IES precisam possibilitar que os estudantes dediquem uma quantidade criteriosa de tempo e energia para aprender algo novo e as tecnologias devem ser mobilizadas para dinamizar e potencializar esta necessidade
Capacitar os estudantes para o exercício pleno da autoaprendizagem pode ser realizado pelo fornecimento e prática de técnicas de estudosA educação superior vivencia um dos maiores períodos de incerteza da sua trajetória. E enfrentar esses desafios implica na superação da fragmentação trazida pela disciplinarização dos conhecimentos. Precisamos habilitar os estudantes para se envolverem com o conhecimento por meio de uma mentalidade ativa e criativa e principalmente aplicar estratégias pedagógicas para capacitar a aprendizagem ao longo da vida.
Temos de considerar que diante das quantidades de recursos gratuitos, ciência aberta, cursos online e acesso livre a diversas fontes de conteúdo, entre outras tantas possibilidades, limitar os estudantes somente para o que está posto e definido pelas orientações legais por meio dos currículos engessados, é desconsiderar a própria função da educação.
Outro aspecto, um tanto paradoxal, é o fato que as próprias universidades possuem grande parte do potencial mundial de produção de conhecimento e pesquisa e mesmo assim não preservam um tempo formal para autoaprendizagem. Mas do que se trata a autoaprendizagem?
O processo de autoaprendizagem é uma iniciativa individual, com ou sem auxílio de outros (estudantes, professores, tutores, monitores, etc), cujo objetivo seria diagnosticar as próprias necessidades de aprendizagem e dedicar tempo e energia para aprender algo novo. Isso significa que a autoaprendizagem é uma habilidade que auxilia a própria pessoa a aprender e entender os fenômenos por conta própria por meio do processo de coleta, processamento e apropriação de novos conhecimentos.
Ao contrário dos métodos tradicionais de ensino, os esforços dedicados para autoaprendizagem não podem ser medidos imediatamente pelo desempenho em uma prova. A autoaprendizagem cria condições para os estudantes melhorarem seu conhecimento por meio de aplicações práticas e por este motivo torna-se um momento genuíno de aprendizado.
No entanto, a experiência mostra que a ideia de destinar um tempo formal “livre” para os estudantes dedicarem ao processo de autoaprendizagem pode parecer algo contraproducente, devido ao que se observa no comportamento de muitos jovens pouco comprometidos com o próprio processo evolutivo. Mas, acredito que o “aprender a aprender” por meio comportamento autorregulado é uma habilidade que precisa ser debatida, sensibilizada e amplamente desenvolvida nas IES.
Capacitar os estudantes para o exercício pleno da autoaprendizagem pode ser realizado pelo fornecimento e prática de técnicas de estudos, mapeamentos de estilos de aprendizagem, compreensão de como o cérebro melhor funciona no processo de apropriação de novos aprendizados e que, articulados com a necessidade iminente de assumir a postura de protagonista, são saberes capazes de garantir a autoaprendizagem responsável.
As IES precisam possibilitar que os estudantes dediquem uma quantidade criteriosa de tempo e energia para aprender algo novo, como momentos formativos importantes e as tecnologias devem ser mobilizadas para dinamizar e potencializar esta necessidade.
Neste contexto, o conceito tradicional de “aluno” dá lugar a um estudante mais dinâmico, independente e autorregulado. Emerge a figura do “sujeito aprendiz do século XXI” onde a aprendizagem não se restringe a mera aquisição formal dos conhecimentos e informações, mas sim parte de processo social que requer interação e o desenvolvimento de novas competências e habilidades que permitam que a aprendizagem ocorra ao longo da vida.
Conforme o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, afirma “(…) a vida humana representa 0,01% de todas as formas de vida do planeta. Todas as formas de vida aprendem; caso contrário, elas morrem. Para os seres humanos, a aprendizagem faz parte do DNA e é uma estratégia de sobrevivência básica, que aprendemos ao longo das nossas vidas, da infância à velhice, sempre que existe a condição de aprender.”
Não é à toa que recentemente a UNESCO lançou o programa Os Futuros da Educação: Aprendendo a Tornar-se” e discutiu-se o papel da educação e da aprendizagem ao longo da vida para garantia do trabalho e da segurança econômica para as pessoas e as sociedades. O afastamento do “aprender a ser” para “aprender a se tornar” é justificado pela ideia de que pensar em termos de tornar-se invoca uma linha de pensamento filosófico e social que enfatiza os potenciais, rejeita o determinismo e expressa uma abertura para o novo.
Infelizmente, um estudante obediente e pouco falante ainda é considerado sinônimo de concentração e produtividade. Um ensino qualificado ainda pode ser concebido como aquele que preconiza a ordem e a eliminação de barulhos e movimentos “desnecessários”.
Mas quando esta imobilidade é vista como um requisito para a aprendizagem, as IES correm grande risco de tornarem-se lugares tediosos, desagradáveis e consequentemente, de baixo aprendizado.
Tendo em vista que a autoaprendizagem é uma forma contemporânea de educação que permite a uma pessoa educar-se com habilidades e conhecimentos que serão úteis em suas atividades formativas previstas, listei sete razões pelas quais devemos preservar um tempo formal para a autoaprendizagem dos estudantes:
A transição do foco nas salas de aula para as IES como organizações de aprendizagem nem sempre é fácil. Neste contexto, quanto maior e melhor experiência que disponibilizamos aos estudantes, maior interação das conexões que se estabelece neste formato de aprendizado.
Descartando-se a apologia da inovação como mero modismo educacional na instituição escolar, outrora espaço majoritário de transmissão do conhecimento sistematizado, está posto o desafio de concorrer com outros meios de acesso ao conhecimento.
Se os alunos conseguem estabelecer relações entre o que aprendem no plano intelectual e as situações reais, experimentais e profissionais ligadas a seus estudos, certamente a aprendizagem será mais significativa e enriquecedora e este é um grande benefício ao se preservar um tempo formal para o momento de autoaprendizagem.
Vale destacar que o futuro da sociedade depende da nossa própria capacidade de aplicar o pensamento criativo e resolver problemas. Neste sentido, o mundo contemporâneo demanda que os modelos educacionais tradicionais vigentes sejam reinventados e qualquer mudança, por menor que seja, requer pessoas capazes de imaginar um futuro diferente. Por isso, a autoaprendizagem tem sido destacada como uma relevante semente para geração da inovação e da transformação.
Thuinie é co-fundadora, consultora e palestrante na Téssera Educação e head de cursos híbridos e metodologias ativas na Unicesumar
Por: Thuinie Daros | 22/09/2022