Para não ser uma mera repetição do que não foi aprendido em aula, reforço deve oferecer outras abordagens e uma nova perspectiva nas relações sociais da escola
Publicado em 10/09/2011
Desde que o sistema de ciclos começou a ser implementado no Brasil, no final dos anos 80, muito se tem falado sobre aprovação automática, como se esta constituísse, por si só, um princípio lógico da proposta. Se a ideia vem alicerçada em pesquisas que indicam que a ênfase na reprovação é um dos fatores que mais ajudam a alijar uma parcela significativa dos estudantes da escola, também está amparada na necessidade de oferecer ao aluno possibilidades complementares de combater as próprias deficiências.
Poucas, porém, são as discussões acerca de como o reforço escolar pode ser articulado com as aulas regulares para potencializar a aprendizagem. A primeira questão levantada pelos educadores é que o reforço não deve ser uma mera repetição do que foi apresentado em aula. Afinal, a constante retomada de conteúdos e habilidades é parte intrínseca do processo de aprendizagem, e pode se dar de forma não linear, dinâmica e dialética. "O professor deve ter ferramentas para apresentar o conteúdo de diversas formas, até que o aluno o apreenda", declara Blaidi Santanna, diretor pedagógico do ensino médio do Colégio Móbile, de São Paulo.
Silvia Colello, docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), defende que a educação tem de se valer de múltiplas experiências e linguagens para encontrar aquelas mais adequadas à comunicação com o aluno. As atividades de reforço devem trazer experiências de envolvimento, encantamento e aproximação da criança com a matéria. "O ideal é provocar o aluno, incentivar a sua curiosidade", sugere.
Especialmente na área de ciências, o reforço pode prever uma abordagem mais lúdica e experimental, em que a comprovação empírica seja aplicada para ajudar a entender conceitos abstratos. Sem o cronograma rígido das aulas regulares, é possível ampliar os contextos da matéria e dedicar mais tempo à compreensão do ponto exato em que reside a dúvida do aluno, que tipo de raciocínio ele não está conseguindo desenvolver. Para entender um período histórico, por exemplo, o aluno pode fazer uma pesquisa sobre um determinado aspecto ou analisar documentos originais da época.
"Pode ser um bilhete ou uma receita. Para uma criança em fase de alfabetização, esses textos que circulam socialmente, não só na escola, ajudam a ter um contato concreto com a escrita e mostram que existem outros produtos possíveis para além da redação", declara a coordenadora do curso de psicopedagogia do Instituto Sedes Sapientiae, Georgia Vassimon. A psicopedagoga parte do pressuposto de que essas atividades não devem ser vistas apenas como de reforço ao que não foi aprendido, mas sim como meios de aprimorar o conhecimento e as habilidades do aluno. "O professor não deve partir do que o aluno não sabe, mas do que ele já sabe", afirma. Segundo ela, esse referencial sobre o que já faz parte do repertório do aluno é importante para estabelecer uma conexão com o novo conteúdo a ser dado.
Interação
O reforço pode ser um espaço privilegiado para uma mudança nas relações que se estabelecem, tanto entre docentes e alunos, como entre os próprios estudantes. A sala de aula carrega uma tensa relação de autoridade e poder, que pode bloquear a comunicação. Ouvir o que o aluno tem a dizer, sem que ele sinta medo de ser reprimido ou ridicularizado, pode ser a chave para descobrir que conteúdos precisam ser reforçados ou corrigidos. E intensificar a interação entre os estudantes também ajuda a criar um clima de companheirismo e parceria.
Os educadores também ressaltam que não há motivos para se assustar com a heterogeneidade inevitável entre os alunos. Assim como em todas as relações sociais que a vida proporciona, a sala de aula é um caldeirão de diferentes interesses, talentos e repertórios, e assim pode ser entendida tanto pelo aluno como pelo professor. "Devemos tirar partido dessas diferenças e entender que as pessoas aprendem de formas diferentes entre si", afirma Georgia Vassimon.
Monitores
O Colégio Móbile oferece, no ensino médio, plantão de dúvidas ministrado por monitores que são estudantes de licenciatura. Eles acompanham as aulas dadas pelos professores regulares e semanalmente ficam à disposição do aluno para dúvidas em um horário predeterminado.
Há ainda oficinas de inglês, língua e produção (redação) e um portal de atividades extras com gabaritos comentados e outros objetos virtuais de aprendizagem que os auxiliam em seus estudos. Na orientação sobre a correção de redações, o monitor se dispõe a tirar as dúvidas dos alunos, mesmo depois que a nota foi dada. "O intuito não é apenas melhorar a nota do aluno, mas garantir o seu aprendizado", afirma Blaidi Santanna.
Para o ensino fundamental, o Móbile reserva outras ações, como horário para estudo pessoal na própria grade horária. Nessa aula que acontece às sextas-feiras, os alunos de 2ª a 5ª série são divididos em grupos menores e retomam algum conteúdo que não foi aprendido durante a semana. "É um meio de fazer com que o aluno sane a sua dúvida na hora e não acumule nenhuma dificuldade e defasagem", relata a diretora pedagógica do ensino fundamental, Cleuza Vilas Boas. Para os estudantes de 6ª a 9ª há a orientação de estudos, que busca trabalhar formas de melhorar a organização e o registro em aula.
Além de aulas de revisão e plantão de recuperação, o também paulistano Colégio Augusto Laranja promove o programa aluno-monitor, no qual estudantes que apresentam um bom domínio nas diferentes áreas do conhecimento auxiliam os colegas sob a orientação do coordenador, orientador ou professor titular da disciplina. A equipe pedagógica ajuda a preparar esses monitores para rever itens da matéria estudada e solucionar dúvidas dos colegas.
"É um trabalho que tem um valor não apenas pedagógico, mas de cidadania, pois os alunos têm a oportunidade de se ajudar", define a coordenadora do ensino médio, Maria Aldenira Nóbrega Reis. Estudante do 2º ano do ensino médio, Matheus Barbosa, 16, é um desses alunos-monitores. Ele já sente na prática os desafios enfrentados por qualquer educador: "É preciso ter paciência, para que todos do grupo entendam o que você está explicando".
Sua colega e aluna Bianca Bragatto, 16, do mesmo ano, apoia a iniciativa. "Tive dificuldades, pois vim de outra escola e não estava acompanhando o ritmo. A ajuda do Matheus fez com que eu passasse em pelo menos duas matérias."
Outras linguagens
Na rede municipal de Sobral (CE), os conteúdos das aulas de reforço são abordados de maneira sistemática a partir de ações estruturadas e ordenadas para cada série. Nas escolas da cidade, o reforço escolar faz parte de um projeto mais amplo: o Programa de Jornada Ampliada – Escola Viva. Além das atividades de reforço, o projeto oferece aulas de dança, teatro, música, esporte, saúde e prevenção, artes visuais, xadrez e capoeira.
O engajamento dos estudantes nessas atividades é incentivado. "Com a participação dos alunos em outras modalidades do programa Escola Viva os conhecimentos são consolidados e ampliados, enriquecendo as experiências culturais e sociais para ajudá-los a vencer os obstáculos presentes em sua aprendizagem", afirma o secretário de Educação do município, Julio Cesar da Costa Alexandre. "[O reforço] centra-se nas dificuldades das competências formais exigidas pelo programa, mas também na construção de valores para a cidadania que é vivenciada através de outras linguagens, como a artística e a corporal."
O reforço é importante para garantir a progressão do aluno, e evitar que ele mantenha lacunas significativas em sua formação. No entanto, trabalhar com essa ferramenta exige não apenas uma revisão do conteúdo e dos métodos, mas da própria postura do professor com relação ao aluno. "É uma oportunidade única de a escola obter dados concretos para reavaliar a relação de ensino-aprendizagem, entre o professor e o aluno, a fim de aprimorar o seu trabalho", afirma Elisa Pitombo, psicopedagoga e docente do Instituto Sedes Sapientiae. Dessa maneira, é possível criar, de uma forma mais individual, uma nova condição para a aprendizagem.