Embora tenha aprimorado a técnica legislativa, o Projeto de Lei do Palácio do Planalto ainda não vinculou substancialmente a riqueza do petróleo à educação pública. Mais uma vez, o que valeu foi a iniciativa da Presidenta Dilma Rousseff. Será preciso melhorar e muito o texto proposto por ela, transformando o discurso em medidas objetivas e suficientes para o financiamento adequado do PNE.
Publicado em 03/05/2013
São Paulo, 03 de maio de 2013.
Em menos de seis meses, o Governo Federal empreende sua terceira tentativa de vincular parte das receitas arrecadadas com o petróleo à educação. Este último tentame, iniciado em 30 de abril e divulgado no dia primeiro de maio, pode ser analisado sob dois aspectos basilares: o político e o do financiamento educacional.
No âmbito do contexto político, como bem apontou o blog de Josias de Souza, é possível dizer que a Presidenta Dilma Rousseff “puxou o freio”, pois ao invés de encaminhar nova Medida Provisória (MP), o que significa dar máxima urgência e relevância ao assunto e, assim, uma tramitação aligeirada – de, no máximo, 120 dias congressuais, com absoluta prioridade deliberativa na pauta de votações -, optou por encaminhar um Projeto de Lei (PL).
No entanto, sem discordar do jornalista, é justo também considerar três elementos para compreender a iniciativa do Palácio do Planalto: primeiro, ao diminuir o papel do legislador, a tramitação das MPs desgasta a relação entre os poderes Executivo e Legislativo, pois concedem abusivo poder de ação parlamentar à Presidência da República. Segundo, não é possível encaminhar uma nova MP enquanto outra, com o mesmo teor, ainda vigora. Ou seja, mesmo diante da morte anunciada e iminente da MP 592/2012, marcada para o próximo dia 12 de maio, uma nova MP sobre o tema não pode ser editada. Terceiro, com melhor técnica legislativa, hoje o projeto foi apensado ao PL 323/2007 e já tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados.
Adicionalmente, é importante avaliar que, mesmo diante da pressão do Ministério da Educação e da ênfase discursiva da Presidenta Dilma Rousseff, a articulação política do Governo Federal foi incapaz de fazer ser aprovado o texto do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), derrubado por uma diferença de apenas nove votos na Câmara dos Deputados, em 6 de novembro de 2012. E falhou novamente, quando foi abandonada a MP 592/2012, editada em 3 de dezembro.
Portanto, de duas uma: ou a articulação política do Governo Federal tem sido incapaz de manter a fidelidade da base aliada, em um tema considerado “essencial” pela Presidenta da República, ou não trata como prioritária a questão. Em ambos os casos, fica afirmada a fragilidade do Palácio do Planalto perante o Congresso Nacional.
Isso pode ser compreendido em um simples fato: no Dia do Trabalhador, em seu assertivo pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, Dilma solicitou pressão popular para aprovar a matéria. É claro que a pressão é necessária, pois a causa é justa, mas como justificar as alianças políticas entre o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus antigos opositores se o apoio ao Governo Federal não acontece na prática, mesmo diante de medidas com apelo popular? O presidencialismo de coalizão já é oneroso demais em termos ideológicos para não conceder qualquer bônus.
No âmbito do financiamento educacional o Projeto de Lei continua extremamente limitado. A proposta de vincular os recursos do petróleo à educação é da Conae (Conferência Nacional de Educação) de 2010. Naquela oportunidade o movimento educacional exigiu 100% dos royalties, participações especiais e bônus dos hidrocarbonetos (o que inclui o petróleo) e demais minerais para a educação pública e 50% do Fundo Social do Pré-sal para manutenção e desenvolvimento do ensino. Assim, a Conae determinou que o recurso público, por princípio, deve ir para a educação pública, com claro critério de gasto, determinado pelos artigos 70 e 71 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
Ao invés de incorporar esse critério para investimento consagrado, objetivo, com força legal e tradição de controle social, o Governo Federal optou por um obscuro “na forma do regulamento”. Isso significa que decretos dos poderes executivos federal, estaduais e municipais determinarão qual deve ser o destino do recurso. E pior, o regulamento nem determina que o dinheiro seja destinado à educação pública.
Se um argumento correto para a transferência dos recursos do petróleo para a educação é a necessidade de se evitar o desperdício dessa riqueza, conceder a liberdade do decreto regulamentário é inaceitável e inexplicável. Pois, ao invés de se gastar irresponsavelmente o dinheiro do óleo em obras faraônicas, como praças e calçadões, comuns em cidades fluminenses já enriquecidas pelo ouro negro, o dinheiro do petróleo pode acabar beneficiando grupos empresariais descompromissados com a qualidade da educação. Inclusive, vale frisar, mesmo sem contar com as receitas oriundas do óleo, recursos públicos já alimentam, direta e indiretamente, o faturamento de muitos grupos empresariais que mercantilizam irresponsavelmente a educação, sem qualquer compromisso com o bem público.
Outro erro é que a MP não vincula 100% do Pré-sal à educação. Apenas esse montante é capaz de viabilizar a meta de investimento equivalente a 10% do PIB para a educação pública, a ser alcançado em 10 anos, conforme determina o texto do PNE (Plano Nacional de Educação) que ainda tramita, com grave atraso, no Senado Federal.
O Brasil precisa adicionar um volume equivalente a 4,7% do PIB em políticas públicas educacionais, além dos 5,3% já investidos. Aprovado do jeito que está, o Projeto de Lei, bem como a “futura falecida” MP 592/2012, alcançará menos de 0,7% do PIB em 10 anos. Assim, apenas os royalties e participações especiais dos contratos em vigor e futuros e metade do resultado do Fundo Social do Pré-sal ajuda um pouquinho, mas não resolve quase nada, pois 100% de um volume insuficiente sempre será insuficiente. Portanto, é preciso a totalidade dos recursos do Fundo Social do Pré-sal, que pode alcançar sozinho mais de 3,5% do PIB daqui a 10 anos.
Concluindo: o que vale do Projeto de Lei é sua existência, que mantém vivo o debate. Embora o texto tenha uma redação mais qualificada, em termos de técnica legislativa, regulamentando o artigo 214, que trata do PNE na Constituição Federal, objetivamente, o texto precisa melhorar muito. E para melhorá-lo, de fato, será preciso ir muito além daquilo que defende o Governo Federal, fazendo com que a sociedade civil exerça pressão não apenas sobre os parlamentares, mas também sobre o próprio Palácio do Planalto. Isso sem falar na necessidade de alteração do marco regulatório da exploração do petróleo, que lesa a pátria, em favor das petroleiras, inclusive a Petrobrás. Aliás, vale lembrar: há anos a Petrobrás deixou de pertencer, majoritariamente, à nação brasileira. E isso não é pouca coisa. Sempre é bom ter isso em vista, tomando cuidado com manifestações ufanistas em defesa da gigante brasileira do petróleo.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, tal como fez na MP 592/2012, proporá emendas ao PL 5500/2013, encaminhado por Dilma e apensensado ao PL 327/2007. A rede da Campanha sempre defenderá o financiamento da educação pública.
Para saber mais, leia também:
Maio/2013
“Muito discurso, pouca mudança.”
“Discurso de Dilma. PNE: o grande ausente.”
Abril/2013
“Caiu a MP: E o dinheiro do petróleo não virá para a educação.”
Março/2013
“Royalties: a novela continua.”
Dezembro/2012
“Por que a MP 592/2012 não vinculou 100% dos royalties para a educação?”
Novembro/2012
“Quais são as possibilidades das receitas com royalties irem para a educação?”
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