A remuneração dos professores e a indefinição entre o centralismo e a autonomia administrativa são gargalos da política educacional, de Dom Pedro I aos governos Lula 1 e 2
Publicado em 10/09/2011
Gravura retrata práticas educacionais em 1827: método lancasteriano fazia melhores alunos darem aulas |
Há evidências de que mesmo as escolas jesuíticas mantinham professores laicos, contratados e remunerados pela atividade. É o que registra
História da instrução no Brasil, 1500-1889
(José Ricardo Pires de Almeida. Brasília/São Paulo, MEC/Inep/Educa, 1989), um dos clássicos que discorrem sobre os primeiros anos da educação brasileira.
Com a reforma pombalina e o fim do ensino jesuítico, em meados do século 18, o Brasil colonial atravessa quase meio século de desorganização e decadência do ensino. O panorama começaria a mudar com a instituição das aulas-régias e a concepção de mestre-escola, no início do Império.
Mas a profissão docente estava longe de assegurar reconhecimento social. Só em 15 de outubro de 1827 é que o decreto imperial outorgado por D. Pedro I cria as Escolas de Primeiras Letras e define, agora por força de lei, questões relativas ao exercício de professores e mestras.
Tido como marco na educação imperial, traz em seu artigo 3º as regras para a remuneração: "Os presidentes, em Conselho, taxarão interinamente os ordenados dos Professores, regulando-os de 200 mil réis a 500 mil réis anuais, com atenção às circunstâncias da população e carestia dos lugares, e o farão presente à Assembléia Geral para a aprovação". E institui, pelo artigo 13, a isonomia salarial: as mestras não poderiam receber menos que seus pares, os professores.
O decreto imperial também impõe regras para admissão, mediante exames de aprovação, e, apesar de transferir o ônus integralmente aos professores, aponta para a necessidade de formação. "(…) os professores que não tiverem a necessária instrução deste ensino irão instruir-se em curto prazo e à custa dos seus ordenados nas escolas das capitais" (artigo 5º).
Em 1834, o Ato Adicional estabelece mudanças na Constituição outorgada 10 anos antes e determina a criação da Escola Normal, que passa a funcionar no ano seguinte. Diversos autores situam as escolas normais como divisor de águas. É o marco a partir do qual avançou a formação docente e a própria concepção da atividade. O livro 500 anos de educação no Brasil (Autêntica, vários autores) sublinha a transformação que começava a se desenhar: "As Escolas Normais estão na origem de uma profunda mudança, de uma verdadeira mutação sociológica do pessoal docente primário. Sob sua ação, os mestres miseráveis e pouco instruídos do início do século 19 vão, em algumas décadas, ceder lugar a profissionais mais formados para a atividade docente".
Déjà vu
O mesmo Ato desencadeia amplo debate sobre centralização e descentralização, ao transferir às Assembléias Provinciais a responsabilidade pela formação docente. "Digerindo mal o liberalismo da época, delegou às províncias essa responsabilidade, isentando o poder central de uma missão que lhe seria própria, deixando a educação primária à própria sorte", definiu Jorge Werthein, da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), em relação ao cenário do século 19.
Se, de um lado, o Ato pretendia fomentar a formação de profissionais do magistério e conceder maior autonomia às províncias, de outro concorreu, segundo Werthein, para fragmentar os parcos projetos e recursos existentes, contribuindo para a proliferação de leis contraditórias. Na prática, pôs por terra a instrução elementar no Brasil imperial.
De 1831 a 1836, os relatórios do ministro do Império Lino Coutinho denunciavam a precariedade do ensino elementar no país, responsabilizando em grande parte as municipalidades pela ineficiente administração e fiscalização. Também apontavam o baixo salário dos professores, a excessiva complexidade dos conhecimentos exigidos pela lei – que dificultavam o provimento de professores – e a inadequação do método adotado.
Em maio de 1840, sob a regência de Araújo Lima, a chamada Lei Interpretativa do Ato Adicional revisou alguns pontos da reforma de 1834 e limitou o poder provincial. Nem por isso trouxe melhorias à qualidade da educação elementar.
Em 1852, em relatório feito ao ministro do Império, após visitar diversas escolas em diferentes províncias, o poeta e teatrólogo maranhense Gonçalves Dias (1823-1864) refere-se a um "quadro de entorpecimento e descaso" e aponta algumas das causas do fracasso do ensino, entre elas os baixos salários dos professores.
Para Bertha Valle, diretora da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae) no Rio de Janeiro, o problema tem mesmo raízes históricas: os investimentos dedicados à educação, ou, melhor dizendo, a falta deles.
E nem é preciso ir tão longe. Basta voltar aos anos 70, em plena ditadura militar, quando a Lei 5.692 determinou a escolaridade obrigatória de oito anos de ensino de 1º grau para crianças de 7 a 14 anos.
"Dobrados os anos de escolaridade, com ampliação da rede física escolar, aumento de mais do dobro dos profissionais do magistério, não houve um crescimento proporcional dos recursos financeiros destinados à educação. Praticamente, se mantiveram os mesmos", sustenta.
É uma verdade incontestável. Difícil falar em valorização do magistério e qualidade de ensino, se os sistemas públicos não investem mais recursos na educação e o financiamento continua insuficiente.
"Não nos iludimos quanto à situação salarial do professor para os próximos anos, nem com a elevação dos níveis de desempenho dos alunos. Enquanto não tivermos recursos para valorizar financeiramente o professor e instituir as condições de ensino dos países com excelência educacional, continuaremos a ter nossos melhores profissionais do magistério migrando para outros campos de trabalho e alunos com desempenho crítico", completa Bertha.
E para justificar os baixos salários, a dirigente da Anpae lembra de privilégios freqüentemente invocados, como o direito à aposentadoria especial, férias mais prolongadas do que as da quase totalidade dos trabalhadores e direito constitucional de acumulação de dois cargos públicos, assegurado pela primeira vez na Constituição de 1934.