NOTÍCIA
Grupo liderado pela universidade americana e composto por educadores de diferentes países investiga políticas e práticas da educação infantil na América Latina, Europa e América do Norte
Publicado em 04/10/2013
Trocar informações é fundamental em qualquer setor. No contexto educacional, esse intercâmbio de experiências ajuda a formar profissionais melhores, além de levar a um questionamento inevitável: estamos percorrendo o caminho correto? A resposta não é simples, mas vem ganhando forma durante os encontros realizados pela Rede ProLEER (Professional Learning Network to Advance Early Education Reform), idealizada pelo Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard (EUA) e que conta com brasileiros em sua composição.
Criado há cinco anos, o projeto busca constituir e fortalecer um grupo internacional de pesquisadores, educadores e responsáveis por políticas públicas. Esses profissionais se reúnem anualmente para debater e compartilhar experiências relacionadas ao ensino de crianças matriculadas na rede pública, desde a educação infantil ao ensino fundamental. A intenção é promover a troca contínua de conhecimento e investigar as políticas e práticas da educação infantil dos países da América Latina, Europa e América do Norte. “O intuito não é ensinar novas técnicas aos professores, mas sim compartilhar diferentes realidades. Conhecê-las nos ajuda a reconhecer a nossa realidade e o que deve ser modificado ou fortalecido”, explica Antonio Augusto Gomes Batista, coordenador de Desenvolvimento de Pesquisas do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), instituição nacional parceira do ProLEER.
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Influência americana
A iniciativa ganhou mais força este ano, depois do apoio do presidente norte-americano Barack Obama à universalização das creches nos Estados Unidos. Em seu discurso, ele defende a ideia de “oferecer uma educação de qualidade a todas as crianças da pré-escola”. O objetivo é equalizar a oferta para a primeira infância. Para atingir tal objetivo, o governo federal deverá trabalhar diretamente com os estados para unificar o sistema, o que exige muita conversa e troca de informações e de experiências – lemas defendidos pela rede do ProLEER.
Realizados em Cambridge (EUA), os encontros são frutos de uma parceria entre o Centro de Desenvolvimento da Criança, a Escola Superior de Educação, ambos de Harvard, o Centro David Rockefeller para Estudos Latino-Americanos e a fundação costa-riquenha Amigos da Aprendizagem (ADA). “O ProLEER tem três princípios básicos:
compartilhar conhecimento, promover a colaboração entre os profissionais envolvidos e usar essas informações para conduzir mudanças nas políticas e nas práticas educacionais dos países envolvidos”, afirma Renata Villers, diretora da ADA e membro do projeto. “Estamos à procura de boas práticas em várias localidades para mostrar ao sistema o que está dando certo, em que vale a pena investir”, diz Renata. Apesar de as reuniões serem anuais, os trabalhos do projeto não se limitam a elas. Diversos programas e ações paralelas são desenvolvidos e estudados diariamente, principalmente em países da América Latina.
Formação docente
Além de debates que contribuem para o crescimento pessoal de educadores e responsáveis por políticas públicas, a rede tem gerado alguns frutos. A partir dos encontros foram publicados livros de formação de professores de línguas e alfabetização. Os títulos vêm acompanhados de DVDs que trazem vídeos de práticas educacionais comprovadamente eficazes. Um exemplo é o programa de capacitação de professores elaborado pela ADA com o intuito de ajudar na melhoria da leitura das crianças da rede pública costa-riquenha. Batizado de Curso de Fluidez, o projeto reúne diversas atividades como peças de teatro, rodas de leitura e pequenos debates sobre temas variados (veja o vídeo sobre o projeto no site da revista Educação).
A ADA também desenvolve, desde 2004, um programa de capacitação profissional. A instituição organiza cursos e palestras com frequência para melhorar o desempenho de professores da rede pública. Desde 2004, a fundação capacitou 600 docentes, tanto presencialmente como por meio de vídeos e encontros on-line. O objetivo é estudar e desenvolver maneiras de melhorar a linguagem, a leitura, a escrita, a criatividade e incentivar o pensamento crítico das crianças.
O programa on-line de capacitação profissional começou em 2010 e, entre 2011 e 2012, capacitou 450 docentes. Ele é dividido em quatro fases: discussão da teoria, como ir para a prática, implementação da aula e reflexão sobre a experiência.
A ADA é um membro do ProLEER na Costa Rica e trabalha com duas mil crianças matriculadas em escolas públicas atualmente. Na opinião de Renata, essa troca de informações entre professores é importante para enfatizar as funções exercidas pelos profissionais: comunicar e alfabetizar. Os encontros têm repercutido nas políticas públicas, principalmente na Colômbia e na Costa Rica. Autoridades colombianas, por exemplo, se reuniram recentemente com ONGs e acadêmicos para discutir os instrumentos de avaliação de crianças matriculadas nas séries iniciais. Diversas questões foram levantadas e muitas delas foram implementadas em diferentes setores educacionais do país.
Já na Costa Rica, responsáveis por políticas públicas foram inspirados pelas reuniões do ProLEER a modificar algumas características que não estavam funcionando no aprendizado das crianças da educação infantil. Essas alterações só puderam ser identificadas depois de um processo de diálogo internacional, que incluiu oficinas, mesas-redondas e a demonstração de projetos em diferentes setores. “O objetivo é discutir pontos fortes e fracos da pré-escola costa-riquenha. O novo programa pré-escolar anunciado pelo Ministério da Educação em 2013 reflete muitas das necessidades discutidas neste processo, especialmente no que diz respeito à estimulação de linguagem e leitura emergente”, diz Renata.
Narrativa pública
Pamela Mason, diretora do programa de mestrado em Língua e Alfabetização e do Laboratório de Leitura Jeanne Chall da Escola de Educação de Harvard, diz que o ProLEER é uma grande comunidade na qual as pessoas podem compartilhar suas paixões ou alguma coisa que elas fazem ou aprenderam a fazer no dia a dia. “Há quatro aspectos que definem uma comunidade: domínio, integrantes da iniciativa, o que estamos fazendo realmente para melhorar o ensino nas escolas e, por fim, a identidade”, afirma.
Ela defende o conceito de narrativa pública como referencial teórico para atuar como educador, o que significa um incentivo maior à troca de informação e experiências entre professores. “Desenvolver conexões pessoais é fundamental para construir um ambiente escolar saudável.
Não se pode criar uma lei para reger o comportamento das pessoas. Descobri que esse referencial teórico realmente faz com que se perceba a importância do processo nas reformas educacionais”, explica.
Na opinião dela, os professores deveriam contar com o apoio de um tutor, para que possam debater decisões. “Quando buscamos ajuda de um colega, não queremos necessariamente que alguém nos fale o que fazer. Pelo contrário. Buscamos um parceiro de ideias. Antigamente mostrar o que foi feito de errado era vergonhoso, o que não acontece mais”, diz.
Dessa forma, segundo a diretora, o desafio de propor uma nova postura a professores da rede pública pode ficar mais simples. “Quando compartilhamos histórias reais, as pessoas ficam mais receptivas à mudança. A partir do momento em que se modifica o comportamento e os professores veem que isso provoca resultados positivos na aprendizagem, fica mais fácil mudar o jeito de pensar os processos de ensino”, ressalta Pamela.
Linhas de pesquisa
Os estudos realizados pelo ProLEER abrangem todas as etapas de ensino, desde a formação de educadores até pesquisas de desenvolvimento cerebral, passando por compreensão da leitura e vocabulário. “É legal conhecer escolas com práticas interessantes em algum desses aspectos. Ficamos felizes em acompanhar o trabalho de uma escola pública de Boston, por exemplo, que é bilíngue. Pudemos observar a valorização da língua, a diminuição das desigualdades e a integração de crianças de diferentes etnias”, diz Augusto.
A neurociência também é um braço importante do projeto, já que o Centro de Desenvolvimento Infantil de Harvard é referência no assunto. “Os resultados dessas pesquisas com as crianças têm um impacto muito importante, pois avaliando o cérebro e como ele recebe as informações é possível verificar se estamos fazendo a coisa certa e o que deve ser modificado no processo de ensino-aprendizagem”, explica.
Segundo estudos do grupo de Harvard, ambientes sensíveis e apoio familiar são fundamentais para a construção de circuitos cerebrais resistentes – esse trabalho deve começar em casa e continuar na escola. “As interações entre a criança e os adultos que cuidam delas são essenciais para moldar a arquitetura do cérebro”, afirma Pamela Mason.
O “dar e receber” é essencial no processo de ensino-aprendizagem das crianças, que naturalmente interagem com os adultos por meio de gestos ou sons. Se as respostas de pais e professores não forem confiáveis ou simplesmente não houver nenhum retorno por parte deles, o aluno fica confuso e pode ter o desenvolvimento de suas atividades cerebrais interrompido. “O ambiente da escola naturalmente deve estar focado em conquistas e resultados dos alunos, com os professores sentindo que eles têm poder, iniciativa e eficiência. Este referencial teórico incide na forma como os educadores se veem ou como eles ensinam”, ressalta Pamela.
Negligência
Os estudos nesse tema são realizados em diferentes localidades. No entanto, recentemente foram aprofundados na China e na Romênia, países que têm registrado grande índice de crianças que sofrem com negligência. Isso acontece, de acordo com estudos do grupo de Harvard, com maior frequência do que maus-tratos físicos ou psicológicos. Em 2010, a equipe documentou mais de meio milhão de casos nos Estados Unidos – no mesmo ano, a negligência representava 78% das situações de maus-tratos registradas no país.
As pesquisas nessa área são voltadas para a melhoria do ensino público – o intuito é apresentá-las aos governantes para que eles possam incentivar e contratar educadores que dão a atenção necessária aos alunos, pois a negligência é uma das maiores vilãs do desenvolvimento saudável.