NOTÍCIA
Pesquisador interessado nas diferentes dinâmicas temporais no ambiente escolar, o antropólogo chileno Sergio Martinic fala sobre avaliação docente e indica a importância da gestão do tempo em sala de aula
Publicado em 06/09/2013
Quais os motivos que o senhor identificou para isso não ocorrer com alguns professores?
Estes destaques e conclusões são abordagens bem concretas que tornariam uma aula melhor, mas aí toca a campainha e as crianças saem correndo.
Existe alguma fórmula para que essa síntese pedagógica se adapte às várias maneiras de aprendizado das crianças, como, por exemplo, a capacidade que um aluno tem de apreender mais facilmente pela escuta, enquanto outro tem mais facilidade com a explicação na lousa?
O ideal é que os professores possam perceber e trabalhar com diferentes níveis de aprendizagem. O problema é que é muito difícil quando a sala é grande, o professor acaba fazendo uma síntese pedagógica média, que sirva a todos.
No Brasil é comum haver muitos alunos por sala e creio que no Chile seja o mesmo. Um critério justo seria ter salas com menos alunos para conseguir atender melhor às especificidades dos estudantes?
Sim. A investigação educativa internacional não é tão conclusiva ou segura sobre a influência do número de alunos na atividade pedagógica. Objetivamente, no entanto, quando as salas são muito grandes, o professor não pode fazer muita diferença, porque está trabalhando com um grupo e outro não presta atenção. Deveriam ser grupos de 20 a 25 alunos por sala – cenário que torna mais ou menos possível ao professor controlar o clima, perceber e trabalhar as diferenças.
Ainda sobre o perfil do professor que termina a aula mais rapidamente e do que termina a aula em cima da hora: é possível dizer que há desvantagem deste em relação ao outro?
Toda prática pedagógica, segundo a teoria e também a tradição, deve ter um início, um desenvolvimento e um fim. É muito importante que o professor apresente esta disciplina de aula. No começo, organizar a sala, lembrar as ideias apresentadas na aula anterior; no desenvolvimento, ensinar a matéria de estudo, a apresentação nova; depois fazer o encerramento. Um professor se sente completo ao passar por essas três etapas. Portanto, um professor pode até falar muito, mas é importante que sublinhe as partes mais importantes.
Então qual seria, em sua visão, o processo mais eficiente?
O mais eficiente é aquele professor que, ao final, faz a síntese da aula. Se não faz a síntese, nunca saberá o que a sala aprendeu. É como uma entrevista. Tem começo, meio e fim. Então, no fim, pergunta-se o que os estudantes aprenderam. Ao mesmo tempo é um momento importante para o professor sublinhar aquilo que quer passar. Se não se faz isso, a aula não se completa.
Na pesquisa que o senhor apresentou foram avaliados 65 professores. Qual a metodologia usada para analisar esse volume de dados?
Fizemos essa avaliação mais minuciosa de 65 casos para aulas de língua e matemática. E o que estudamos foi o que cada professor faz a cada dez segundos, como um filme. Isso fornece algumas características: se ele fala muito, se baixa o tom da voz.
Durante seu estudo o senhor viu algum tipo de diferenciação de aprendizado que tenha sido um desafio?
Sim. Comparamos os professores que trabalham em contexto de classe média e outros em lugares muito carentes socioeconomicamente falando. É como trabalhar com outra cultura. O professor acaba fazendo o papel de pai e professor, pois muitas vezes os meninos não têm pai. Então se cria um laço afetivo muito forte. Existe um contexto de culturas distintas. Principalmente no tema do tempo. O núcleo de uma cultura é a organização do tempo e espaço. Então vemos que na escola há muitos tempos pensados de maneiras distintas. Um é o tempo administrativo, oficial. Outro é o tempo de como vivem os professores. Por exemplo: de manhã é o melhor momento para trabalharem. E outro é o tempo do aluno. Então é muito interessante, pois no mesmo espaço se está trabalhando com conceitos muito distintos de tempo. E muitas vezes a dificuldade de fazer uma aula mais eficiente é que essas visões se chocam. Então o professor tem de dar aulas às três da tarde, mas percebe que é uma hora muito ruim e o aluno está com sono. É um tema antropológico para ser resolvido. É prático, mas muito difícil.
O senhor também comentou a prática de bonificação de professores com base em avaliações de desempenho. No Brasil há redes que instituíram o bônus. Qual é o risco de vincular uma boa aula a uma contrapartida financeira?
É complicado traçar uma relação direta entre avaliação e mais dinheiro. Porque a gente pode fazer coisas que dão dinheiro, e não necessariamente que estão boas. E, ao mesmo tempo, vemos que a atuação docente incorpora vários elementos que não estão associados a aspectos muito objetivos. No caso chileno, por exemplo, há um sistema em que o professor destacado como de mais alto nível pode pleitear um bônus de excelência. Mas, para fazer isso, deve fazer outro exame. Ou seja, não é automático. Quem tem o grau máximo de destaque tem somente o direito de fazer outra avaliação. Então, se passar por essa outra avaliação, aí sim recebe a bonificação. Isso é uma avaliação. No entanto, a outra avaliação pública, essa sim mais geral, está relacionada à carreira docente. Ou seja, é uma avaliação formativa. Por ela, espera-se que o professor vá melhorando seu desempenho. Essa avaliação não tem relação direta com o dinheiro.
Uma das perguntas feitas durante a palestra foi de que essa avaliação não se torna pública. No entanto, tem como o professor saber dos resultados dos colegas?
Não. Os resultados gerais são disponibilizados em todo o país. No entanto não se publica o nome do professor ou da escola. Isso chega a cada professor de forma privada, por uma carta. As escolas sabem, porque os próprios professores contam “veja como fui bem”.
Qual a importância da autoavaliação do professor?
No Chile, o professor tem um portfólio com diferentes etapas: uma entrevista, uma opinião do diretor da classe [de uma escola anterior, por exemplo], uma autoavaliação de como ele prepararia uma aula, além do vídeo. Mas é claro que se for somente uma autoavaliação o professor tende a achar que está muito bem. Por isso que a avaliação tem de estar contextualizada.
O senhor mencionou o fenômeno do “professor-táxi” [termo usado no Chile para caracterizar as várias viagens a que um professor tinha de se submeter para dar aulas em lugares distintos num mesmo dia]. Como se combateu essa situação?
Foi um processo gradual. O “professor-táxi” dava muitas aulas por uma necessidade econômica. Então, a política pública teve como objetivo aumentar o tempo do aluno na escola. Uma política de tempo integral. Mas a obrigação era que os professores ampliassem a atuação no colégio. O professor ganhava um pouco menos, mas havia uma maior tranquilidade por estar na mesma escola, não ter de andar de um lugar ao outro, há alimentação na escola.