As decisões da Conae preveem um substantivo aumento dos investimentos em educação ao longo dos próximos dez anos. Resta saber o que dirá o Congresso Nacional
Publicado em 10/09/2011
Os dados mais recentes apontam que em 2008 o gasto público com educação foi de 4,7% do PIB. Mas os participantes da Conae querem que esse percentual atinja o patamar de 7% em 2011 até chegar a 10% em 2014. Além dessa proposta, a conferência aprovou, dentro do eixo sobre financiamento, a criação de uma Lei de Responsabilidade Educacional, o aumento da participação da União nos repasses para a área, a reserva de 50% dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal para a educação e a implantação do Custo Aluno-Qualidade como parâmetro mínimo de investimento por estudante em cada etapa da educação básica .
Em média, os países da América Latina investem 4,5% do seu PIB em educação. Nos últimos anos essa conta cresceu lentamente no Brasil: era de 3,9% em 2000 e chegou a 4,7% em 2008. Em alguns períodos (entre 2002 e 2003) houve redução desse percentual. O maior crescimento registrado ocorreu entre 2005 e 2006, quando passou de 3,9% para 4,3%. A meta do Ministério da Educação é atingir 6%, nível recomendado por organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Vale lembrar que as decisões da conferência não têm força de lei. Servem de orientação para a formulação de políticas públicas – e a concretização das ideias vai depender da articulação dos diversos movimentos do setor dentro do Congresso Nacional e com o Executivo.
A intenção dos participantes da Conae é que esses referenciais de investimentos sejam incluídos no próximo Plano Nacional de Educação (PNE) que precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional ainda em 2010 para entrar em vigor no próximo ano. Na avaliação do professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Cândido Gomes, a batalha não será fácil e a explicação é simples: para garantir mais recursos para a educação será necessário tirar de outras áreas.
"Será uma questão política porque o dinheiro vai ter de sair de outros lugares. Resta saber se esses setores de onde os recursos serão retirados têm poder de fogo para derrubar os percentuais definidos pela Conae. E não só no Congresso Nacional, mas sobretudo no Executivo, onde há algumas arenas de poder superpostas muito importantes", avalia.
O consultor educacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Araújo, concorda que será difícil aprovar boa parte das deliberações da Conae no Legislativo. "Cerca de 90% das emendas alteram a Constituição Federal. E a aprovação de uma emenda constitucional precisa de um quórum qualificado", prevê.
Mais dinheiro, mais qualidade?
A previsão de novos recursos para a educação traz de volta um velho debate: mais dinheiro é garantia de mais qualidade no ensino público? Para Gomes, é certo que a área necessita de mais investimento. "Não há dúvida de que se gasta muito pouco. Mas, além de gastar pouco, a questão é que se gasta mal. Muitas vezes as prioridades passam ao longe, ou ainda não se consegue executar o dinheiro que está previsto no orçamento porque o recurso não é liberado", pondera.
Na avaliação do professor, serão inúteis novos recursos se algumas regras não forem alteradas. "O secretário de educação honesto é o que tem mais dificuldade para gastar o recurso. A execução está submetida a um labirinto de normas que foram preparadas para o gestor não gastar. Para os honestos ela é altamente restritiva, mas não impede a corrupção. Seria importante rever toda a legislação financeira", defende o especialista.
Uma das reformas importantes seria a da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O consultor educacional da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Araújo, defende que alguns mecanismos da legislação engessam o trabalho do gestor e necessitam
ser flexibilizados.
"Hoje o dirigente municipal está diante de três leis: a LRF, que diz que ele só pode gastar até 54% do orçamento com folha de pessoal, a emenda constitucional do Fundeb, que diz que ele precisa gastar 60% desses recursos com o magistério e a lei nacional do piso dos professores. Como fazer essa conta fechar?", questiona. "Você pode ser responsável em termos fiscais e irresponsável em termos sociais. Não tem como universalizar um direito sem gastar dinheiro", completa.
Uma das propostas aprovadas na Conae pode ajudar a melhorar a gestão financeira. Ela determina que os recursos da área deverão ser administrados pelos gestores da educação – e não pela secretaria da fazenda, como ocorre muitas vezes. Em muitos municípios a secretaria de educação não possui conta própria e nenhum controle sobre seu orçamento.
Ainda na área da gestão, uma das ferramentas para melhorar a efetividade dos gastos seria a criação de uma Lei de Responsabilidade Educacional, nos moldes da LRF. A ideia é estabelecer mecanismo para punir governantes – nas três esferas – que não aplicarem corretamente os recursos constitucionais da educação. A proposta não se restringiria aos investimentos, mas incluiria também metas de acesso e qualidade do ensino.
Quem paga a conta?
Os participantes da conferência definiram algumas novas fontes de recursos para impulsionar a elevação dos percentuais de investimento em relação ao PIB. Boa parte desse dinheiro deve vir da União, defenderam os delegados do encontro.
Os municípios reclamam que, apesar de serem o ente federado que menos arrecada com impostos, são os responsáveis pela maior fatia do investimento público em educação. Em 2007, dos 4,6% do PIB gasto na área, apenas 0,8% vieram do governo federal. "Não tem como você alcançar 7% do PIB em 2011 sem que ocorra uma participação mais efetiva da União. É inviável você só sangrar de estados e municípios", defende Araújo.
Para garantir uma maior contribuição do governo federal, a Conae aprovou o aumento dos percentuais mínimos de investimento dos três entres federados na área. Atualmente, estados e municípios devem investir 25% dos impostos e a União 18%. Os participantes do encontro querem elevar a participação do governo federal para 25% e de estados e municípios para 30%. Além disso, deverá ser incluído na conta tudo que foi arrecadado, incluindo outros tipos de contribuições além de impostos. Segundo Luiz, essa mudança afeta pouco os municípios, mas vai gerar uma fonte importante de novas receitas.
"A União tem boa parte de suas receitas como contribuições. Já os municípios não têm esse tipo de arrecadação", explica. Segundo as deliberações da Conae, a União precisa aumentar também a sua participação no Fundeb dos atuais 0,2% do PIB para 1%.
Outra previsão de novas fontes são os recursos advindos da exploração da camada pré-sal. A partir de uma campanha liderada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), os delegados decidiram que 50% dos valores que compõem o Fundo Social do Pré-Sal devem ser gastos em educação. Desse total, 30% devem ser investidos no ensino superior e profissionalizante. O restante deve ser transferido para estados e municípios para desenvolvimento de programas da Educação Básica.
O projeto de lei que cria o Fundo Social do Pré-Sal já passou pela Câmara e agora segue pelo Senado. Mas o desenho atual não define percentuais e inclui várias outras áreas além da educação: saúde, ciência e tecnologia, combate à pobreza e meio ambiente. Ainda há a expectativa de a previdência ser incluída na divisão do bolo. "É preciso saber o que a educação vai oferecer à sociedade em troca do aumento de recursos", afirma Gomes.
Quanto custa a qualidade
O eixo que debateu a questão do financiamento aprovou ainda a instituição do Custo Aluno Qualidade (CAQ). A ideia desse mecanismo é estabelecer um valor mínimo de investimento por aluno em cada etapa, levando em conta vários insumos, como a infraestrutura da escola, livro didático, formação de professores e outros fatores que determinam a qualidade do ensino.
Segundo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que idealizou o CAQ, a implantação imediata desse critério mínimo de qualidade exigiria mais R$ 29 bilhões ao ano – quase um terço do orçamento atual do MEC. Isso levando em consideração o tamanho atual da rede pública, sem aumento do número de matrículas. A via para concretização do CAQ seria a alteração das balizas que determinam os fatores de ponderação do Fundeb.
O conceito ganhou força dentro do CNE que em maio apresenta um parecer sobre o instrumento. De acordo com Daniel Cara, presidente da Campanha e membro da comissão organizadora da Conae, a ideia é que o CAQ vire realidade até 2016. "Trabalhamos com uma linha estratégica de longo prazo. O CAQ foi aprovado pela Conae, recebeu um parecer do CNE e queremos alcançar mais um passo, que é incluí-lo no próximo PNDE como parâmetro para o financiamento", explicou.
As principais propostas aprovadas no eixo de financiamento da Conae |
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