NOTÍCIA

Edição 269

Qual o preço justo?

Segundo alguns especialistas, é aquilo que o mercado paga. O ensino superior, que há 20 anos era criticado pela qualidade da educação, conseguiu melhorar. O desafio é impedir que o preconceito recaia agora sobre o EAD

Publicado em 13/09/2022

por Sandra Seabra Moreira

ead custo Custo da mensalidade é item fundamental para aluno que busca o EAD

Os cursos na modalidade EAD cumprem o relevante papel de democratizar o acesso ao ensino superior. Desde que começou a se desenvolver no Brasil, o mercado se expandiu, com o índice de novos alunos alcançando 428,2% de aumento em uma década, de acordo com o Censo da Educação Superior 2020, realizado pelo Inep e divulgado este ano. Já são preferência do público universitário. Dos mais de 3,7 milhões de ingressantes, nas IES públicas e privadas, mais de 2 milhões, ou 53.4 por cento, escolheram cursos a distância. A tecnologia avança, exigindo investimentos em estúdios, atualização de plataformas, e na formação digital dos professores. Mais experimentações acontecem agora com a chegada do metaverso, que pode tornar a experiência do aprendizado cada vez mais imersiva.

Mas alguns sintomas fazem soar alarmes. A alta evasão e alunos diplomados que acabam por não conseguir um emprego são fatores preocupantes. Há cursos EAD de baixa qualidade sendo oferecidos e o problema, quase sempre, está na falta de mediação. Sem a presença efetiva de professores e tutores, o aluno se sente sozinho no ambiente virtual, abandona o curso ou segue nele, driblando dúvidas até conquistar o diploma, mas não as competências que o mercado exige. 

A princípio, empregadores não se entusiasmaram com candidatos formados por cursos a distância. Nos diplomas, a modalidade não é discriminada, mas, numa entrevista, o candidato não escapa à verificação. Esse contexto ensaiou ficar no passado, até por conta de IES comprometidas com a educação de excelência, investindo em tecnologia e na formação de professores. Mas a precarização de alguns cursos pode trazer o preconceito de volta, mesmo em meio à indiscutível expansão da modalidade e aos benefícios que ela traz, sobretudo diante do déficit ainda existente no Brasil de vagas no ensino superior.

“Uma instituição que é ruim na modalidade presencial costuma ser pior no EAD”

Para Luciano Sathler, membro do conselho científico da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), e do conselho deliberativo do CNPq, os diplomas que hoje abrem menos portas estão relacionados a instituições que não têm sua qualidade reconhecida. Ele acredita que o mercado já percebeu. “Uma instituição que é ruim na modalidade presencial costuma ser pior no EAD. Se é muito boa na presencial, é melhor ainda no EAD”. E qualidade se relaciona com o método didático-pedagógico.

“Há algumas grandes instituições de ensino que são conteudistas, focadas em material didático e não privilegiam a mediação.” Para ele, o Ministério da Educação (MEC) deve intervir, “não de maneira cartorial, mas publicizando a relação entre números de alunos e de professores/tutores”, ou seja, tornando transparente ao consumidor quanto cada curso oferece de mediação. Outra maneira, diz, é divulgar o que acontece com os egressos, qual o destino profissional de quem se formou em determinada universidade.

ead custo
Custo da mensalidade é item fundamental para aluno que busca o EAD

Antonio Carbonari Netto é, atualmente, proprietário da Must University, sediada nos EUA e que oferece cursos de pós-graduação online para alunos brasileiros e latinos, em português e espanhol. Para ele, 10% dos cursos a distância oferecidos hoje no Brasil são ótimos, 40% são de boa qualidade e 50%, razoáveis. Nestes últimos, falta atualização de tecnologia e formação de professores. IES menores, que não investiram em tecnologia, adquirem conteúdos de instituições mais consolidadas ou startups, mas nem sempre os renovam. Carbonari afirma que o MEC precisa atualizar seus requisitos de avaliação, cujos referenciais ainda são aqueles usados para cursos presenciais, observando, por exemplo, plataformas já superadas e datas das aulas ministradas em vídeo. Para ele, as exigências existentes para IES com capital aberto também podem contribuir para a melhora da qualidade dos cursos.

Custo da mensalidade é item fundamental para aluno que busca o EAD

O modo como o mercado de EAD se configura no Brasil é único no mundo. Nos EUA, o controle governamental e a resistência do mercado educacional ao EAD são maiores do que no Brasil. Na Ásia e Europa, a modalidade é mais oferecida pelo setor público, atende adultos que não conseguiram frequentar o ensino médio ou superior, e as mensalidades são irrisórias. Sathler afirma que “em nenhum outro país você tem um volume tão grande de matrículas de EAD na mão de poucos grupos educacionais que, geralmente, contam com fundos de investimentos estrangeiros ou mercado de capital aberto”.

O custo da mensalidade é um item fundamental, provavelmente o mais importante, para o aluno que atualmente busca o curso a distância. Especialistas acreditam que, a médio prazo, é possível que o mercado diferencie cursos bons de ruins por meio do valor das mensalidades. Um bom curso EAD, na graduação, oferecido por instituições que privilegiam a mediação, pode custar de R$ 300,00 a R$ 600,00, sendo que alguns deles, como engenharia, medicina e outrosda área da saúde, podem ser mais caros, conforme já acontece no âmbito dos cursos presenciais.

Para o financista da área da educação Luciano Jeferson Vinhas Ferreira:

“Não é a instituição que coloca o preço, são as pessoas que percebem o valor do produto ou serviço oferecido. Por exemplo, há cursos online e híbridos na faixa dos R$ 900, R$ 1.000 e os alunos pagam. Há cursos EAD mais caros do que os presenciais, inclusive”.

O que parece inconcebível é oferecer qualidade com mensalidades a R$ 80,00.

Sathler insiste que no momento de aferir a qualidade, o caminho é checar a relação numérica entre alunos e professor/tutor. “Quem vem para a EAD são mais experientes, já trabalhando. Muitos com déficits cognitivos e de aprendizagem desde a educação básica, e precisam da mediação, que é a relação personalizada, atenta, empática, entre professor e estudante. É o aluno olhar para o professor e pensar ‘eu confio no que ele sabe e ele confia que eu sou capaz de saber’” E enfatiza: “EAD é escala, é democratização de acesso. Não há problemas em uma instituição ter muitos alunos, desde que haja professores e tutores capacitados, na quantidade adequada, com condições de trabalho, bons salários, titulação, e um número adequado de alunos para acompanhar”.

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Investimentos em tecnologia e formação de professores

IES comprometidas com a qualidade de seus cursos EAD investem em tecnologia e também na formação digital dos docentes. Janes Fidélis Tomelin é vice-presidente acadêmico da Vitru Educação, instituição detentora da Uniasselvi, sediada em Indaial (SC), e que recentemente adquiriu a Unicesumar, em Maringá (PR). Cada uma dessas IES tem mais de mil polos de apoio presencial. A Unicesumar, inclusive, com polos no exterior. Tomelin enfatiza que ambas tiveram em sua origem fundadores com o objetivo da transformação da sociedade por meio da educação, daí o compromisso com a qualidade dos cursos. Juntas, nas modalidades EAD e presencial, elas oferecem 300 cursos de graduação, 200 de pós, além de cursos stricto sensu e de formação continuada. 

Tomelin afirma que a busca por metodologias imersivas requer um professor com competências digitais bem desenvolvidas. Que consiga, por exemplo, estruturar um storytelling que tenha o poder de sedução, envolvimento, com uma história capaz de ter contexto e significado, criando o vínculo do estudante com o conteúdo. Para a formação desse professor, foi criado o Ciclo de Aprendizagem.

“Preconizamos sete etapas que orientam o professor a construir essa narrativa. Tudo começa com a problematização de uma temática, por meio de uma situação que tenha relação com a realidade profissional. Seguida de significação, experimentação, reflexão, para então construir o conceito, que é a etapa de conceitualização. Em seguida, apresentação de teorias, seguida pela ação: ‘Agora que você já experimentou, refletiu, entendeu o problema, encontrou as soluções na teoria, como você agi-ria?’ E, por fim, a sétima etapa, a avaliação”.

Na Unicesumar, o material elaborado pelo professor é registrado em blockchain, ele recebe uma certificação digital, a AADD – autonomia autoral docente digital –, que confere proficiência nessas competências. 

Oferta de conteúdo em suportes diferenciados

As aulas síncronas, com a participação de mediadores para direcionamento de dúvidas, têm funcionado bem. Sendo gravadas e disponibilizadas na plataforma, podem ser revistas ou assistidas por quem não pôde participar. O oferecimento de conteúdos em suportes diferenciados – vídeos, podcasts, texto – é requisito fundamental para a qualidade dos cursos. A estética dos vídeos e a qualidade de som vão se aprimorando. Se já houve aluno que assistiu em vídeo a uma aula em que o professor ficava de costas, escrevendo na lousa, lembra Carbonari, hoje em dia “há estúdios, sonoplastas, câmeras e até maquiadores”. Nas aulas telepresenciais, assim como nos vídeos que geram, a relação aluno/professor é frontal. 

Podcasts realizados em estúdio com isolamento acústico já estão superados pelos podcasts binaurais: “As gravações de áudio que são esterilizadas, para garantir uma acústica perfeita, sem qualquer interferência de sons externos, geram certa saturação na escuta porque não têm a vivência do entorno”, explica Tomelin. Para o podcast binaural, a captação acontece por meio de microfones especiais que conseguem capturar o som para que seja reproduzido já equalizado e com elementos sonoros do ambiente, retratando uma realidade 3D.

Além das aulas telepresenciais com mediação, encontros e avaliações nos polos, há tutores que se vinculam ao aluno, colaborando na sua formação acadêmica e profissional. Tomelin afirma que os conteúdos nos vários suportes fazem parte do cerne das modelagens pedagógicas. “Os conteúdos das aulas estão também em videoaulas explicativas e complementares, podcasts binaurais ou normais e são no formato microlearning, pílulas de aprendizagem. São recursos que o aluno, ao seu modo e estilo, escolhe e utiliza para aprender.” 

O metaverso é o futuro, mas já vai se anunciando no presente. A necessidade dos óculos 3D, com preços pouco acessíveis, ainda segura a escala. Experimentos estão sendo realizados e até os avatares, os bonequinhos que representam as pessoas no ambiente virtual, podem ter seus dias contados. “Há um grupo de Londrina estudando holografia; quero fazer as defesas de dissertação em sala metaverso, mas quero meu aluno lá, não um avatar”, diz Carbonari.

Matéria originalmente publicada na edição 269 (setembro/2022) da Revista Ensino Superior. Assine.

Autor

Sandra Seabra Moreira


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