Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP
Conhecer e divulgar boas práticas entre pares é o melhor caminho para construção coletiva do novo
Foto: ShutterstockNas escolas e faculdades, têm-se abordado constantemente o tema da inovação ou estruturado ações denominadas inovadoras. Especialmente nesse pós-pandemia, em que houve uma inevitável ruptura do ensino tradicional com o isolamento social que vivemos durante quase dois anos, muitas das iniciativas passaram por mudanças.
Vamos analisar o que significa inovar no meio acadêmico. Antes da pandemia o que era praticado então não era inovador? Qual é o sentido, pois, de se pretender inovar na academia?
A inovação pela inovação pode resultar apenas num modo diferente de fazer. Já quebrar paradigmas e ter uma prática voltada à inovação consistem em construir algo realmente transformador em várias camadas, transcendendo a prática individual e iniciativas pontuais. Formar cidadãos e profissionais responsáveis, como já apontamos em outras ocasiões, é um dever da universidade. Por isso, é fundamental ter como foco a inovação direcionada à transformação, em seu sentido mais amplo. Na prática, inovar pode ser sinônimo de várias ações — mudanças metodológicas, infraestruturais, curriculares, entre outras. O ponto central é sublinhar sobretudo a atualização do projeto educacional da sua instituição de ensino superior.
A palavra inovação não pode ser um bordão de marketing em um projeto universitário consistente. A preocupação com a inovação nada mais é do que a universidade não ficar alheia aos novos desafios que a sociedade impõe para cumprir seu papel social de garantir respostas a problemas não resolvidos, de antecipar soluções ainda não pensadas e de refletir sobre problemas complexos e difíceis que precisam ser estudados com aprofundamento e rigor.
A universidade só produz conhecimento relevante na medida em que se propõe a pensar sobre o que importa para o mundo que almeja; não se trata de um desafio banal e nem mesmo neutro. Trata-se de um compromisso político com a sociedade. O que não impede, todavia, de ser um compromisso plural e de concepções diversas dentro da comunidade acadêmica.
Inovar, portanto, implica estar comprometido em uma atitude aberta à renovação de saberes, com os ônus e bônus desse processo, afinal, não se descobrem novos caminhos e soluções acertando sempre. É preciso assumir a importância da experimentação e do erro no processo de construção do novo. Uma atitude nesse sentido precisa ser assumida como um éthos institucional, o que exige fazer da transformação uma rotina da gestão da instituição de ensino. Trata-se de um processo contínuo na administração de uma universidade, englobando cursos, corpo docente, discente, técnicos-administrativos, pesquisadores, parceiros externos, sociedade e todos os atores relacionados à instituição.
Constatamos com colegas e pares de diversas IES que os grandes esforços da gestão de uma universidade geralmente são concentrados na rotina do dia a dia, em que há pouco espaço para aventuras e as demandas muito frequentemente são urgentes. Nos últimos anos, sem dúvida, muitos e muitas de nós vivemos apagando incêndio por conta da Covid-19. A prioridade, claro, foi sobreviver diante do desafio de dar continuidade ao projeto educacional de centenas e milhares de estudantes e minimizar os danos da ausência da universidade.
Passado o incêndio, começamos agora a fase de reconstrução, o que abre uma excelente oportunidade para estabelecer novos paradigmas e justamente atualizar o projeto educacional (leia-se inovação). As possibilidades são inúmeras: investir em novos desenhos de curso, explorar as extensões universitárias, reformar a grade curricular para acomodar as transformações sociais trazidas pela tecnologia digital, fortalecer a inclusão e a diversidade na agenda institucional, investir no diálogo multidisciplinar entre os diversos cursos, humanizar o curso em prol da saúde mental da comunidade universitária, e daí para além. Inovar, neste momento, é também saber recuperar o que se perdeu e precisa ser restabelecido. É saber ressignificar o trauma pandêmico em um aprendizado sobre o que importa no processo de interação social fragilizado por dois anos de muita reclusão presencial e de suposta integração digital.
Mas, inescapavelmente, é reconhecer que essa experiência mundial, causada pela pandemia, trouxe modificações que precisam ser conhecidas, analisadas e assumidas dentro dos desafios educacionais e sociais.
A modificação sustentável do projeto de ensino, porém, não se faz do dia para a noite. Por essa mesma razão, também não precisamos abandonar projetos em andamento para refundar a universidade em si do zero nem “jogar a água do banho com o bebê”. Devemos, pois, conduzir as transformações do estágio em que nos encontramos para onde queremos seguir, aproveitando as experiências adquiridas na busca daquilo que acreditamos seja o modelo mais adequado aos objetivos da instituição de ensino e do projeto de sociedade que queremos.
Na prática, então, como podemos concretizar o paradigma da inovação no dia a dia em uma instituição de ensino superior? É fundamental elaborar um projeto educacional em que a pauta da inovação seja transversal, e não concentrada em uma ação isolada. Nesse sentido, elencamos algumas propostas que podem ajudar nessa construção:
A percepção da existência de novos desafios pode significar a necessidade de se reconhecer a exigência de uma alteração profunda sobre a prática educacional universitária. O que pode exigir uma alteração da cultura institucional. Nenhuma mudança de cultura institucional acontece de forma individual, ela deve ser vista por toda a comunidade, para ter força e ser estabelecida entre todos. Pode haver, por exemplo, um órgão atuante, que dialogue com os corpos docente e discente, e com as instâncias da instituição, para que todos não apenas sintam, mas sejam parte dessa transformação. A realização de workshops, pesquisas, treinamentos, ou produção de materiais, guias e cartilhas criarão a ponte entre os objetivos institucionais e a comunidade universitária, para todos seguirem na mesma direção. Conhecer e divulgar boas práticas entre pares é o melhor caminho para construção coletiva do novo.
As transformações pedagógicas profundas não ocorrem se forem implantadas de maneira superficial. Para tanto, investimentos em pesquisa e experimentações devem fazer parte da estrutura de desenvolvimento institucional, dedicada à temática de ensino e aprendizagem. Isso permitirá apoio a experimentações e ao corpo docente na prática de novos métodos de ensino — e, consequentemente, dos desafios que a acompanham.
Não uma disciplina, não o momento, ou uma ação inovadora, mas transversalmente, enquanto parte de cada atividade e decisão institucional. Dessa forma, a inovação será constituída enquanto uma rotina de gestão.
Se as mudanças estão ocorrendo constantemente, é fundamental ter um foro na IES que se ocupe em concentrar debates e construir propostas para o aprimoramento do curso. Para transformá-lo conforme a realidade demanda, deve ser aprimorado e redesenhado de forma contínua, seguindo, claro, os objetivos institucionais definidos previamente. Se uma prática inovadora nada mais é que uma prática comprometida com a atualização constante do projeto educacional de uma Instituição, quem sabe essas sugestões possam contribuir na construção de um caminho para a concretização de uma gestão educacional para o novo, instrumentalizando gestores e empoderando todos os atores da comunidade acadêmica.
Adriana Ancona de Faria é vice-diretora da FGV Direito SP. Marina Feferbaum é coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.
Por: Marina Feferbaum | 22/12/2022