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Fenômeno continental

Incremento das relações comerciais e possibilidade de sua adoção como segundo idioma oficial do Mercosul ampliam os horizontes da língua portuguesa

Publicado em 10/09/2011

por Adriana Natali

Aos poucos, na surdina, o português brasileiro começa a seduzir a vizinhança. Na América do Sul, é candidato a segundo idioma de países de língua hispânica e referência nas crescentes relações comerciais do Mercosul. Na esteira da tendência, o ensino da língua portuguesa tem se expandido nas escolas da região.

Entre parceiros do Mercosul, é concreta a possibilidade de virar segunda língua oficial. O dado mais recente vem da Venezuela. Este ano, o governo de Hugo Chávez decidiu incluir a língua portuguesa no seu currículo escolar como disciplina opcional já a partir do próximo ano. A idéia é garantir a adoção da língua portuguesa como primeiro idioma estrangeiro no país. Outros países já colocaram em prática iniciativas similares (ver gráfico na página 57).

Lilian Pinho, da Divisão de Promoção da Língua Portuguesa do Ministério das Relações Exteriores, explica que os ministros da Educação dos países do Mercosul adotaram um programa de integração educacional que prevê o ensino obrigatório do português como língua segunda nos países hispanófonos e do espanhol como segunda língua no Brasil.

Na Venezuela, o português será incorporado ao sistema educacional bolivariano em escolas primárias e secundárias. Na Argentina, está em tramitação no Congresso um projeto de lei que torna obrigatória a oferta de português em todas as escolas secundárias do país e, no caso das províncias limítrofes ao Brasil, também em escolas primárias por um período de oito anos. Esse projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados argentina em novembro e se insere no marco do Convênio de Cooperação Educativa bilateral, assinado em 1997.


Segunda língua


Apesar de ainda estar em discussão no Congresso, a Argentina firmou acordo com o Brasil para aproximar o português de seu idioma oficial. Em novembro de 2005, foi assinado um protocolo entre os ministérios da Educação dos dois países para a promoção do ensino do espanhol e do português como segundas línguas, o que prevê a formação de professores brasileiros em espanhol e de argentinos em português, por meio de bolsas de estudo de curta duração e de educação a distância. O documento prevê um Programa Bilateral de Intercâmbio de Assistentes de Idioma, e um plano de assistência técnica, além de convênios inter-institucionais entre universidades e associações de empresas editoriais para a publicação de livros didáticos. De abrangência nacional, o projeto ainda não saiu do papel.

Mas algumas regiões já colocaram o ensino em prática. Na cidade de Buenos Aires, por exemplo, desde 2001 as escolas bilíngües são obrigadas a oferecer o idioma português, além do inglês. Nas escolas das cidades fronteiriças, já é feito o ensino do português. Em 2004, foi lançado o projeto bilateral "modelo de ensino comum em escolas de zona de fronteira", entre Argentina e Brasil, e posteriormente incorporado à agenda do Mercosul (Paraguai, Uruguai, Colômbia e Venezuela manifestaram interesse pelo programa).


Uruguai


No Uruguai, o português é ministrado nas redes secundária e primária, e está em processo de implantação a obrigatoriedade de ensino para os três últimos anos do ensino fundamental e os três primeiros anos do secundário.

No norte do país, é possível falar da existência de uma sociedade bilíngüe espanhol-português. A variante brasileira do português já funciona, na prática, como a segunda língua oficial dos uruguaios, por conta dos acordos do Mercosul.

De acordo com Ademar Seabra da Cruz Junior, chefe do Setor de Cooperação Acadêmica, Científica e Tecnológica da embaixada brasileira no Uruguai, o inglês pode vir a ser desbancado como a língua estrangeira mais difundida no país, embora hoje a relação quantitativa entre professores de português e de inglês no país seja muito mais favorável aos segundos.

"Há indícios de que essa correlação deve mudar no médio prazo, por causa da influência crescente do português no interior do país, sobretudo na faixa de fronteira, e o aumento exponencial dos investimentos brasileiros no Uruguai, que no ano passado ultrapassaram inclusive os norte-americanos", explica Cruz Junior.

O português é ensinado em mais de cem escolas do Uruguai, na maioria públicas, que contam com centros de línguas estrangeiras, mantidos pela Administración Nacional de Educación Pública (Anep). Embora o ensino do português seja, na prática, optativo, trata-se do idioma estrangeiro que mais tem interessado aos jovens da rede pública (ao lado do inglês), ao terem de incluir uma outra língua obrigatória em seu currículo. Dos 9.419 alunos que se inscreveram para aprendizado optativo de línguas estrangeiras em 2007, mais de quatro mil alunos escolheram o português.

Há uma tendência da Anep de tornar o português efetivamente obrigatório para as últimas séries do ensino primário e as primeiras do secundário, embora esse projeto venha enfrentando dificuldades devido à escassez de professores habilitados no país para o ministrar a disciplina.


Paraguai


A Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) e a Cooperação Andina de Fomento (CAF) estão contribuindo para a expansão das escolas de fronteira. E o Itamaraty e o Ministério da Educação do Paraguai iniciaram o exame da possibilidade de apoio à formação de professores de português que atendam às necessidades do ensino médio


A Ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai: relações entre os países vão além dos aspectos comerciais, com influências culturais e lingüísticas operando no dia-a-dia

naquele país.

"Além de estreitar os laços com o Brasil e consolidar a integração sul-americana, o ensino da língua portuguesa em outros países vai facilitar as comunicações entre os países, o que adensa os laços econômicos com o Brasil, grande mercado consumidor e fornecedor regional", explica Lilian Pinho.

O português é ensinado nas escolas paraguaias de educação média (jovens de 15 a 17 anos), de adultos (cursos especiais para a conclusão do 2o grau destinados a adultos com mais de 20 anos) e em universidades. O Ministério da Educação paraguaio oferece às instituições de ensino a possibilidade de optar entre cinco línguas estrangeiras: alemão, francês, inglês, italiano e português. Segundo o MEC paraguaio, 76 instituições de ensino oferecem a língua portuguesa  na educação média.

"Tomando-se por base a população estudantil paraguaia, em alguns casos o português é a terceira língua que o aluno adquire na sua formação, mas não em todos os casos", afirma José Armando Zema de Resende, primeiro-secretário da Embaixada do Brasil em Assunção.

Atualmente, o Ministério de Educação paraguaio estuda a criação, com o apoio brasileiro, de um curso de "profesorado en lengua portuguesa", destinado à formação de docentes para educação média, bem como da criação da licenciatura em língua portuguesa na Universidade Nacional de Assunção.

"A presença de uma grande comunidade brasileira no Paraguai e a intensidade das relações comerciais entre o dois países são importantes indicadores do interesse que a língua portuguesa desperta", afirma Resende.

Consciente dessa realidade, o governo brasileiro tem procurado apoiar os esforços das autoridades paraguaias pela ampliação do ensino da língua portuguesa. Em fevereiro foi inaugurado o Leitorado de Língua e Cultura Brasileira junto à Universidade Católica de Assunção, com o apoio da Capes e do MRE, mediante a seleção de um professor brasileiro incumbido de ensinar o português e divulgar a cultura brasileira.


Bolívia


Os bolivianos adotam o português como segunda língua nos Departamentos (Estados) de Santa Cruz de La Sierra e Pando, em razão da proximidade geográfica. Na região do altiplano, as línguas aymar e quéchua são os segundos idiomas. Nas escolas públicas e privadas do país, no entanto, a língua portuguesa não é ensinada.

O Brasil já assinou acordos como o governo boliviano para fomentar o ensino da língua portuguesa e a embaixada do Brasil apóia projetos nesse sentido. Segundo Patrícia Cortes, membro do setor cultural da Embaixada do Brasil na Bolívia, em La Paz, o Centro de Estudos Brasileiros de lá é muito ativo e recebe cerca de 200 alunos por ano.

Em fevereiro do ano passado os dois governos assinaram memorando de cooperação educacional, que prevê intercâmbio e aperfeiçoamento de professores, estudantes e gestores, visitas às escolas brasileiras e bolivianas, seminários, eventos, troca de informações sobre sistemas e políticas educacionais, elaboração de projetos de cooperação técnica e apoio de organismos internacionais.


Chile


No Chile, a língua portuguesa não é ensinada nas escolas (ensino fundamental e ensino médio). No entanto, ministra-se o idioma em cursos livres e técnicos, principalmente nas escolas de turismo.

De acordo com Elisa Lopes, do Centro de Estudos Brasileiros (CEB), órgão vinculado à embaixada brasileira em Santiago, a instituição contava com 180 alunos matriculados até abril deste ano.

"A rede de CEBs constitui um dos principais instrumentos de execução da política cultural brasileira no exterior. No âmbito acadêmico, a língua portuguesa se encontra na Universidade de Santiago do Chile, único curso existente no país. Foi igualmente inaugurado, no ano passado, um leitorado de língua portuguesa, literatura e cultura brasileira, em nível de graduação, na Pontifícia Universidade Católica do Chile", informa.

No contexto das intensas relações econômicas, políticas e culturais entre Chile e Brasil, está implícita a necessidade de uma integração lingüística. "Com o incremento dos acordos e contatos entre os governos, aumenta a conscientização de que falar portunhol já não é mais suficiente" explica Elisa. 


Colômbia

Na Colômbia, entrou em vigor em 2005 um memorando de entendimento dirigido ao ensino de português e de espanhol nas escolas públicas da região fronteiriça de Letícia e Tabatinga, no Estado do Amazonas.

"A partir do acordo, decidiu-se que o ensino de espanhol em Tabatinga começaria a partir do primário, uma vez que as aulas de espanhol já estavam sendo ministradas nessa cidade há alguns anos. Em relação ao ensino do português em Letícia, o Instituto Cultural Brasil-Colômbia [Ibraco] comprometeu-se a formar aproximadamente 15 professores para dar aulas na Escola Normal de Letícia. Esse projeto teve início em 2006, com cerca de 200 alunos", explica Beatriz Miranda Cortes, sub-diretora acadêmica da Colômbia. A formação dos professores é de quatro anos.

Com o fortalecimento das relações comerciais entre os dois países nos últimos anos, os colombianos estão mais conscientes de que, para negociar com o Brasil, é fundamental falar português. Nos últimos dois anos, aproximadamente 100 colombianos vieram estudar no Brasil.


Comunicação continental


 O bilingüismo no Cone Sul pode contribuir para a eficiência de intercâmbios, não apenas no âmbito comercial, mas também nos âmbitos científico e cultural.

"Com a globalização, os países monolíngües tendem a perder oportunidades de relações políticas e econômicas", afirma o professor de lingüística e de língua portuguesa da Universidade São Judas Tadeu, Jairo Postal.

Para Fernanda Allegro, mestre em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC/SP e professora do Ministério das Relações Exteriores em Buenos Aires, com a língua, transmitem-se, também, a cultura, os costumes, a arte, as tradições, a literatura e a tecnologia do país.

"As instituições de ensino oferecem cursos de português como língua estrangeira em diversos níveis. Verifica-se um aumento no número de estudantes nos cursos de português como língua estrangeira em países como a Argentina e o Uruguai", observa Fernanda.

Como no mundo globalizado há uma grande tendência à supranacionalidade, o ensino de língua portuguesa constitui um instrumento de política externa. Com a ampliação do comércio exterior brasileiro, tendência crescente dos últimos anos, o potencial de influência da variante brasileira do idioma só tende a crescer.

Autor

Adriana Natali


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