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Caldeirão de idéias

Feira Internacional Isef, da Intel, reúne mais de 1.500 alunos de 51 países em Atlanta, EUA; três projetos brasileiros são premiados

Publicado em 10/09/2011

por Beatriz Rey

Nos arredores do centro de Atlanta, no Estado norte-americano da Geórgia, o movimento é intenso. Jovens com idades entre 15 e 21 anos, vestidos de todas as maneiras – há quimonos, burcas, trajes indianos, ternos, bermudas, camisetas, uniformes verde e amarelo e até camisas da seleção argentina -, caminham rápido em direção ao Georgia World Congress. Diferentemente dos dias anteriores, hoje o passo é mudo. Há quase uma semana na cidade, esses mais de 1.500 estudantes de 51 países participam da Intel International Science & Engineering Fair (Isef), a maior feira de projetos pré-universitários do mundo, que anunciaria seus vencedores na manhã daquela sexta-feira. Os três primeiros colocados, selecionados para a categoria Intel Young Scientist Awards, receberiam bolsas de estudo no valor de US$ 50 mil para cursar uma universidade.
 
Desde 1996, a Isef, programa da Society for Science & The Public patrocinado pela Intel, é uma vitrine para os jovens que desenvolvem projetos científicos em 18 categorias, como comportamento e ciências sociais, química, ciências da computação, engenharia elétrica e mecânica, ciências ambientais, medicina e saúde e projetos em grupo, entre outras. Com tanta variedade, os números da Isef cresceram ao longo dos anos: desde 1996, houve um aumento de 40% no número de finalistas e de 70% no número de países, regiões e territórios participantes. "É uma ação pela qual podemos devolver algo ao mundo", explica Brenda Musilli, diretora de educação da Intel. Neste ano, foram apresentados 1.241 projetos, dos quais foram premiados os apresentados pelas norte-americanas Sana Roof e Natalie Saranga Omattage e pela chinesa Yi-Han Su (veja quadros) – 48% dos participantes desta edição foram do sexo feminino. Outros 500 alunos com projetos em todas as categorias também receberam prêmios e bolsas de estudo, num total de US$ 4 milhões. Além disso, houve as premiações especiais oferecidas por organizações norte-americanas.

Há três anos como gerente de educação da Intel, Brenda identifica padrões no que diz respeito aos projetos levados pelos alunos à feira. O primeiro é que, na maioria dos casos, um jovem opta por determinado tema com base em alguma experiência social. "Outra coisa é que quanto mais a economia e os recursos tecnológicos de um país são limitados, mais os projetos são interessantes", completa. Como exemplo, cita o caso do grupo brasileiro de Cuiabá/MT que desenvolveu uma máquina de fazer pão a partir de outra, de lavar roupas. "Estamos descobrindo nos EUA que não podemos descartar algo sem procurar outro uso para tal coisa. Precisamos de iniciativas como essa", aponta. 


Brasileiros

Dos participantes da Isef deste ano, 30 eram brasileiros. Foram oito escolas públicas (uma delas com três projetos), sete particulares e uma fundação. A maioria desses projetos foi concebida a partir de demandas de suas comunidades, cidades e até do país. As exceções, como o garoto Bruno Buzo, que desenvolveu um protetor solar mais ecônomico, produzido a partir do urucum, também trazem o contexto nacional. Dois brasileiros ganharam o prêmio oficial da Intel: Denílson Freitas, de Vitória da Conquista/BA, e Victor Pulilo Neto, de Rio Claro/SP, tiraram os 3º e 4º lugares respectivamente, na categoria ciências do meio ambiente. Com um projeto de dessalinizador solar, Denílson recebeu uma bolsa de estudos no valor de US$ 1 mil. Victor, que estudou a qualidade da água em represas e nascentes em regiões rurais do Sudeste brasileiro (veja quadro), ganhou US$ 500. Em sua terceira participação na Isef, Denílson também ganhou um prêmio da Associação de Marcas e Patentes dos EUA. O grupo brasileiro citado por Brenda, que criou uma máquina de sovar pão, ganhou US$ 1 mil da Aliança Nacional de Inventores e Inovadores dos EUA.

Podem participar da Feira os alunos que passaram por duas outras feiras nacionais, filiadas à Isef – a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) e a Mostra Internacional de Ciências e Tecnologia (Mostratec) – ou estudantes inscritos pela própria escola. Tanto a Febrace como a Mostratec têm uma categoria específica de premiação para selecionar trabalhos para a feira. Além disso, acompanham o calendário do evento americano, que acontece sempre em maio. "As feiras regionais tem até 45 dias antes de cada edição da feira americana para serem realizadas", explica Ruy Castro, gerente de educação da Intel no Brasil.


Pitter Wesley, Gleberson Sena e Cleiton Soares: maquina de fazer pão criada a partir de máquina de lavar roupa produz economia de 48% em relação ao pão de padaria

O pão de cada dia

A um mês do embarque para Atlanta, sua primeira viagem internacional, Cleiton Soares, Pitter Wesley e Gleberson Sena, da Fundação Bradesco de Cuiabá, estavam ansiosos. Não só pela chegada aos EUA, mas pela dificuldade que teriam com o inglês, problema resolvido com um curso relâmpago focado na apresentação do projeto. Insatisfeitos com a desnutrição da população de seu bairro, eles construí­ram, a partir de sucatas de uma máquina de lavar roupas, uma máquina de sovar pão que reduz em cinco a sete minutos o processo de feitura do alimento. "Fazendo o pão em casa, há uma economia mensal de 48% em relação ao pão de padaria, que ainda é menos nutritivo", conta Gleberson. Recém-formado no ensino médio, ele tem como opções para o vestibular as carreiras de direito e engenharia. "Não sei ainda se quero seguir a carreira científica", explica. Pitter já cursa administração e Cleiton espera a segunda chamada do vestibular de química. Sobre o futuro do invento, Gleberson é categórico: quer fazer mais 10 máquinas para a comunidade em que vivem. Patentear o invento não está no horizonte dos garotos. "Conheço uma pessoa que há cinco anos tenta tirar uma patente, gastou muito dinheiro e não conseguiu", revela. E emenda: "conheci gente do mundo inteiro, com vestimenta diferente. Nunca tinha visto uma menina de burca", confessa. Os meninos ganharam US$ 1 mil da Aliança Nacional de Inventores e Inovadores dos EUA.


Água de beber


Victor Paolilo Neto e sua pesquisa sobre a qualidade de água: em Bom Repouso/MG, o estudante encontrou até coliformes fecais

Victor Paolillo Neto, 17 anos, mora em São Carlos/SP e estuda no colégio de mesmo nome de sua cidade. Seu trabalho consistiu na análise da qualidade da água para consumo bovino em três represas da Embrapa Pecuária Sudeste, em São Paulo, e da água para consumo humano e bovino em dez represas de Bom Repouso/MG. Nos recursos hídricos da Embrapa, Victor não encontrou problemas. Já a água mineira é de péssima qualidade. "Das dez represas, oito apresentavam poluição orgânica, com coliformes fecais, por exemplo." Com o resultado em mãos, o aluno bateu de casa em casa para conscientizar os moradores. "A topografia do lugar não ajuda muito. As nascentes são nos vales e as plantações de batata, nas montanhas. Todos os fertilizantes descem para lá", diz. Após passar pela Mostratec, e ser premiado em feiras na Espanha e na Ucrânia, recebeu o quarto lugar na categoria ciências ambientais na Isef. "Quero caminhar para a área de engenharia ambiental ou coisa parecida. Daqui, veremos para onde vou!", brinca.


Plantas brazucas


Por que a freqüência de câncer de pele entre os índios é baixa? Partindo dessa indagação, Bruno de Oliveira Buzo, do Colégio Koelle, de Rio Claro/SP, desenvolveu um protetor solar 43% mais barato que os convencionais. Como matéria-prima, utilizou o extrato do urucum usado pelos indígenas brasileiros. "O urucum é o bronzeador dos índios. Usei-o na sua fase protetora, isolando a substância bronzeadora", explica. Ao seu lado, o colega Leonardo Luna, o mais novo entre os brasileiros (15 anos), também partiu de uma planta brasileira em seu projeto: a trepadeira. A partir da nanotecnologia, Leonardo potencializou em no mínimo seis vezes – de quatro para 24 horas – seu efeito medicinal nos tecidos gástrico e hepático.


Cardápio mundial

Uma rápida análise sobre o que foi apresentado por estudantes do mundo todo na Isef mostra um quadro diversificado. Enquanto há adolescentes engajados em descobrir a cura para o câncer, como a norte-americana Linda Chau, há chineses preocupados com um novo sistema de cadeado, que evita assaltos em Hong Kong. Outro grupo, egípcio, também apostou na segurança, criando um sistema que ejeta uma porta de carro quando está debaixo d’água ou sob o fogo. Na categoria engenhocas, há o curioso projeto que evita incêndios em árvores de Natal, desenvolvido pelo norte-americano Matthew Stegall. Acompanhado de um alarme, o sistema aciona imediatamente um jato d’água em cima da planta ao detectar fumaça causada por curto elétrico nas luzes coloridas. Yasith Kanchana Lokuge, do Sri Lanka, mostrou um motor para ser instalado em escadas em espiral que, ao ser acionado, deixa os degraus retos, proporcionando uma economia de 90% no espaço ocupado normalmente pela escada.


O tempo para sentir


Depois de observar sua avó ter dificuldades com uma paralisia cerebral parcial, o estudante americano James Arthur Iocozzia percebeu que ela não conseguia dizer se alguém segurava suas mãos, mas era capaz de detectar o calor e o frio. "Perguntei: por que não é tudo ou nada?", explica. James decidiu estudar o sistema nervoso que envolve as percepções do toque, o único dos cinco sentidos localizado fora da cabeça. Para isso, mediu o tempo de reação humana, com um protótipo construído por ele mesmo, a um leve estímulo de pressão aplicado em locais como pescoço, dedo indicador e dedão do pé, por exemplo. Chegou à conclusão de que mais importante que a distância entre o dedão do pé e o pescoço, por exemplo, é o fato de que o dedão tem mais terminais sensíveis. Além disso, ele descobriu que há diferenças estruturais nos caminhos que os axônios e os dentritos (partes do neurônio) percorrem pelo sistema nervoso. Pelo trabalho, James recebeu 3º lugar na categoria medicina e saúde.


Teoria dos nós e as proteínas


Estudante do ensino médio no Estado de Nova York, Sana Roof estudou a Teoria dos Nós, ramo abstrato da matemática na área da topologia cuja questão principal é a dificuldade em se provar que dois nós são iguais ou diferentes (um nó pode ser desenhado de infinitas maneiras). Sana descobriu que existe uma invariável, o polinômio de Alexander-Conway, que garante os equivalentes de nós em todos os correspondentes no diagrama do entrelaçamento de cordas, e aplicou-o à bioquímica, no problema do dobramento das proteínas provenientes de aminoácidos.


Aditivos fatais

A partir de um problema real que afetou seu país – substâncias contaminadoras que, adicionadas à comida de animais em 2007 nos EUA, causaram a morte de centenas deles -, Natalie Omattage, aluna do The Mississippi School for Mathematics and Science, em Columbus, Mississippi, explorou métodos alternativos para filtrar ácido cianúrico e melamina em alimentos. Para isso, criou biossensores baseados na microbalança de cristais de quartzo (QCM), mais econômicos e eficazes.


Mais hidrogênio


Atendendo a uma demanda da indústria e da ciência, que cada vez mais necessitam de hidrogênio, a aluna Yi-Han Su, estudante do Taipei First Girls High School, na China, identificou um catalisador de alta atividade que melhora as reações de reforma do metanol, processo mais eficiente de gerar hidrogênio. O método pode ser generalizado para sintetizar e tornar altamente homogêneos outros materiais de multicomposição.

Autor

Beatriz Rey


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