Adoção de práticas preventivas e busca de ambiente de trabalho fértil e prazeroso devem ser objetivos de gestores e docentes
Publicado em 10/09/2011
Salas com tratamento acústico de colégio privado paulistano: exceção à regra
Enfrentar as questões envolvidas no adoecimento docente significa mexer em alguns nós da estrutura organizativa das instituições escolares. Mas não só. Tratar da saúde do professor de forma preventiva – opção que parece mais razoável por diversas óticas, seja a da saúde pública, a econômica ou a da satisfação pessoal do profissional – é uma questão a ser articulada em várias instâncias. A das políticas públicas de Estado, a dos gestores de escola e a das práticas do próprio professor – pela atenção aos atos mecânicos de sua rotina e pela reflexão em relação ao sentido de seu ofício.
Sérgio Carneiro, coordenador de Seguridade Social da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério de Planejamento, defende um rol de medidas que unem assistência a quem já está doente e políticas para a promoção da saúde e vigilância nos ambientes de trabalho, prevenção de riscos, trabalho com informações e criação de mecanismos de escuta do professor. "Pensa-se muito em capacitação pedagógica e pouco no suporte psicossocial. O gestor faz a diferença, é ele quem dá o tom do processo de adoecimento", defende Carneiro.
Dulcinea Rosemberg, pesquisadora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, reforça a necessidade de se criar espaços para que os docentes dialoguem sobre suas vivências, pois o adoecimento não é individual, e sim do contexto. "A história do trabalhador da educação é guiada por políticas que não pensam o trabalho a partir do que é realizado no cotidiano da escola e, por conseguinte, não pensam em situações que proporcionem a produção de saúde", diz, enfatizando que as demandas docentes têm de ser levadas em conta na formulação das políticas.
No caso dos problemas de ordem psiquiátrica, como depressão e síndrome de Burnout, muitas vezes decorrentes do estresse, é preciso que o Estado ou o empregador particular vise garantir a integridade e a segurança do professor, fatores que, uma vez abalados, ajudam a levar ao quadro dessas doenças. "É preciso uma política efetiva com relação a isso, pois a suscetibilidade à doença é individual. Então, é preciso de bons instrumentos diagnósticos para pinçar os mais vulneráveis", defende Sérgio Klepacz, psiquiatra do Hospital Samaritano/SP. E acrescenta: a compensação das frustrações do exercício docente, por meio de encontros, seminários e viagens, pode ser vital para fazer com que os profissionais não se sintam isolados.
Klepacz esclarece que o estresse é uma forma de reação do corpo a alguma ameaça que o indivíduo sinta – a demissão, a cobrança excessiva, a insuficiência do dinheiro ou a sensação de incapacidade. O corpo reage a essas situações liberando os hormônios do estresse, entre eles o cortisol, principal regulador do sistema imunológico. Essa liberação é uma defesa orgânica que, quando muito ativada, leva à primeira fase do estresse. Nela, podem ocorrer, simultânea ou isoladamente, perda de memória, piora do sistema imunológico, com ocorrência de doenças oportunistas, perda do nível de energia e piora da qualidade do sono. Na segunda fase, o cortisol passa a não reagir e ocorre o Burnout, um esgotamento desses mecanismos de defesa. "Aí ocorrem distúrbios afetivos, depressão, insônia crônica e incapacidade produtiva", resume o médico.
Virando o jogo
Mas, além de informar-se, cabe também ao professor assumir as rédeas de sua saúde onde há margem de manobra, ou seja, no cuidado com suas práticas diárias e na sua relação mais geral com a profissão. No que diz respeito aos problemas do aparelho osteomuscular, responsável pela articulação de ossos, músculos e tendões, há uma série de procedimentos que ajudam a evitar as lesões mais comuns em docentes: as tendinites. A principal é a Síndrome do Impacto, provocada pelo atrito causado no manguito rotador (grupo de quatro músculos que cobre a cabeça do osso úmero, articulado com a escápula) em função da escrita na lousa com o braço acima do ombro.
A síndrome é uma das Lesões por Esforço Repetitivo/Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (Ler/Dort), que, como alerta o professor de reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Jamil Natour, estão relacionadas à insatisfação no ambiente de trabalho. "Há uma série de fatores, como os ergométricos, ambiente de trabalho e problemas emocionais", diz.
Para prevenir os problemas nas colunas cervical e lombar ou as tendinites nos membros superiores, Natour aconselha o professor a alternar as atividades durante a aula, balancear os pontos da sala de onde fala para não sobrecarregar um lado do pescoço, a sentar-se sempre apoiando os dois pés no chão e a procurar auxílio médico "ao menor sinal de dor". "Não se pode deixar o problema ficar crônico. Dor persistente é sinal de que há alguma coisa errada", lembra. O médico dá, ainda, uma sugestão de fácil implantação nas escolas: o uso dos intervalos para alongamentos, feitos sob orientação do professor de educação física.
Benefícios
Se a chegada de parâmetros do mundo corporativo trouxe às escolas mais cobranças, avaliação de resultados e a introdução do conceito de responsabilização, são poucas as instituições que têm políticas de recursos humanos. "Não noto o RH das escolas muito avançado na gestão de pessoas. O valor do professor é muito visível, todo mundo enxerga muito rápido, pelo grau de influência que tem, sobretudo em jovens e adolescentes. Esperaria um setor mais dinâmico e moderno nessa área", diz Laís Perazo, médica e diretora da empresa Qualicorp.
Segundo a executiva, as companhias mais modernas trabalham com um "pacote de recompensas", que contempla quatro áreas: remuneração, benefícios, treinamento e desenvolvimento de carreira e ambiente de trabalho. Isso porque já viram que a boa saúde não se restringe à oferta de um bom plano – coisa que, mesmo entre as escolas particulares, não é regra. É preciso que haja prevenção primária, tratamento (às vezes no próprio local de trabalho) e prevenção terciária (evitar seqüelas e minimizar conseqüências das doenças).
"Pesquisas internacionais comprovam que essa postura tem impacto positivo nos negócios: as pessoas ficam mais comprometidas, mais produtivas, o absenteísmo cai e o custo do plano de saúde diminui", acrescenta Laís.
Por estar vinculado a uma fundação, o Colégio Rio Branco, em São Paulo, segue alguns desses parâmetros, instituídos pela controladora. Há oferta de um conjunto de atividades, como caminhadas coletivas, estímulo ao lazer (oficinas de pintura, por exemplo), ginástica laboral, e um convênio com o Hospital Albert Einstein para circular informações sobre estresse, alimentação, atividade física, entre outras.
No entanto, a diretora-geral do colégio, Esther Carvalho, alerta: "Saúde é um comprometimento mútuo. Há oferta e apoio, mas é o profissional que tem de tomar a iniciativa de usar o serviço. Nas oficinas de voz, apenas 20% dos professores comparecem".
O colégio também instalou revestimento acústico nas 121 salas de aula das duas unidades, para ajudar a propagar a voz do professor e minimizar os ruídos externos. A medida é bem-vinda. Afinal, a voz é um dos problemas mais recorrentes entre docentes e tem sido objeto de programas de educação nas esferas pública e privada.
Os sindicatos de professores da iniciativa privada estão prestes a divulgar uma pesquisa nacional sobre incidência de problemas de voz, informa a fonoaudióloga Fabiana Zambom, do Sinpro/SP, coordenadora do programa local. Segundo ela, mesmo na rede privada o tratamento acústico das salas é exceção. Então, o jeito é a prevenção. Ela aconselha exame anual, informação sobre os sintomas (pigarro, coceira, rouquidão freqüente), postura adequada ao falar e a aposentadoria do giz tradicional.
Mario Munhoz, professor do Departamento de Otorrinolaringologia da Unifesp, acrescenta: "é preciso beber água o tempo todo, não fumar, evitar a competição sonora. Manter a cabeça reta, os pés apoiados e ter uma boa coordenação entre a fala e a respiração, para utilizar de forma adequada o ar produzido pelos pulmões. Quando se está torto, isso não acontece". E mesmo fazendo o uso correto da voz, pode haver problemas. "Às vezes, há inadaptação vocal, alguma questão mecânica que não está funcionando", acrescenta. Pequenas alterações podem não ser notadas de imediato. O jeito é fazer exames periódicos.
Resgate do ofício
Por fim, há um ponto mais sutil, ligado ao mundo interior do professor. Como explica a psicanalista Sandra Conte de Almeida, da Universidade Católica de Brasília, mudar de atitude – em relação à saúde e ao trabalho – passa pela tomada de consciência de quanto o "sujeito-professor está implicado subjetivamente no exercício de sua prática educativa" e de que maneira expressa seus desejos e mal-estares. Ou seja, se assume uma posição de sublimação criativa, dedicada, ou se renuncia à essência de seu ofício, que é educar.
Para não perder essa dimensão, diz Sandra, é importante que a formação docente não se volte apenas a "competências teórico-instrumentais", e promova o desenvolvimento dos docentes como indivíduos aptos a refletir sobre suas práticas. "Um processo que leve em consideração o sujeito em formação profissional, o que nos convoca ao grande desafio de incluir a ética e o desejo do sujeito no campo educativo", defende. A vacuidade dessa dimensão, no mais das vezes, tem feito da queixa um escudo protetor para a inação.
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Criar canais de escuta do professor e apostar no diálogo entre docentes e gestores, de modo que se sintam parte de um grupo; Analisar a condição das salas de aula (tamanho, número de alunos, ruído interno e externo) e avaliar a necessidade de implantar o forro com tratamento acústico ou sistema de som com microfones; Prover a infra-estrutura básica necessária: material didático, condições de higiene, funcionários de apoio, salas de aula ventiladas e que não estejam superlotadas; Incentivar e promover a interação dos docentes com seus pares em congressos, seminários etc.; Promover oficinas para o aprendizado do uso da voz; Oferecer informações sobre saúde e qualidade de vida; Oferecer um programa de exercícios (relaxamento, alongamento) para os intervalos de aula, que pode ser elaborado pelo próprio professor de educação física da escola.
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Aos 36 anos, Adriana Rodriguez está readaptada. Formada em letras e professora de língua portuguesa, hoje trabalha na biblioteca de sua escola, a EE Tito Prates da Fonseca, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte de São Paulo. Depois de terminar a faculdade em 2003 e ingressar na rede estadual em 2004, começou a sentir dores no ombro no final de 2005. Foi a uma clínica, ouviu que tinha bursite, que depois se transformaria em tendinite e, finalmente, em Síndrome do Impacto. Em agosto de 2006, tomou uma infiltração, ficou afastada da sala de aula um tempo, mas não deu resultado. Em fevereiro de 2007, fez uma artroscopia, descomprimiu o tendão e raspou o calo ósseo decorrente do seu problema. A essa altura, já tinha deixado a rede municipal, onde também trabalhava. No processo, preferiu ir a médicos particulares. "Só comecei a ver médicos do Estado na hora de tirar licença. Eles só concedem ou não a licença. Nem te olham direito", relata. Quando voltou a dar aulas, trabalhou por três meses e começou a ter problemas no ombro esquerdo. O médico aconselhou a requerer a readaptação. Fez o pedido em julho de 2007 e conseguiu ser designada para trabalhar por um tempo numa diretoria de ensino. Em maio último, passou pela perícia e conseguiu parecer favorável para ficar dois anos afastada de sala de aula. A homologação demorou até agosto para ser publicada. Nesse período, tirou licença médica. "Me sinto muito frustrada por estar readaptada. Gosto muito de ser professora, mas vou ter de fazer vestibular para biblioteconomia, para poder trabalhar, não necessariamente no Estado", diz Adriana. Como ela, há um verdadeiro batalhão de docentes Brasil afora. |