NOTÍCIA
Homossexualidade, gravidez na adolescência, a primeira vez, assédio sexual e encontros e desencontros amorosos são temas de vídeos produzidos por jovens estudantes com o objetivo de retratar a percepção deles sobre diferentes aspectos desse tema
Publicado em 05/07/2013
Projeto “Dar Voz as Jovens”: vídeos produzidos por jovens estudantes retratam a percepção deles sobre sexualidade |
A história descrita acima faz parte de um dos cinco curtas-metragens produzidos para o projeto “Dar voz aos jovens”, promovido pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com a Fundação Carlos Chagas (FCC). Estudantes da rede pública de São Paulo, entre 14 e 19 anos, foram convidados a participar de um concurso de narrativas com o objetivo de retratar suas percepções sobre a sexualidade. Uma comissão formada por profissionais das áreas de saúde, educação e ciências humanas escolheu os melhores textos e os 20 vencedores participaram durante um mês de uma oficina de produção de curta-metragem, com a orientação da produtora de cinema Paula Garcia e sua equipe.
Os temas tratados nos filmes foram escolhidos a partir dos assuntos que mais apareceram nas narrativas inscritas no concurso. “Nós optamos por esse filtro para realmente captar o que os jovens querem dizer de forma democrática”, explica Paula Garcia. Os estudantes selecionados puderam se dividir em grupos e escolher qual assunto eles gostariam de abordar em seus roteiros.
O resultado éum conjunto de cinco vídeos. O curta E agora? fala sobre gravidez na adolescência; Violência e poder, sobre o assédio sexual no ambiente de trabalho; Essa é a minha vida é um documentário sobre as relações afetivas e a diversidade sexual; Amor sem regras aborda os encontros e desencontros amorosos entre jovens. Já O amor está ao lado traz as percepções de adolescentes em relação à primeira vez.
Os filmes podem ser vistos no endereço: http://www.youtube.com/user/DarVozaosJovens
Sexualidade na escola
“A ideia do projeto surgiu de algumas constatações de pesquisas da minha área”, esclarece a professora titular da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do projeto, Dra. Elza Berquó. “Estudos recentes na área de reprodução, assim como de comportamento sexual e percepção sobre o HIV, mostram que no país ainda é marcante a vulnerabilidade dos jovens”, acrescenta.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a faixa etária em que a aids é mais incidente, em ambos os sexos, é a de 25 a 49 anos. Em relação aos jovens, os dados apontam que, embora eles tenham conhecimento sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, há tendência de crescimento do HIV. Um levantamento realizado com mais de 35 mil meninos de 17 a 20 anos, por exemplo, mostra que, em cinco anos, a prevalência do HIV nesse grupo passou de 0,09% a 0,12%.
Outra análise que chama a atenção é que a faixa etária dos 13 aos 19 anos é a única em que o número dos casos de aids é maior entre as mulheres. Quanto à forma de transmissão entre os maiores de 13 anos, prevalece a sexual. A pesquisa indica também que quanto menor a escolaridade, maior o percentual de infectados pelo vírus da aids: entre os meninos com ensino fundamental incompleto a prevalência é de 0,17%. Já entre os que têm ensino fundamental completo esse número cai para 0,10%.
A incorporação de práticas educativas em saúde no cotidiano das escolas tem sido um esforço dos Ministérios da Educação e da Saúde, que assinaram as Portarias Interministeriais n.º 749/05 e n.º 1.820/06 com o objetivo de discutir diretrizes para criar uma política nacional de educação em saúde na escola. Além disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais estabelecem alguns temas transversais que devem ser abordados como parte integrante das áreas de ensino e, entre eles, encontra-se a educação sexual.
A existência de legislação não significa, contudo, a efetiva implementação dos programas nas escolas, como lembra a coordenadora do projeto. “O que vemos hoje é uma fragmentação de ações. A educação sexual tem sido tratada com um viés biológico, que nem sempre é democrático, pluralista e livre de estereótipos e preconceitos. O correto seria falarmos em uma educação em sexualidade, aquela que respeita e abrange os direitos sexuais”, ressalta.
A professora acredita também que são raras as iniciativas adequadas às novas mídias, tão utilizadas pelos jovens, o que dificulta a aproximação dos professores ao universo de seus alunos. Por isso a ideia é que os vídeos sejam usados nas escolas como uma alternativa à educação sexual normativa, promovendo a reflexão, a partir da visão dos jovens. “A linguagem audiovisual é muito próxima deste público e pode ser uma ferramenta eficiente nas escolas para promover a discussão e a educação sexual entre os estudantes”, afirma Elza Berquó.
Nossa reportagem conversou com alguns dos jovens que participaram do projeto durante o lançamento oficial dos vídeos, em junho, na comunidade de Heliópolis. Confira abaixo esse bate-papo:
Educação: Como o tema sexualidade é abordado na escola de vocês?
Matheus Ferreira, 14 anos: Na minha escola, o tema era muito abordado nas aulas de ciências, no ensino fundamental. Às vezes, alguns palestrantes iam falar do assunto. Mas no ensino médio não foi falado mais nada sobre esse assunto.
Karine Ferreiro, 18 anos: Eu tive uma professora de biologia que sempre tocou nesse assunto de uma forma muito aberta. Mas aquela coisa básica: “se você fizer sexo, precisa usar camisinha. Existe anticoncepcional”, etc. Os professores não têm como aprofundar tanto. Até porque tem a questão dos pais, que podem não gostar que isso seja falado na escola.
Isabela Moreira, 17 anos: Nesses oito anos que eu estudo na mesma escola, a gente só teve uma palestra sobre métodos contraceptivos. Foi mostrada a camisinha feminina, explicaram o que é o DIU [Dispositivo Intra-Uterino]. Na minha escola é mais fácil passarem Macunaíma do que um vídeo sobre sexualidade. Na minha sala tem duas gestantes e todo mundo cai matando em cima, dizendo que elas não se preveniram. Mas ninguém parou pra pensar porque elas fizeram isso.
Educação: Existe um preconceito contra as meninas que engravidam muito jovens?
Beatriz Ribeiro, 20 anos: Eu acho que não mais. Acho que todo mundo entende que foi uma fatalidade e apoia.
Karine: No meu ponto de vista existe sim esse preconceito, porque eu mesma faço isso de primeiro momento, sem conhecer a pessoa. Eu penso “ai, ela está grávida! Não se precaveu”. Depois você passa a conhecer a pessoa e é diferente. Mas, na minha opinião, todo mundo é assim. Julga primeiro pra depois conhecer.
Isabela: Hoje, por exemplo, nós tivemos um conselho de classe e todo mundo criticou uma menina grávida porque ela tirou um monte de nota baixa por conta da gestação. É um problema que acaba ocorrendo entre os professores e a diretoria da escola. Falam que ela não está prestando atenção na aula, mas ela passa mal direto e está faltando pra fazer exames. É um preconceito. Os professores não pararam pra pensar nela.
Matheus: Na minha região é complicado porque é meio que um ciclo vicioso. Não tem nenhum tipo de estrutura que mantenha os jovens dentro da escola. Não tem nenhum tipo de palestra, nenhuma estrutura. E qualquer tema que vai ser tratado lá vira uma baderna. As pessoas que estão nessa situação, de engravidar na adolescência, sofrem muito preconceito.As pessoas tiram “sarro” mesmo e os professores não conseguem intervir.
Educação: Como vocês gostariam que esse tema fosse tratado na escola?
Juliana Fernandes, 18 anos: Eu acho que nas escolas deviam falar mais desse assunto, mas de forma mais descontraída. Devia ter dinâmicas, coisas mais divertidas. Por exemplo, essa oficina que a gente fez foi um jeito de tratar a sexualidade de um jeito mais descontraído. Saíram discussões e ideias novas porque nós fomos estimulados.
Ilana Julia, 16 anos: A escola acaba não tendo tanto diálogo porque as pessoas têm medo de passar as informações necessárias. E sempre que vai falar é de uma forma muito pontual “ah, é assim e pronto”. Mas não passa exatamente o que temos que fazer. Muitas vezes parecem mais sermões do que prevenção.
Victor Hugo, 18 anos: Eu acho que falar sobre sexualidade na escola vai desde orientar e reeducar os professores até parar com essa posição entre professor e aluno de “eu sei e você não sabe”. Tem que ser mais uma troca de ideias. Todo mundo pode sair dali aprendendo. Eu acho que tem que sair desse degrau e ficar na mesma linha dos alunos.