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Educação brasileira, país com a maior reserva mundial de água doce do mundo, incorpora o tema da preservação de mananciais

Publicado em 10/09/2011

por Antonio Celso Villari


Alunos em atividade no bairro do Jardim Capelinha, São Paulo: conhecimento do entorno facilita a compreensão da importância da preservação ambiental

No último longa-metragem de Maurício de Sousa, Uma Aventura no Tempo, o tradicional personagem Cascão, sempre avesso a água, ingressa numa máquina do tempo para procurar justo o elemento que tanto repele. Acaba indo parar numa tribo assolada pela seca em algum ponto do tempo e do espaço. Não demora muito para o Cascão concluir que, sem água, mesmo ele, que quer distância de qualquer fonte hídrica, não sobreviveria.

Apesar desse e de outros alertas, continuamos a poluir rios e nascentes, deixando sempre para as próximas gerações a missão de resolver o problema que ficou para trás. Não é preciso se aventurar no tempo para compreender a dimensão do tema. Nada menos que 70% do planeta é constituído de água, mas apenas 3% desse total serve para nosso consumo. E essa pequena amostra de água doce fica, em sua maior parte, no subterrâneo.

O Brasil é um país privilegiado por contar com a maior reserva de água doce da Terra, ou seja, 12% do total mundial. Isso aumenta nossa responsabilidade ao lidar com a questão, fato que tem levado cada vez mais para os bancos escolares a necessidade de ações práticas e urgentes, na esperança de que, num futuro breve, o país equacione o abastecimento de água.

Assim, não são poucos os programas curriculares e extracurriculares em escolas públicas e privadas com o objetivo comum de formar cidadãos e futuros profissionais mais conscientes. Na mesma direção, muitas empresas apostam em projetos educacionais específicos voltados a esse tema (leia texto na página 52). Contudo, não é preciso ser um especialista para constatar que ainda falta muito para que o Brasil alcance o mínimo que se espera no tocante ao respeito das pessoas em relação à água e ao meio ambiente.

O país é grande e a diversidade cultural e geográfica, maior ainda, o que tem exigido ações pontuais para minimizar estragos ao meio ambiente, colecionados há décadas. Talvez por isso mesmo, educadores preocupados com essa temática sejam unânimes em destacar que não é possível avaliar isoladamente nenhum fato ligado à questão ambiental, ou seja, sem os devidos contextos sociais, econômicos e culturais.

Essa é uma das conclusões do educador Elias Marques, de São Paulo, formado em Educação Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da USP, que estudou o assunto na dissertação de mestrado intitulada Educação, saúde, meio ambiente e políticas públicas: o que pensam os professores?. "Se analisarmos o contexto dos problemas ambientais que preocupam a humanidade, há um entrelaçamento evidente de fatores passados e presentes que não pode ser esquecido por quem procura soluções para questões complexas, a exemplo do abastecimento de água", enfatiza. Mais ou menos como ocorre no longa de Maurício de Sousa.

Em outras palavras, Marques entende que é preciso relacionar os temas com a realidade da comunidade em que se insere a escola. "É muito mais fácil sensibilizar as pessoas se, de fato, educadores e estudantes estiverem envolvidos com o tema discutido em sala de aula ou em atividades práticas dentro e fora da escola", analisa.

Para o pesquisador, não existe receita única para o ensino de questões ambientais. Acredita, porém, que o levantamento que desenvolveu durante a elaboração de sua tese pode servir como orientação para quem deseja iniciar um trabalho de conscientização em relação às questões ligadas ao meio ambiente, notadamente da água. Segundo suas conclusões, a cartilha da educação ambiental deve conter obrigatoriamente quatro capítulos:

1º) O convencimento e o comprometimento dos educadores como ponto de partida para um projeto bem-sucedido;

2º) A regionalização da discussão, já que não existe projeto que sirva para todo o Brasil;

3º) A aplicação imediata dos conceitos, de forma que o aluno os reproduza, na prática, em sua casa, e assim multiplique substancialmente o retorno do projeto educacional;

4º) A relação estreita entre meio ambiente e saúde, pois não há como dissociar projetos que envolvam esses dois grandes temas.


Elenice: Trabalho da professora Elenice Dias busca fazer com que a escola forme "fiscais da água" que prossigam com as ações em casa e na vizinhança

Realidades em contraste

No curso de seu trabalho, Elias Marques conheceu dezenas de projetos escolares relacionados com o meio ambiente. Um deles, no qual trabalhou durante alguns anos, é o da Escola Municipal Professor Lorenço Manoel Sparapan, no Jardim Capelinha, periferia da zona sul de São Paulo. Lá, a questão da água tem especial importância, pois o local é cortado por um antigo córrego, hoje totalmente poluído. A professora de ciências Elenice Mirian Dias explica que o programa de meio ambiente sempre considerou o bairro como referência. "Dessa forma, conseguimos o engajamento da comunidade nas ações propostas", conta.

Com nove anos de existência, o projeto envolve a ocupação urbana do Jardim Capelinha, levando os alunos não apenas a locais históricos do bairro, como também a algumas casas construídas bem na cabeceira do córrego. "Nesses imóveis, é possível constatar que a água brota literalmente da terra", explica Elenice. Além de alertar os alunos para as necessidades ambientais imediatas da comunidade, a iniciativa se preocupa em mostrar o que funciona nessa seara, com visitas ao Parque Ecológico do Guarapiranga e ao Projeto Pomar do Tietê. "A idéia é a de que, ao fim de cada ano, a escola forme "fiscais da água", que dão prosseguimento a esse trabalho em casa e na vizinhança", assinala a professora.

Os alunos do Sparapan, de alguma forma, rezam pela mesma cartilha que os  do Colégio Dante Alighieri, nos Jardins, vizinho à avenida Paulista, apesar da grande distância física e social que os separa. No Dante, os estudantes do 6º ano do ensino fundamental participam de um programa que começa com a leitura de um livro paradidático sobre o Rio Tietê, escrito a partir de um olhar mais amplo da cidade. "Numa segunda etapa, os alunos são apresentados à nascente do rio, em Salesópolis, a 96 km de São Paulo, onde recolhem amostras de água limpa e, mais tarde, obtêm outras, de água suja, em locais pouco habitados dentro da região metropolitana de São Paulo", explica a professora e coordenadora de ciências, Sandra Maria Tonidandel. O material colhido é analisado no laboratório do colégio para que o grupo observe, na prática, o peso da poluição ambiental.

Em um outro momento da iniciativa, os participantes visitam a Estação de Tratamento de Água do Guaraú, perto da Serra da Cantareira. "Salientamos que a questão do esgoto precisa sempre estar inserida na discussão geral sobre água", observa a educadora. Segundo Sandra, o projeto engloba ações conjuntas com professores de história e geografia. "A inclusão da temática em contextos mais aprofundados facilita o entendimento e a possibilidade de a sociedade encontrar soluções plausíveis para situações que, quase sempre, têm forte influência regional", avalia.


A visão oficial


Olhe em volta e aprenda. Para o presidente da Coordenadoria de Ciências do Programa Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação (MEC), Antonio Carlos Pavão, a formação e a precipitação da chuva são um bom exemplo de como fazer o estudante aprender o valor da água simplesmente olhando pela janela. "A água é o único elemento presente nos três estados físicos da matéria – sólido, líquido e gasoso", lembra Pavão, que também é professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Pernambuco.

O educador conta que países como França e EUA têm excelentes iniciativas desse formato de ensino, a exemplo do Projeto Mão na Massa, que já foi trazido para o Brasil e que, como o próprio nome diz, leva o jovem a ser protagonista de seu próprio processo de aprendizagem, o que ocorre por meio de muita pesquisa e experiências. Pavão destaca também as atividades da Estação Ciência, um espaço interativo e itinerante, vinculado à Universidade de São Paulo, no qual a criança une brincadeira com aprendizado. "A Ciência deve instigar o estudante à dúvida e à prática", resume.

Nessa mesma direção, a coordenadora-geral de educação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Rachel Trajber, explica que o MEC está em fase de divulgação da Conferência Nacional sobre Mudanças em Ambientes Globais pelo terceiro ano consecutivo. O evento funciona como um pretexto para a discussão das questões que envolvem o meio ambiente. "O que importa é estimular quem educa a organizar a conferência em suas instituições de ensino, de forma que os problemas ambientais sejam discutidos com a comunidade", explica.

O respeito à água é tradicionalmente uma das questões tratadas nessa conferência. Em sua última edição, 20 mil escolas brasileiras aderiram ao projeto, o que significa algo em torno de 6 milhões de pessoas. "Nossa esperança é a de que, neste ano, nos aproximemos ainda mais das 60 mil escolas de todo o país", aposta Rachel.


Iniciativa privada também aposta na educação


A multinacional argentina Solvay Indupa e a Empresa de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a brasileira Sabesp, trabalham há muitos anos em escolas públicas e privadas com projetos educacionais voltados para as questões ambientais. Com fábrica em Santo André/SP, a Solvay promove ações com estudantes de escolas dos municípios de Rio Grande da Serra e Paranapiacaba, vizinhos às suas instalações. "Enfatizamos a proteção dos mananciais", explica a coordenadora de comunicação social, Lisandre de Assis. A idéia é fazer com que as crianças discutam o assunto na escola e levem para casa e para a sociedade conceitos sobre respeito e convívio com o meio ambiente. Após os trabalhos, os alunos escrevem redações. Os melhores textos são transformados em curtas-metragens temáticos, o que, segundo Lisandre, ajuda o estudante no desenvolvimento de outro gênero de linguagem interativa. "Isso se torna um importante arquivo sobre a história local", resume.

Um dos curtas realizados focou a represa Billings e a vida das pessoas do entorno. Para Rubiana de Oliveira, uma das autoras da redação premiada, a oportunidade de abordar o tema em dois formatos foi inédito. "No documentário, ouvimos moradores e donos de barcos que passam diariamente pela represa, de forma a tornar esse trabalho mais humano e próximo da realidade", conta.

Já a Sabesp utiliza a temática da água em mais de 70 programas educativos desenvolvidos em escolas públicas e privadas de todo o Estado de São Paulo. De acordo com Carmen Vasquez, do Comitê de Responsabilidade Social da empresa, o uso de mecanismos lúdicos, como o teatro de fantoches, e de atividades interativas tem sido importante para a assimilação das mensagens de uma maneira descontraída.

 "Essa é a forma de reinvestir na sociedade parte do que a Sabesp recebe da população de São Paulo", diz.

Autor

Antonio Celso Villari


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