.
Ana Teixeira |
Não obstante, quanto mais avançamos na idade, menos dispostos nos tornamos a habitar o desterro que esse excêntrico vício decreta. E é aí que desponta seu avesso: o hábito. Pelo fato de que a docência demanda uma vitalidade constante, muitos vão tombando pelo caminho, ludibriados pela promessa de uma existência rotineira e cumulativa em sala de aula, quando tudo que ela requer são extravagâncias. Ideal se fosse uma ocupação intermitente, da qual pudéssemos sair e a ela retornar mais tarde, apenas quando tomados por alguma inspiração criadora. Não o é, entretanto. Seus ditames circunscrevem-se a esse trabalho vigilante e implacável de experimentação de modos de vida inusitados em sala de aula. Um trabalho que principia e, tantas vezes, se encerra em nós mesmos. Nós que, por pura dependência e gratuidade, nos incumbimos de estranhar as coisas do mundo, deste pobre mundo. Nós?
Julio Groppa Aquino – Professor da Faculdade de Educação da USP
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