NOTÍCIA
Antes de correr para retomar grandes reuniões presenciais, devemos criar estratégias para saber como podemos torná-las mais impactantes.
Publicado em 13/01/2023
Por Rasmus Heltberg e Jared Raynor/SSIR Brasil: Grandes eventos presenciais foram cancelados em todo o mundo devido a restrições relacionadas à covid-19. Você sentiu falta deles? Em retrospecto, quão valiosas eram essas reuniões? Durante os lockdowns, se sentiu compelido a participar de encontros online? Se não, por qual motivo? Se você participou, quão claros foram os objetivos dos eventos, e até que ponto efetivamente eles avançaram nas questões com as quais você mais se importa?
A razão para reunir pessoas e organizações em torno de objetivos em comum para promover ação coletiva pode parecer óbvia. Os desafios do nosso tempo clamam por colaboração e reunir as pessoas e fornecer a elas um espaço seguro para exploração e inovação pode concretizar oportunidades incríveis, entusiasmo e ideias, como diz Sarah Zak Borgman, que dirige o Fórum Mundial Skoll sobre empreendedorismo social.
No entanto, muitas vezes esses encontros não se concentram em resultados e as organizações que os planejam não são guiadas, necessariamente, por considerações quanto à eficiência. Chegamos a essa conclusão depois de avaliar encontros diversos sobre desenvolvimento internacional e do setor social dos Estados Unidos. Nossas avaliações debruçaram-se sobre a idealização dos encontros, seu poder e efetividade e a nossa revisão dos objetivos desses compromissos encontrou referências vagas ao estabelecimento de conexões e aprendizagem, ou até mesmo a ausência de objetivos. Um tema comum em nossas entrevistas é a fadiga com o excesso de reuniões. Um líder em política global de educação queixou-se de ter viajado para três continentes para participar de três conferências diferentes sobre o assunto nas quais encontrou as mesmas pessoas. Outros expressaram frustração sobre oportunidades perdidas e eventos que não geraram nenhuma ação ou desdobramento.
A efetividade dos encontros importa. Reuniões que não conseguem provocar mudanças são perda de tempo e dinheiro, geram emissões de gases de efeito estufa (especialmente quando associadas a viagens aéreas), implicam custos desproporcionalmente assumidos por aqueles com recursos mais escassos e dão a aparência de ação e resultados, embora na verdade não os entreguem. No pior dos casos, podem fazer causas retrocederem, fragmentar um movimento, afetar sua força e prejudicar a reputação das organizações convocadoras. Seria melhor se seus participantes gastassem dinheiro e tempo com outras coisas.
Depois de mais de dois anos de pandemia, vamos coletivamente buscar um equilíbrio entre aliviar nosso isolamento físico e não voltar à rotina intensa de ficar saltando entre eventos. Sejam presenciais ou online, os encontros vão inevitavelmente desempenhar algum papel – somos, afinal, uma espécie social com desejo inato de se conectar. Mas as organizações devem aproveitar a oportunidade para reavaliar sua efetividade. Sugerimos que a resposta não é se apressar em realizar mais encontros, mas sim dedicar algum tempo para traçar estratégias sobre como fazer encontros melhores e com maior propósito.
Organizações com missões sociais promovem encontros para mobilizar atenção e ação para suas causas. Elas se reúnem porque não podem ser efetivas agindo isoladamente; devem galvanizar a força coletiva, desafiar a sabedoria convencional e buscar, elevar e amplificar soluções compartilhadas para problemas sociais complexos. Assim, reúnem membros diversos da esfera das organizações sem fins lucrativos, negócios, governo, fundações e academia para colaboração intersetorial.
Dito isso, o setor social desenvolveu um gosto por encontros, que muitas vezes são organizados sem a devida avaliação de seu valor estratégico. Para alguns profissionais, a atitude padrão é saltar de encontro a encontro. Apenas um pequeno número de pessoas reserva tempo para refletir sobre o valor e os resultados dessas sessões recorrentes. Esses encontros têm significados diversos, e isso se comprova nas instituições em que trabalhamos. Para o Grupo de Avaliação Independente (IEG, na sigla em inglês) do Banco Mundial, do qual Rasmus Heltberg faz parte, trata-se de “reunir atores relevantes para agir coletivamente para enfrentar desafios comuns”.
Já para o TCC Group, no qual Jared Raynor trabalha, o conceito remete à “‘espaços’ criados para diversos grupos de interessados influenciarem futuras ações coletivas e individuais orientadas para soluções envolvendo um determinado tópico”. Nós do setor social acolhemos esses espaços para juntos tentarmos criar uma transformação sistêmica. Steve Waddell destaca quatro tipos de mudança social: fazer, forçar, direcionar e cocriar mudanças. Encontros se enquadram na última categoria: participantes se reúnem com a esperança de colaborar e coevoluir a transformação social. A ocasião exige um amplo acordo de que a mudança é necessária, junto com crenças, valores e compromisso compartilhados por uma causa comum ou com a capacidade de criar uma causa comum.
O IEG identifica três tipos de efeitos positivos que encontros podem ter: compreensão compartilhada, soluções compartilhadas e implementação compartilhada. O IEG usou essas categorias para avaliar a efetividade dos encontros e diferenciar ganhos relevantes de progresso modesto. Compreensão compartilhada é quando os atores alcançam uma formulação comum do problema e sua solução – por exemplo, por meio de declarações conjuntas, forças-tarefa e análises. Soluções compartilhadas são geradas quando os atores negociam maneiras comuns de resolver um problema compartilhado – por exemplo, ao alinhar suas estratégias, políticas, ferramentas ou metodologias. Implementação compartilhada ocorre quando os atores implementam um programa em conjunto – por exemplo, ao adotar um novo mecanismo financeiro para custear a ação coletiva.
Então, como gerar melhores resultados a partir de nossas reuniões? Práticas de monitoramento e avaliação, por vezes, enviam o sinal errado e devem ser revistas. Organizações frequentemente coletam dados sobre a execução, tais como o número de eventos e de participantes e pesquisas de satisfação. Esses dados podem incentivar o foco no volume de atividades e eventos autogeridos. Em contrapartida, as organizações raramente avaliam os resultados de seus encontros e o quanto eles contribuem para reuniões e eventos conduzidos por outros – ainda que tais dados ajudassem a informar os gestores sobre sua eficiência.
Organizadores eficazes de encontros são conscientes da mudança que procuram fomentar e discutem o objetivo estratégico no início do processo de planejamento de seus compromissos. As organizações podem se tornar mais eficientes nos encontros ao seguir sua liderança e rever sistematicamente seus objetivos na fase de planejamento. E devem ser explícitas sobre a relevância e valor estratégico da questão que as motiva e da razão pela qual acreditam que a conjuntura fora da organização pode abrir uma janela para que a mudança ocorra.
Organizadores eficazes de encontros também estão cientes de que alcançar a transformação social leva tempo. Eles planejam o acompanhamento após o encontro, ao criar um grupo de trabalho interorganizacional para revê-lo e avaliá-lo antes do próximo evento, ao apoiar projetos específicos que emergem como resultado e ao utilizar comunicações estratégicas para atingir públicos que podem alavancar o trabalho que dele emergiu.
As organizações também precisam considerar seu poder convocatório, que reside na credibilidade, relacionamentos e recursos que possuem. Para o Banco Mundial, por exemplo, sua capacidade de produzir dados confiáveis e pesquisas sobre as questões com as quais trabalha é uma fonte desse tipo de poder. Essa autoridade provém ainda do que chamamos de prestígio – a capacidade de atrair as pessoas e organizações certas para seus encontros. A falha em considerar o objetivo e o poder convocatório leva a encontros mal sucedidos, que não alcançam resultados significativos.
O Banco Mundial deu passos positivos nesse sentido. A instituição enfrenta imensa demanda para liderar ou dar apoio a encontros sobre inúmeras questões, além das dificuldades em estabelecer prioridades. A resultante multiplicação de iniciativas pode tornar a capacidade e os recursos do Banco Mundial escassos em muitas agendas. Com início por volta de 2015, a Prática Global de Resiliência Social, Urbana e Rural do Banco Mundial encarou essa situação e adotou uma metodologia objetiva e disciplinada para encontros. A gestão empregou, como linha de negócio, uma abordagem estruturada para as parcerias. E decidiu que o critério principal para a seleção de compromissos seria o vínculo com o trabalho operacional. Para minimizar a proliferação de reuniões, a Prática Global agrupou iniciativas menores em programas guarda-chuva maiores e redirecionou algumas solicitações de encontros para parceiros que poderiam conduzi-los de maneira mais adequada.
Organizações podem sistematizar como gerenciam procedimentos de convocação. Devem considerar a integração de encontros em sistemas de gestão rotineiros para coletar dados básicos e apoiar seu planejamento. Nessa tarefa, têm de complementar os dados sobre a execução do encontro, pesquisas de satisfação do participante e assim por diante, com avaliações de resultados. No mínimo, organizadores de encontros devem ter clareza de propósito e visão realista sobre seu poder de cocriar mudanças. Isso deveria ser senso comum na prática da gestão, daí pode parecer estranho que muitas organizações não o façam. Suspeitamos que muitas pessoas acreditam ingenuamente que, se você apenas organizar uma conferência para discutir um assunto, a mudança vai acontecer. Também nos perguntamos se muitos encontros são de fato motivados pela busca por resultados de transformação social ou se apenas buscam publicidade e sinalizar o domínio da organização sobre determinada questão.
Organizações com propósito social devem esforçar-se para maximizar o valor dos encontros como alavanca da mudança coletiva. Devem, antes de promover reuniões, fazer avaliações para elucidar os resultados pretendidos, refletir sobre seu poder e capacidade de convocação e calcular o retorno sobre o investimento. Só assim podem garantir que estão contribuindo para reuniões que gerem maior impacto e, em última instância, para um setor social mais eficaz e eficiente.
*Rasmus Heltberg é economista de desenvolvimento e consultor com experiência em diferentes departamentos do Banco Mundial; Jared Raynor é diretor de avaliação e aprendizagem do TCC Group. Este artigo faz parte artigo da Stanford Social Innovation Review Brasil.