O Educador Paulo Freire, cujas idéias são objeto de um dicionário O Dicionário Paulo Freire, organizado por Danilo Streck, Euclides Redin e Jaime José Zitkoski, (Autêntica Editora, Belo Horizonte, 2008), segundo a apresentação dos organizadores, busca tanto uma primeira aproximação com as obras do educador […]
Publicado em 10/09/2011
O Educador Paulo Freire, cujas idéias são objeto de um dicionário |
O Dicionário Paulo Freire, organizado por Danilo Streck, Euclides Redin e Jaime José Zitkoski, (Autêntica Editora, Belo Horizonte, 2008), segundo a apresentação dos organizadores, busca tanto uma primeira aproximação com as obras do educador Paulo Freire (1921-1997), quanto propiciar a leitores iniciados diferentes leituras e abordagens dos conceitos freireanos.
O texto apresenta 180 verbetes desenvolvidos a partir dos olhares de 75 autores diferentes que, ao longo das 445 páginas, discorrem sobre conceitos e categorias presentes nas obras de Freire, sempre com a perspectiva de levar o leitor a mergulhar no universo temático e no contexto histórico em que ocorreu a vasta produção literária do autor.
Cuidadosamente elaborado, o livro apresenta também a "Cartografia Intelectual", produzida pelos organizadores, em que horizontes teóricos e campos do conhecimento abordados por Paulo Freire são sinteticamente apresentados, além da bibliografia, construída por Ana Maria de Araújo Freire, com todos os livros publicados pelo autor, e índice remissivo, facilitando a pesquisa de conceitos e palavras presentes ao longo da descrição de todos os verbetes selecionados.
Vários são os desafios e as limitações que se apresentam aos proponentes de uma obra como essa. Como organizar uma obra no formato de dicionário que aborde temáticas que o autor desenvolveu e ampliou ao longo de décadas, em inúmeras publicações? Não correríamos o risco de estar simplificando em demasia a amplitude e a abrangência de tantos conceitos?
Convite ao próximo
Para muitos, talvez possa soar estranho um dicionário que se dedique a obras de um único autor. Introduzir o leitor no universo literário de um autor não é tarefa fácil, principalmente quando se trata de uma obra que envolve um conjunto de títulos que, embora se restrinja a uma área específica do conhecimento – a educação -, possui grande abrangência e relevância de temas, concepções e valores, que acabam representando uma referência contemporânea, quase obrigatória, para muitos campos do saber.
Curiosamente, a cada verbete que se visita tem-se a primeira sensação de compreensão profunda do conceito procurado. Entretanto, ao mesmo tempo se é convidado, quase que subliminarmente, a consultar um outro, complementar ao anterior, e assim sucessivamente, em uma constante busca aos prolongamentos necessários a um aprofundamento do conceito inicial investigado, em um agradável labirinto de percursos e trilhas de significados, em que a resposta nunca se esgota, está sempre em construção. E engana-se quem pensa que possa haver extensionismo entre conceitos e palavras, o que existe é complementaridade comunicativa. Por exemplo, uma consulta ao verbete "Diálogo/ Dialogicidade" (escrito por Jaime J. Zitkoski), além de trazer citações ilustrativas e comentários de algumas obras de Freire, provoca-nos a consultar os conceitos de autonomia, tema gerador, dialética, práxis, libertação etc.
Sem dúvida, talvez seja essa uma das características da obra mais coerentes com o pensamento freireano, o constante convite ao inacabamento, à busca curiosa de novos "saberes" (Nilton Fischer e Vinícius Lousada).
Outro exemplo interessante está relacionado à consulta ao verbete "Revolução" (Jenifer Crawford e Peter McLaren), em que vários conceitos – consciência crítica, práxis, transformação social e outros, desenvolvidos por Freire em diferentes obras – são alinhavados de forma clara e consistente, permitindo ao leitor compreender o posicionamento filosófico e político-pedagógico assumido pelo educador.
Evidentemente, como em toda obra com essa proposição, há riscos na utilização de um dicionário como esse. Um consultor desavisado pode se contentar com uma pesquisa pontual, ficando apenas com uma primeira impressão, com uma visão primária da temática conceitual visitada, sem aprofundar os conceitos nas obras originais.
Articulação e coerência
Ao mesmo tempo, a composição de um texto em forma de dicionário, com tantos autores, pode passar a visão de uma obra em mosaico e levar à visão equivocada de que o conjunto da obra do autor não apresenta coerência interna, que se caracteriza pela sobreposição de idéias e pensamentos que não se articulam. Cabe destacar, entretanto, que esse é justamente um dos aspectos mais relevantes que garante a qualidade do texto – o grupo de autores que os organizadores conseguiram reunir. Com larga produção nacional e internacional sobre as obras de Freire, encontramos, sem dúvida, importantes referências das diferentes matrizes filosóficas e pedagógicas que abordam, nos mais diversos campos do conhecimento e contextos.
Outra dificuldade que poderia ser aventada é em relação aos verbetes selecionados para compor a obra. Verificam-se ausências importantes e significativas: "ciclo gnosiológico, cerco epistemológico, gestão democrática, formação permanente de educadores, redução temática, investigação temática", entre outras, tão relevantes para a compreensão do pensamento freireano, não mereceram o status de verbetes no dicionário, embora estejam indiretamente presentes na descrição de outros conceitos abordados. Em contrapartida, há verbetes que trazem conceitos pouco explorados por Freire – "ecologia", por exemplo – que talvez não precisassem ser destacados, como a própria citação apresentada revela. Mas sabemos que nenhum texto está livre de interpretações parciais e descontextualizadas, como também que toda obra desse porte tem limites em função da abrangência de seus objetivos, cabendo-nos estar cientes dos cuidados exigidos.
A importância de organizar um dicionário como esse está relacionada tanto ao esclarecimento das acepções e significados específicos dos termos de Freire em diferentes obras, auxiliando a investigação de educadores e pesquisadores que já conhecem sua obra, quanto a uma primeira aproximação do leitor iniciante. Este terá acesso à iniciação de uma rede complexa e articulada de valores, concepções e posicionamentos filosóficos, políticos, culturais, epistemológicos e sociais sobre práticas pedagógicas, estabelecendo relações entre conhecimentos e teorias educacionais, formação de professores, ensino-aprendizagem dialógico, gestão educacional democrática, função social libertadora da escola etc. Dimensões e planos que buscam apreender o ato educativo em sua globalidade de forma ética e crítica.
Não há como deixar de parabenizar os organizadores pelo esforço e dedicação em sistematizar uma empreitada tão relevante para todos aqueles que buscam em Paulo Freire respostas aos desafios educacionais contemporâneos.
* Antonio Fernando Gouvêa da Silva
é professor doutor da Universidade Federal de São Carlos – campus Sorocaba, onde atua na área de Metodologia de Ensino e Pesquisa em Educação. É consultor de políticas curriculares e colaborador da Cátedra Paulo Freire da PUC-SP