Escolas estimulam pais e filhos a transformar em rotina a realização das tarefas de casa. Além de fixar conteúdos, deveres ajudam a desenvolver autonomia
Publicado em 10/09/2011
Uma das prioridades da corretora Zuleica Chazanas em relação à educação de suas três filhas é orientá-las a fazer a lição de casa todos os dias, ao chegar da escola. O esforço da mãe fez com que as gêmeas Giuliana e Mirella, 10 anos, e Larissa, 9, se tornassem crianças responsáveis nesse quesito, embora de vez em quando ainda tentem driblar os deveres quando Zuleica não está por perto. Traquinagens à parte, uma coisa é certa: quando a tarefa é interessante e motiva as meninas a pesquisar, não há brincadeira que desvie a atenção delas. No final de março, por exemplo, as gêmeas estavam empenhadas em descobrir documentos antigos da família, para um trabalho da disciplina de geografia. O foco das buscas era a carteira de identidade de uma bisavó polonesa, nascida em 1900. Com isso, as duas passaram a pesquisar fatos históricos relacionados ao período. "Achei o máximo e aprendi muito com elas durante a pesquisa", conta Zuleica. Lições de casa nessa linha são cada vez mais freqüentes na agenda escolar de crianças e adolescentes. E resumem bem duas preocupações atuais dos colégios: estimular os alunos a fazer as tarefas com prazer (e não apenas por obrigação) e ensiná-los a ter disciplina para tal.
Para se ter uma idéia dessa tendência, na Escola Carlitos, em São Paulo, foi elaborado um manual para ajudar os pequenos a se organizar. As dicas envolvem pontos como a escolha de um local silencioso e bem iluminado para estudar, entre outros. "Explicamos que a lição de casa é uma responsabilidade e que eles precisam ter disciplina", diz Laura Piteri, coordenadora pedagógica do Carlitos. Para que esses conceitos sejam realmente colocados em prática, o colégio usa a realização dos deveres dentro dos prazos como parte da nota por postura de trabalho. Além disso, na agenda de cada aluno há um espaço para que os professores anotem se ele fez ou não as lições, de forma que os pais possam acompanhar a assiduidade dos filhos. Outro estabelecimento de ensino a registrar as dicas de como criar uma rotina para fazer as tarefas foi o Domus Sapientiae, também em São Paulo. Lá, o "guia de estudos" traz dicas até de ações complementares à leitura, como sublinhar determinados trechos, fazer resumos e adotar algumas técnicas de memorização para fixar os conteúdos. "Nossos alunos sabem que, além da lição de casa propriamente dita, devem ler e resumir todos os textos trabalhados em sala e refazer os exercícios apresentados pelos professores durante as aulas", explica Tânia Dias Queiroz, coordenadora-geral e pedagógica do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e do ensino médio do Domus Sapientiae.
Zuleica Chazanas, mãe das gêmeas Giuliana e Mirella e de Larissa: proximidade ajudou-as a criar disciplina em relação aos deveres de casa |
Na maioria das vezes, os colégios começam a passar atividades para a casa a partir do primeiro ano do ensino fundamental. O volume e a complexidade dos trabalhos aumentam de acordo com a idade. Assim, a jornada de tarefas começa com meia hora, quarenta minutos de dedicação por dia e passa de duas horas no ensino médio. E é justamente aí, quando as fichas básicas de exercícios ficam para trás, que as escolas passam a incrementar as lições para atrair a atenção dos estudantes. Flávio Cidade, coordenador pedagógico e professor de português do Colégio Ítaca, na capital paulista, dá um exemplo nesse sentido. Ao começar a discutir poesia com os alunos do quinto ano do fundamental, ele adotou o poema "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias, como ponto de partida. "Percebi o interesse deles e pedi que pesquisassem em casa que poetas brasileiros foram influenciados por aquele poema", diz. Nas aulas seguintes, foram apresentados textos de autores como Oswald de Andrade e Casimiro de Abreu, entre outros. A lição de casa rendeu tanto que terminou se transformando num projeto de análise da "Canção do Exílio" na literatura nacional, com direito à criação de versões do poema pelos próprios estudantes. Para a presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), Maria Irene Maluf, é exatamente assim que os professores deviam agir. "Os trabalhos precisam despertar a curiosidade. Se forem estimulados, os alunos vão querer aprender a pesquisar sozinhos, fazer descobertas", diz.
O aprender por conta própria é outro ponto levantado pelas escolas, que são unânimes em afirmar que crianças e adolescentes precisam fazer as tarefas sozinhos. Ao invés de agir como professores particulares, os pais devem acompanhar o desempenho dos filhos, checando se os deveres do dia foram realizados, se a letra está legível ou se o caderno não tem rabiscos demais. Além, claro, de estimulá-los a descobrir coisas novas. "Os pais podem indicar textos ou filmes relacionados aos conteúdos que estão sendo estudados, por exemplo", explica Ivete Fierro de Araújo Segabinazzi, orientadora educacional do colégio Montessori Santa Terezinha, em São Paulo. Deixar que os filhos estudem sozinhos não quer dizer que os responsáveis não possam ajudá-los a adquirir disciplina. "Eles devem planejar esse momento com as crianças, criando uma rotina de estudos com horário e lugar definidos", afirma a psicóloga e terapeuta familiar Graziela Zlotnik Chehaibar. Outra dica de ouro: não desistir jamais de fixar o hábito entre a prole. "Nem sempre é só ensinar que a criança aprende de primeira a se organizar", diz. "É preciso ser persistente e aprender a negociar", recomenda.