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Fila de espera

Com 680 mil crianças e jovens fora da escola, Ministério da Educação tem como objetivo melhorar o índice de acesso; desafio é identificar nominalmente os excluídos

Publicado em 10/09/2011

por Beatriz Rey


Meninos indígenas em Tocantinópolis (TO): 13,9% das crianças estão em situação de sub-registro. (Foto: João Bittar)

No norte do Brasil, há um contingente de crianças que não têm acesso à escola em razão de um problema crônico: a falta de um registro de nascimento. A taxa do sub-registro na região chega a 21%, sendo que o Estado de Roraima tem o índice mais alto: 42,8%. Em outras palavras, quase metade das crianças que nascem naquele estado não possui certidão de nascimento. Para as políticas públicas, elas simplesmente não existem. Mas, para as escolas, deveriam existir.

Esses potenciais alunos pertencem a um dos grupos identificados recentemente pela Unicef num relatório sobre o direito de aprender (
O direito de aprender – Potencializar avanços e reduzir desigualdades

), elaborado com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2007). No Brasil, há 680 mil crianças de 7 a 14 anos que ainda estão fora de escola, o que representa 2,4% do total nesta faixa etária. "Estamos falando de 2,4% sobre milhões de habitantes. O número absoluto de crianças fora da escola ainda é grande", aponta Cândido Alberto da Costa Gomes, professor da disciplina juventude, educação e sociedade", na Universidade Católica de Brasília (UCB).

Há um consenso quando o assunto é a universalização do ensino: alcançar os 100% é um cenário irreal. "Há sempre uma população residual, que são as crianças com doenças graves, hospitalizadas, por exemplo, impedidas de frequentar a escola", explica Salomão Ximenes, coordenador do Programa Ação na Justiça na ONG Ação Educativa. Isso não significa, entretanto, que podemos comemorar. "É um grande desafio atingir essa população excluída, mais pela dificuldade de encontrá-la do que pela quantidade", diz.

Quando a taxa de crianças fora da escola é distribuída por regiões do país, o quadro fica ainda mais desanimador. Só nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, os índices chegam a, respectivamente, 3,8%, 2,9% e 2,3%. No Sul e no Sudeste, os valores são 2% e 1,9%. Além das diferenças regionais, o Unicef constatou que as populações mais atingidas nos estados são as chamadas "vulneráveis": negras, indígenas, quilombolas, pobres, sob o risco de violência ou exploração e com necessidades especiais. O problema é identificar quem são essas crianças e onde elas se encontram. Como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) é realizada de forma amostral, é impossível fazer esse cruzamento a partir da pesquisa.

A própria Lei de Diretrizes e Bases (LDB) estabelece, de forma genérica, que os estados e municípios, com o governo federal, devem recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso. "Precisaríamos de uma política pública para isso, seguida de uma chamada dessa população à escola", opina Salomão. Para Maria de Salete Silva, uma das responsáveis pelo relatório do Unicef, essa política pública tem caráter de urgência. "Conforme nos aproximamos da universalização, precisamos saber quem é quem, ter nome e endereço", afirma.

José Marcelino Rezende Pinto, especialista em políticas públicas da USP Ribeirão Preto, considera que o esforço seria ainda maior. A própria política de financiamento do governo federal, que fixa um valor para cada aluno, não estimula a procura dos alunos excluídos. "Eles dão prejuízo. Uma sala de aula em escola urbana tem 50 alunos. Na zona rural, é preciso andar muitos quilômetros para buscar um aluno. Não há interesse de buscá-lo e o governo federal é completamente omisso em relação a isso", coloca.

A deficiência no sistema de transporte escolar ainda é um grande entrave ao acesso à escola. Há o caso das populações ribeirinhas da Amazônia, que utilizam barcos feitos em fundo de quintal, com eixo de geladeira. Além de o acesso ser difícil, há a possibilidade de acidentes graves. Um estudo realizado pelo Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB), mostrou que 21% dos 434 municípios do Norte que responderam a pesquisa não mantêm o serviço de transporte escolar durante todo o pe­ríodo de aulas.

De acordo com o Unicef, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) identificou 55 mil crianças na Amazônia que padecem com a falta de transporte escolar. A Secad explica que foram selecionados 55 municípios ribeirinhos da região Norte que tinham, pelo Censo Demográfico de 2000, mais de mil crianças e jovens de 7 a 14 anos fora da escola ou cuja proporção de crianças nessa faixa etária era superior a 20%. Foram identificadas, então, 94 mil crianças excluídas da escola. O MEC mantém, desde 2007, o programa
Caminho da escola

, cujo objetivo é suprir exatamente essa carência.

Até agora, o programa, executado via FNDE, oferecia possibilidade de financiamento de ônibus escolares adaptados para regiões de zona rural. Até 2011, ofertará, via convênio com municípios, 100 barcos-escola, espécie de sala de aula flutuante, e 3 mil lanchas, transporte mais usado nessa região. "A ideia é que, até o fim do ano, 100 lanchas já sejam disponibilizadas. O convênio exige que o município arque com apenas 1% do valor total da compra", explica José Maria Rodrigues de Souza, coordenador-geral de apoio à manutenção escolar do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). 


Percentual de crianças de 7 a 14 anos fora da escola. (Fonte: Pnad 2007/IBGE)

O aluno "bolsa família"

A Secad acompanha mensalmente a frequência dos alunos beneficiários do programa Bolsa Família – são 16,7 milhões de crianças participantes, das quais 32% estão matriculadas na Educação Básica e 50% matriculadas no Nordeste. Segundo o diretor de Estudos e Acompanhamento das Vulnerabilidades Educacionais, Daniel Ximenes, esse "público de vulnerabilidade" passou a frequentar mais a escola.

Os dados da Secad apontam que, em 2003, 524 mil crianças monitoradas não iam à escola. Em 2007, o número foi de 256 mil. A Secad tem controle, então, de 350 mil (256 mil do Bolsa Família e 94 mil pelo Censo 2000) das 680 mil crianças que não estudam. "A política para essas crianças envolve iniciativas mais amplas, previstas pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Um exemplo é o Plano de Ações Articuladas (PAR). Estamos num pacto federativo, então a estratégia é fazer parcerias com os estados e municípios", explica Daniel. O PAR é um documento que reúne ações para combater problemas educacionais, elaborado a partir de um diagnóstico da realidade educacional local.

Sobre a eficácia do PAR no que diz respeito à universalização do ensino, Daniel rebate: "o MEC iniciou neste mês o monitoramento do PAR, com participação da prefeitura. Somente depois disso poderemos avaliar melhor o impacto de suas medidas para a melhoria da educação nos municípios".

Outra informação passada pelo Unicef é a de que o MEC realizou, em conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, um cruzamento de dados do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social. O benefício prevê o pagamento de um salário mínimo mensal a pessoas com 65 anos de idade em diante e com deficiência, incapacitadas de viver independentemente e trabalhar. Em ambos os casos, a renda per capita familiar deve ser inferior a um quarto do salário mínimo. Desse cruzamento, teriam sido identificadas 147 mil crianças. A Secad informou que foram localizadas apenas 73.949 crianças de 6 a 14 anos em 2008. 

Segundo o relatório do Unicef, as escolas tendem a recusar crianças com deficiência severa. O Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou recentemente o  parecer 13/2009 – não homologado pelo MEC – que retoma a questão. Ele estabelece que os alunos com deficiência, transtornos do desenvolvimento e altas habilidades (superdotação) devem, obrigatoriamente, ser matriculados em escolas regulares. Além disso, os sistemas de ensino têm de oferecer Atendimento Educacional Especializado (AEE). A matrícula dessas crianças já vem crescendo nos últimos anos, de acordo com o Censo Escolar: se em 2000 eram 81.685, sete anos depois eram 304.882. "Era um conflito, porque essas crianças têm de estar na escola. Instituições como a Apae não são credenciadas como escolas", aponta Salomão Ximenes, da Ação Educativa.

Um dos entraves do processo de identificação nominal é a necessidade de uma ação conjunta entre diversos ministérios. "É um problema de saúde, de transporte, de agricultura. Mas os níveis de governo pouco conversam no Brasil. Há muita rivalidade política, que emperra o diálogo", avalia Cândido Gomes, da UCB.

Tanto as crianças com deficiência, como as que vivem em áreas rurais, urbanas sob o risco de violência, em comunidades quilombolas ou indígenas fazem parte de um grande grupo: crianças com necessidades escolares especiais. "Elas requerem condições especiais de atendimento. O modelo clássico de escola não funciona para esse grupo", explica Salomão.

 Marcelino Rezende, da USP, propõe a adoção de modelos alternativos, como o professor itinerante, que se desloca até onde o aluno está. "O importante é ousar. O governo federal tem de entrar nisso porque os municípios estão sobrecarregados. É preciso introduzir uma forma de atendimento alternativa", pontua.

A questão do sub-registro


Em seu artigo sexto, a Constituição Federal garante educação para todos os cidadãos brasileiros: "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". Por lei, a escola não pode recusar a matrícula de uma criança que não possui registro de nascimento. Mas, na prática, os números mostram que tal atitude é prática cotidiana: no Brasil, o sub-registro chega a 12,7%, sendo que só a região Norte é responsável por 21%. Roraima, o estado com maior índice (42,8%), é acompanhado do Amazonas (24,5%), Maranhão (22,8%) e Rondônia (19,5%).

"É incompreensão de seu papel. A criança tem direito ao registro ao nascer, que lhe garante o reconhecimento do nome, sobrenome e nacionalidade. E também tem direito à educação na idade própria", explica Luana Bottini, coordenadora da Mobilização Nacional pela Erradicação do Sub-Registro Civil de Nascimento. "Muitas vezes, a mãe não tem registro e não pode registrar o filho. Ou então a mãe não registra porque espera o pai assumir a paternidade. Nesse último caso, ela pode registrar de qualquer maneira", explica Maria de Salete, do Unicef. Para erradicação do sub-registro, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos coordena as ações do Compromisso Nacional para a Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica. Apoiada pelo Comitê Gestor Nacional do Plano Social, a SEDH recomenda a estados e municípios a adesão aos compromissos, a partir da assinatura de um termo de adesão e da constituição de comitês similares.

Entre os participantes do Comitê Gestor Nacional, está o MEC. Entre as ações no âmbito da educação que serão desenvolvidas até 2010, estão: a emissão de informes de estimulo à participação de educadores nas atividades de promoção da certidão de nascimento; a inclusão do tema em classes de alfabetização, em classes do ensino fundamental e do ensino médio; a organização de gincanas e mutirões para a promoção da certidão de nascimento; e realização de atividades de arte-educação envolvidas com o tema, como a pintura de painéis de grafite nas escolas.

Autor

Beatriz Rey


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