NOTÍCIA

Edição 269

Permanência do aluno levada a sério

Instituições que já estão implantando programas de permanência apostam na escuta do aluno e no atendimento de suas necessidades, estruturando equipes que trabalham continuamente

Publicado em 21/09/2022

por Sandra Seabra Moreira

evasão e permanência "Ao invés de ter diversos ótimos locais, é preciso um local ótimo global, em que os processos se voltem para as necessidades do aluno e para a sustentabilidade da instituição", afirma Mendes

É sabido e já alardeado que um dos problemas das instituições de ensino superior é a evasão. Em 2020, foram 3,7 milhões de alunos que abandonaram seus cursos. A maioria dirá que o motivo é a vida financeira do aluno. Não é isso, apenas. Especialistas e gestores que analisaram a evasão e suas causas de maneira mais profunda atestam que a solução está nas mãos das IES e o paradigma “captar mais alunos” já não se sustenta sozinho. A solução para essa espécie de caixa d’água furada tem outro nome: programa de permanência. Não há uma receita pronta para que o aluno permaneça, mas é preciso encarar de frente o problema e se propor a ampliar a cultura da instituição.

Leia: Apesar de melhorar salários, cai interesse pela faculdade

Por muito tempo, no Brasil, o acesso ao ensino superior vinculou-se a processos seletivos. Desde 1808, quando da instalação da primeira IES privada no país, até 1996, quando houve a abertura de mercado, havia mais alunos desejosos de ingressar numa faculdade do que vagas disponíveis. A partir do final dos anos 90, mais instituições se instalaram no mercado e foi preciso pensar estratégias ativas de captação de alunos. “De 2007 a 2009, há momentos pesados de crise, com processos de captação difíceis. É quando o mercado começa a perceber o aluno como cliente”, diz o especialista Glauson Mendes. Outro expert no assunto, Daniel Antonucci, relata o amadurecimento do setor nos últimos 15 anos, com a formação de grupos educacionais e empresas abrindo seus capitais na Bolsa de Valores.

evasão e permanência
“Ao invés de ter diversos ótimos locais, é preciso um local ótimo global, em que os processos se voltem para as necessidades do aluno e para a sustentabilidade da instituição”, afirma o especialista Glauson Mendes

Evasão renegada

A necessidade de mostrar resultados positivos alavancou ainda mais os processos de captação, além disso, “vieram bons profissionais de marketing e vendas, com experiência em outros segmentos de negócio ou com formação própria no setor educacional”. De 2009 a 2014, o Fies liberou mais recursos para investimentos, reforçando a tendência de priorização da captação de alunos. A consequência é que as IES têm, historicamente, as suas políticas, ações e estratégias voltadas à captação e renegam a evasão.

“O mercado nos educou assim”, atesta Mendes, também autor do livro Miopia, escrito para suscitar uma discussão e apresentar ao mercado a ideia de que está na hora de acordar para a questão da evasão. “Alegamos que o problema é financeiro para manter um certo conforto emocional, na medida em que atribuímos um fator externo como causa da evasão”, afirma.

Antonucci concorda: “A falta de dinheiro não é o maior motivo, também não é necessariamente o primeiro, mas é usado pelo aluno quando não quer mais estudar”. Ele ressalta que as consequências da evasão têm duas dimensões: impacto social pela não formação das pessoas e impacto nas IES. “Há um problema social em relação à mão de obra necessária para o preenchimento de cargos nas empresas, o que afeta o crescimento do país.

Há 30 milhões de desempregados, mas não conseguem preencher as vagas na área de tecnologia, em que há um déficit muito grande, por exemplo. E isso acontece em outras áreas como saúde, engenharia. “Quem não se qualifica não consegue melhorar de vida. É um problema para a pessoa, para a família e para a sociedade.” Por outro lado, as IES veem a sustentabilidade em risco, com seus alunos indo embora, e ainda sofrem com a queda do ticket médio, por conta da guerra de preços.

Falta de investimento do mercado

Os números atestam que o mercado ainda não investiu recursos, tempo e energia em programas de permanência. Mendes explica que a instituição cresce na medida em que capta mais alunos e os perde menos. Matrícula + mensalidade, ou seja, captação + permanência, é um binômio que pode se equilibrar quando a instituição passa a se dedicar à permanência com o mesmo empenho que o faz com a captação. Os especialistas afirmam que há consciência acerca dessa necessidade, mas a maioria das IES mal sabe por onde começar

Para Mendes, um programa de permanência requer comprometimento real do gestor/mantenedor para que os funcionários percebam o significado da mudança e tenham segurança em agir. E é preciso investir na formação de uma equipe de permanência voltada exclusivamente às necessidades dos alunos. “Essa equipe vai precisar de computadores, salários, infraestrutura, softwares, tecnologias. Isso custa dinheiro. Assim como lá atrás, em algum momento, foi necessário criar um orçamento destinado à captação; concretamente, é necessário investimento em permanência. A partir daí, tem-se uma agenda institucional e com isso o programa começa a funcionar.” Os focos do programa de permanência são o sucesso do aluno e a sustentabilidade da IES.

Priorização da escuta

Para prover o sucesso do aluno, é preciso ouví-lo. Mendes afirma que há pesquisas que toda instituição precisa fazer, como os indicadores CSAT (customer satisfaction score), que mede o índice de satisfação por atendimento, e o NPS (Net Promoter Score), para saber se o aluno indicaria a instituição para outra pessoa. A satisfação ou não com o atendimento pode jogar luzes sobre outra característica da maioria das IES:

“Administrativamente, a IES tem vários ótimos locais: a secretaria, o financeiro, a biblioteca. Foi a LDB de 68 que nos educou assim. Ao invés de ter diversos ótimos locais, é preciso um local ótimo global, em que os processos se voltem para as necessidades do aluno e para a sustentabilidade da instituição e não para o que é melhor internamente, para cada setor”, detalha.

Um mau atendimento pesa na decisão do aluno quando ele pensa em desistir, mas há outros fatores. Antonucci reforça a necessidade da escuta: “Às vezes, a IES está montando um plano sofisticado e o aluno quer, em primeiro lugar, um estacionamento, um elevador, um ar-condicionado ou mais segurança no campus. Imagine o aluno que sai de casa às seis da manhã, trabalha o dia inteiro, pega condução e chega com fome à faculdade. Se não tiver um lugar decente para comer, como vai estudar? A falta de uma cantina adequada pode impactar”.

Leia: Quem não escuta os estudantes pode se “estrumbicar”

As boas práticas

“Tínhamos consciência da necessidade de um programa de permanência, queríamos fazer, mas não sabíamos por onde começar”, conta Luiz Argenta, pró-reitor de desenvolvimento do Unilavras – Centro Universitário de Lavras, há 57 anos em funcionamento no interior de Minas Gerais. Atualmente, são cerca de 3.500 alunos na graduação e o foco da instituição são os cursos híbridos. Em 2017, o Unilavras começou a buscar dados para evidenciar a evasão. “Criamos um sistema preditivo, há cinco anos rodando, e com ele obtemos dados importantes: se o aluno passou ou não pela catraca, as notas, a participação em sala de aula fornecida pelos professores, além dos dados financeiros. Isso nos permite visualizar o aluno que tem predisposição a ir embora.”

Em 2019, muito já se falava acerca da permanência, e Argenta buscou inteirar-se. Conheceu as estratégias de uma grande universidade no sul da Flórida que tinha reduzido substancialmente os índices de evasão: “Lá, quase zeraram a evasão de primeiro semestre”. Argenta destaca o principal aprendizado: a criação de uma comissão permanente, com pessoas que conseguem agir diretamente na necessidade do estudante.

“Conversamos com os demais gestores e isso pareceu uma iniciativa muito boa para começar. Reunimos a secretaria acadêmica, o financeiro, pessoal de atendimento, todos que têm contato direto com os estudantes, inclusive, colocamos um representante acadêmico, para conversar sobre permanência de uma forma analítica, não punitiva, sem caçar culpados, mas buscando saber por onde começar a tratar esse conjunto de sintomas”, detalha. Trazer à mesa, semanalmente, dados acerca de desistências não é exatamente uma experiência tranquila: “Foi quando a dor começou a ficar mais evidente”. Ninguém se sente feliz com a desistência de alunos. Um programa de permanência “propaga a cultura do olhar para esses números e entender que não são números, são pessoas”.

Possibilidade de sucesso

Veio a pandemia. A comissão de permanência continuou atuando, descobrindo estratégias. Uma delas, o acolhimento, com uma semana dedicada a isso, mesmo virtualmente, em meio à crise sanitária: “É muito mais eficiente que o aluno tenha boa jornada de entrada. Se desde o primeiro dia de aula ele é bem acolhido, as chances de evasão vão caindo”. Também se decidiu ouvir os clientes mais ativamente, com rodadas de grupos focais:

“Compreendemos que, para o estudante querer ficar, ele tem que ver uma possibilidade de sucesso naquele momento. O estudante que entra é diferente do que está conosco há um ano, daquele que está para se formar, ou se formou; cada um vê sucesso como algo diferente e tem necessidades diferentes, então, em todo semestre fazemos grupos focais, porque o interesse deles muda”.

O Unilavras tem agora um setor de sucesso e permanência, para receber e elaborar os dados que vêm dos estudantes e criar canais de atendimento e soluções. Um programa como esse permite que a instituição reconheça os serviços que podem beneficiar os alunos, e há muitas surpresas nesse processo: “Por exemplo, um dos nossos projetos de extensão é voltado ao acompanhamento de grávidas na amamentação. E nós temos alunas que engravidam”. Por que não juntar as duas pontas? Argenta conta que a instituição ainda sofre com a evasão: “beira os 50%; temos 30 cursos; alguns não têm evasão, outros têm altíssima”. Ainda não há resultados concretos, mas o programa segue adiante: “estamos abertamente em processo”. 

Setor de permanência

Antes mesmo de trazer para a organização um setor para cuidar da permanência dos alunos, a FAESA já trabalhava com o acolhimento, uma característica que é da própria instituição. “Nosso posicionamento estratégico é ser uma instituição de excelência com foco no sucessodo aluno, nossos valores essenciais são o acolhimento, a inovação e o empreendedorismo”, conta a pró-reitora Carla Letícia Leite.

Fundada há 50 anos em Vitória, no Espírito Santo, a FAESA oferece cursos presenciais e EAD, tem cerca de oito mil alunos, na graduação e na pós. O setor de permanência foi estruturado em 2020. Carla menciona um olhar integral direcionado ao aluno: “Trabalhamos com uma tríade: o emocional e comportamental; o desenvolvimento acadêmico – acompanhamento das aulas, o rendimento, notas e frequência – e também, obviamente, com a questão financeira, porque pesa muito na decisão do aluno”.

Atualmente, a FAESA estrutura o núcleo de sucesso do aluno, onde responsáveis por setores da instituição estão integrados numa rede de cuidados. Reuniões diárias de 30 minutos foram cruciais para o início dessa estrutura, que possibilita tratar questões como: “vem uma informação do financeiro de que o aluno não consegue pagar a mensalidade, como viabilizar um estágio para continuar a estudar?”. O núcleo de estágios existe há mais de 20 anos e “comemora cada captação de vaga e cada aluno que passa no processo de seleção”. 

Metas para os cursos

Para conhecer a opinião dos alunos e suas necessidades, o programa de permanência utiliza dados da avaliação institucional. “Cerca de 70% dos alunos, e há unidades em que o percentual chega a 90%, respondem a avaliação, e, nela, os alunos avaliam até mesmo a avaliação.” A escuta se estende também ao âmbito presencial; quando o aluno pensa em desistir, ele não vai a um sistema ou setor, mas remete-se diretamente ao coordenador do seu curso. Se depois da conversa com o coordenador, o aluno persiste e cancela sua matrícula, ele tem mais uma conversa com profissional da equipe responsável pelo controle de evasão: “É o último suspiro, e se conseguimos a reversão, também comemoramos como se alguém fizesse aniversário naquele dia”.

Carla conta que a meta do programa de permanência para os cursos presenciais é ter 2% de evasão dentro do semestre e 5% no período entre semestres. “Estamos conseguindo ficar nessa meta”, relata. Já nos cursos EAD, a evasão é maior. “Mas, quando começamos a trabalhar com a lógica da permanência dentro do EAD, mais recentemente, conseguimos diminuir em 12% a evasão.” 

Um programa de acolhimento pleno direcionado aos alunos e o foco da FAESA no relacionamento com o mercado levam a situações inusitadas, que qualquer um tem vontade de comemorar. Um aluno autista da área de TI participava com frequência da maratona de programação, atividade oferecida na faculdade. Ele ficou em primeiro lugar mais do que uma vez. “Ele é brilhante”, conta Carla. Uma empresa convidou-o para desenvolver o projeto, mas não estava preparada para recebê-lo. “Fomos lá preparar os funcionários.” Já formado, o aluno participou da seleção para uma vaga em uma empresa parceira da FAESA. “A empresa nos avisou e também fomos até lá.” Ações como esta reverberam positivamente em toda a instituição.

A matéria faz parte da edição 269 (setembro/2022) da Revista Ensino Superior. Assine.

Autor

Sandra Seabra Moreira


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