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Em entrevista, Leo Burd destaca novas abordagens, concepções e tecnologias no processo educacional, e afirma que o mais importante para um trabalho de sucesso não é o uso de equipamentos
Publicado em 02/03/2015
A tecnologia se tornou inerente à vida moderna e urbana. Da hora de acordar, passando pela forma como nos comunicamos, nos transportamos e trabalhamos, até a hora de descansar, estamos em constante contato com as mais diversas tecnologias. Se isso já se tornou natural para quem hoje é adulto, as crianças criadas nessa realidade digital usam a tecnologia como extensão do próprio corpo, demonstrando habilidades que parecem natas. A escola, como instituição onde essas crianças passam grande parte dos seus dias, não deveria ficar de fora desse movimento de avanço tecnológico. No entanto, segundo Leo Burd, pesquisador do MIT Media Lab – o Laboratório de Mídias do Instituto de Tecnologia de Massachusetts –, a escola não está no mesmo compasso dos alunos quando o assunto é tecnologia. Brasileiro, Burd tem mestrado em design de software para educação pela Unicamp e concluiu seu doutorado em desenvolvimento de tecnologias para o empoderamento comunitário pelo MIT Media Lab.
Na entrevista abaixo, concedida exclusivamente para o site da Revista Educação durante sua passagem pelo Brasil em janeiro, quando participou da Campus Party 2015, ele discute a importância de usar a tecnologia para incentivar a criatividade nas escolas.
Educação – Qual é a importância de associar tecnologia e educação?
Leo Burd – Infelizmente as duas estão muito dissociadas. Só o fato de ainda termos que explicar a importância da criatividade no sistema educacional já é algo complicado. E infelizmente, de novo, o modelo educacional está construído de uma forma que coloca o estudante, que é o ator principal, em uma posição muito passiva. Os alunos são bombardeados de conhecimento e acabam tendo que digerir isso por conta própria. O que é muito diferente de um modelo em que o aluno seja incentivado a explorar seus interesses, a criar e testar ideias. Do ponto de vista do MIT, esse tipo de abordagem está mais ligado com as necessidades da sociedade atual, que está se transformando.
Em alguns casos, os conhecimentos que serão exigidos no trabalho, quando os alunos se formarem, ainda não existem. As ferramentas que vamos acabar usando estão sendo criadas. Então, não podemos assumir que o aprendido na escola será útil ou verdade daqui alguns anos. Mais importante do que passar um conhecimento fixo, é incentivar as pessoas a terem gosto pelo aprendizado e saber que são capazes de explorar novas coisas sozinhas, sem depender de determinada instituição para que aconteça.
Como a tecnologia pode ajudar nesse processo?
Pode contribuir muito, mas por si só não é capaz de fazer essa transformação que gostaríamos de ver. Uma coisa é ter uma ferramenta para passar vídeos na escola, que leia um texto para você ou mostre conteúdo já construído. Outra coisa é disponibilizar ferramentas mais abertas que permitam ao aluno criar. Que estejam em um nível de conhecimento dele, não sejam nem tão difíceis e nem tão fáceis. Além de criar um ambiente social que reconheça e incentive isso.
Por exemplo, o “Scratch” foi desenvolvido pelo Lifelong Kindergarten [um dos 27 grupos de pesquisa do MIT Media Lab], que permite às crianças construírem uma parte interativa, apresentações e joguinhos. Abre uma série de possibilidades. Mas se chegarmos na sala de aula e pedir para os alunos copiarem um joguinho em cima do “Scratch”, estamos matando o potencial criativo. Há diferenças entre copiar usando um editor de texto e falar para a mesma criança escrever sobre os seus sonhos. São coisas completamente diferentes. Ainda que seja a mesma criança e a mesma ferramenta. A tecnologia abre possibilidades e só vão de fato serem atingidas se tiverem um ambiente adequado para isso.
Por que não desenvolvemos até hoje no Brasil esse ambiente social de reconhecimento e incentivo?
É uma pergunta difícil. Teria que ver historicamente o porquê. Não sei se houve uma ênfase grande em facilitar o acesso à educação de forma massificada. Como o gargalo do sistema é formado pelos professores, então se pensou em jogar o máximo de informação possível para a maioria de alunos, seja 40 na sala ou cem mil em um curso online. O professor está no centro disseminando conhecimento e ele tem a palavra. Agora, se o enfoque for a qualidade da educação e a criatividade, temos que mudar isso. Vai exigir outro tipo de professor, outra sala de aula, outro tipo de acesso à informação, que felizmente está se tornando mais viável, mas ainda estamos presos a um modelo mais antigo, quando não tínhamos acesso a essas ferramentas tecnológicas. Hoje, quando elas são usadas, é de uma forma tradicional.
Cabe às universidades ou centros de pesquisa que estão fazendo um ensino mais progressivo difundir o que estão conseguindo. Mas sem negar que a escola tem uma série de necessidades. Então, não é simplesmente trocar por algo novo. Isso não funciona, mas sim trabalhar em conjunto. A primeira coisa a ser feita é motivar as pessoas. Saber que existe uma necessidade diferente, que há alguns caminhos, e convidar todos para explorar as alternativas.
Uma vez que a questão do acesso seja superada e que todas as escolas tiverem acesso a internet, a mudança de atitude é algo que acompanha o processo naturalmente?
Não acho que o acesso vai necessariamente mudar a atitude das pessoas. Hoje temos muito mais acesso à informação do que tínhamos há um ano. Mas a metodologia do ensino continua parecida. Os livros, a mídia, os filmes são muito mais acessíveis, uma quantidade de conteúdos que não tinha antigamente. E não estou falando do século passado, mas de duas décadas ou menos. Mesmo assim, as coisas não mudaram tanto. Só vai ocorrer transformação quando as pessoas souberem que existe uma necessidade de modelo diferente e possibilitarem acesso a novas oportunidades.
Isso, no Brasil, depende de quê?
Acho que temos que nos esforçar o máximo possível para disseminar experiências alternativas. Há várias coisas acontecendo no Brasil, mas que ainda são muito pontuais e dispersas. Precisamos identificar quem são os professores que estão fazendo um trabalho diferenciado e legal nas escolas, educadores populares que estejam desenvolvendo trabalhos na comunidade, artistas e outros, e fazer com que venham à tona, além de ajudar a conectá-los. Constatar o que funciona e o que não. Sem demonstrar o que é possível, por si só, talvez aconteça ou não. Mas usando a tecnologia e a mídia para identificar esses casos e fazer com que se tornem mais populares já seria um grande passo.
O que é preciso para trabalhar com inovação e aprendizagem na sala de aula?
Defendemos no Media Lab que o incentivo à aprendizagem criativa não depende do computador. Podemos criar desenhando, cortando um pedaço de papel, colocando uma caixa de papelão, madeira, materiais recicláveis… Coisas que já existem ao nosso redor. Mas para que aconteça de fato, talvez precise de um adulto que esteja interessando em trabalhar assim com um grupo de crianças. O que temos mostrado é que para esse espírito criativo acontecer também no mundo digital, temos que desenvolver ferramentas que incentivam esse tipo de trabalho. Para o digital – e algumas vezes a integração do digital com o mundo físico –, o importante é o incentivo à criatividade e não ao uso de certo equipamento.