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“É tudo teoria”

Para que haja diálogo sobre um assunto, é preciso estar por dentro do tema

Publicado em 10/09/2011

por José Pacheco


José Pacheco

"Nunca lamentei tanto a ausência de uma educação prática e sólida e nunca reconheci tanto a inutilidade das maravilhas teóricas com as quais nos iludimos nos tempos académicos." – À perplexidade de um Euclides da Cunha perante as surpresas que o sertão lhe destinara, eu associei a interpelação daquela professora: "Ouvi o senhor, ontem, no congresso. Posso mandar-lhe um e-mail? Preciso que me dê a sua opinião sobre o "turno integral". Na minha escola não tem dado bons resultados. É tudo teoria!"

"É tudo teoria" – dizia a professora. Poderia não ser correcta a afirmação, mas o que a sua prática lhe dizia contrariava a teoria: na sua escola, o "turno integral" tinha-se transformado numa dose dupla de tédio.

É pública a minha defesa da escola em tempo integral, mas não de um tempo integral de mesmice. Não defendo o turno integral por decreto, introduzido de qualquer modo. Os professores reivindicarão a escola em tempo integral, se compreenderem as suas vantagens e reconfigurarem as práticas. E isso apenas se consegue através da reflexão das práticas à luz… das teorias.

A propósito, recordo-me de um episódio ocorrido quando eu tentava preparar futuros professores para a dura realidade das escolas. Tudo começou com a frase que caracterizava o início de cada um dos meus dias: "O que quereis saber?"

"Fale-nos de Bruner."

"Por que quereis que eu fale do Bruner?" – inquiri.

"Porque vamos ter uma prova noutra disciplina e vai sair o Bruner."

"E o que já sabeis de Bruner?" – quis saber.

"Nada!" – exclamou a turma, em coro.

"Deixai ver se eu entendo: a prova é já na próxima semana e vós ainda não lestes nada sobre o Bruner?"

"Para quê? Quando formos trabalhar numa escola, não vamos precisar disso! Isso é só teoria! Só queremos que você nos dê aula como faz o professor da outra cadeira."

"E como faz o vosso professor dessa cadeira?"

Responderam: "Traz uns papéis, projecta uns slides, umas transparências, e vai falando daquilo que o Bruner escreveu nos livros."

"E vós, que ides ser professores, não sabeis ler?"

"Sabemos. É claro que sabemos ler!"

"Então ide à biblioteca e lede o que quiserdes sobre o Bruner. Depois, trazei para aqui as dúvidas que a leitura vos tiver suscitado pois, para que haja diálogo, todos nós teremos de estar por dentro do assunto."

"Nós preferimos que você dê uma aula sobre o Bruner." – e já aprontavam papel e caneta, para apontamentos.

"Não, meus amigos! Não vou dar a aula sobre o Bruner! Sou professor, não sou papagaio!"

E por aí ficou a conversa.

Não me surpreende que os professores reajam negativamente perante uma iniciativa como o "turno integral". Se não compreendem a utilidade e se lhes afigura difícil a viabilidade, "é tudo teoria". Se não lhes forem dadas condições dignas para o exercício da profissão, assumem atitudes relutantes, que desvirtuam a "inovação". Se a formação que lhes foi servida não estimula uma profícua reflexão da prática, a teoria tem má reputação.

Mas os professores não podem prescindir da teoria. Quanto mais não seja para contestar… "teorias".



José Pacheco – Educador e escritor, ex-diretor da Escola da Ponte, em Vila das Aves (Portugal)



josepacheco@editorasegmento.com.br

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José Pacheco


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