Jogando, de modo inteligente, as crianças aprendem o que lhes fora ensinado na escola, mas não havia sido aprendido
Publicado em 10/09/2011
Mais de 400 voluntários e apoios de empresas e universidades ajudam a manter um projecto que merece ser dado a conhecer. Sempre que posso, volto àquele hospital de crianças, porque sempre aprendo algo por lá.
A professora está sentada ao lado da cama. Lê um livro para uma criança recentemente operada. Enquanto os enfermeiros mudam o penso, a professora afaga os cabelos da chorosa criança.
Cadê Aline? – pergunta a Maria.
Ficou boa e foi embora! – responde a enfermeira.
Como é possível tão pouco espaço conter tanta humanidade? Respira-se carinho. Todos se conhecem. Todos são chamados pelo nome. Quem é o médico? Quem é o voluntário? Quem é o educador?…
Chucran! – é assim que eu escuto – é o mesmo que "obrigado", mas em libanês.
No hospital, o Rafael descobre as suas raízes culturais. A mãe, de véu cobrindo os cabelos e o rosto, estuda a história da terra onde nasceram. A professora ensina português ao Rafael. A mãe do Rafael ensina libanês à professora.
Pais de crianças em internamento prolongado descobrem o valor da leitura partilhada. Ao jogar à matemática com o filho, aquele pai compreendeu por que razão aprendeu o "e vai um", quando andou na escola. Num recanto entre duas enfermarias, outro pai ajuda o seu filho a preparar uma pintura, enquanto um voluntário muda a garrafa do soro. Durante o internamento do seu filho, uma mãe visita, pela primeira vez, um museu. E faz um passeio interno, para conhecer a lavandaria do hospital. Admira o trabalho que lá se faz.
O Claúdio atende o celular. A mãe de uma criança, numa outra enfermaria, pergunta quando chegariam lá as professoras. Conclui a ligação: Por que demoram? Também queremos aprender!
José Pacheco Educador e Escritor, ex-diretor da escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal) |
Jogando, de modo inteligente, as crianças vão aprendendo o que lhes fora ensinado na escola, mas não havia sido aprendido. No Pequeno Príncipe, são curadas as mazelas do corpo e as do espírito. Uma voluntária, aluna de pedagogia, comenta: Fomos ensinadas a aprender de um só jeito, como a nossa professora pensava que estava certo. Aqui, nós também trabalhamos os conteúdos. Mas não com todas as crianças ao mesmo tempo. É quando é preciso e é possível. Outra voluntária, professora, acrescenta: Eu já tinha visto este material pedagógico em escolas por onde passei. Mas nunca o tinha utilizado.
Luís tem 4 anos. Vive no hospital quase desde que nasceu. Sofre de doença degenerativa. Só conhece o mundo lá fora através da janela da enfermaria e do que as professoras lhe descrevem. Sua melhor amiga contraiu pneumonia e faleceu. Luís quebra o silêncio de dias: Por que é que a Carol nunca mais vem brincar comigo?
A voluntária encosta o rosto do Luís no seu colo. Um longo afago é a resposta. E eu evoco o último capítulo do Pequeno príncipe: agora já me consolei um pouco. Sei que voltou ao seu planeta; pois, ao raiar do dia, não lhe encontrei o corpo. Não era um corpo tão pesado assim…
No Pequeno príncipe, tão perto da morte, tão perto da vida.