NOTÍCIA

Ensino edição 220

O poder da influência

Princípios da economia comportamental, que explicam como fazemos escolhas, podem ser usados para atrair e reter estudantes e evitar erros de gestão, defende a economista Flávia Ávila, professora da ESPM

Publicado em 23/06/2017

por Marina Kuzuyabu

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O Prêmio Nobel de Economia já foi dado a um psicólogo. Isso aconteceu em 2002, quando o israelense Daniel Kahneman levou o título junto com seu parceiro de pesquisas, Vernon Smith.

Esse acontecimento fez com que uma área pouco conhecida ganhasse bastante destaque: a economia comportamental, campo de atuação do autor de Rápido e devagar – Duas formas de pensar (Objetiva).

Trata-se de uma ciência que transita entre a psicologia e a economia e estuda as influências cognitivas, sociais e emocionais que incidem sobre o comportamento econômico das pessoas. No Brasil, a EC está começando a crescer, e já há demanda por profissionais especializados.

Uma prova disso é a decisão de algumas instituições de ensino de criar disciplinas e cursos na área, como é o caso da ESPM, que lançou o primeiro MBA sobre economia comportamental. Quem coordena o programa é a economista Flávia Ávila, mestre em economia comportamental pelo Centre for Decision Research and Experimental Economics (CeDEx), ligado à Universidade de Nottingham.

Com mais de 10 anos de experiência em estudos experimentais sobre o comportamento humano, Flávia também é fundadora do site EconomiaComportamental.org e da consultoria InBehavior Lab. Na entrevista que segue, ela esclarece alguns conceitos dessa ciência e explica como eles podem ser aplicados no universo educacional para motivar os alunos e evitar erros de gestão.

Quais são os objetos de estudo da economia comportamental e o que ela revela sobre nós?
A economia comportamental vem ganhando grande destaque no mundo porque estuda quais são os fatores que influenciam a tomada de decisão do ser humano. Nessa área, consideramos que as pessoas têm dois sistemas de pensamento. Isso está definido no livro Rápido e devagar – Duas formas de pensar, do psicólogo israelense Daniel Kahneman. De acordo com o especialista, o sistema número 1 é aquele utilizado para tomar as decisões do dia a dia. Ele é rápido e oferece respostas emocionais, intuitivas. Já o sistema 2 é acionado para pesar os prós e contras de uma determinada escolha. Entrando no universo educacional, poderíamos dizer que a escolha de uma carreira é sempre feita pelo sistema 2, uma vez que se trata de uma decisão importante. Ocorre que, muitas vezes, ela é feita pelo sistema 1, com base em aspectos emocionais. Entender isso é fundamental quando o objetivo é interferir nesse processo, e é esse tipo de entendimento que a EC oferece. Ela estuda a tomada de decisão e os fatores que a influenciam, como os emocionais, cognitivos, sociais, econômicos.

Como é a produção de conhecimento nessa ciência?
A EC testa simultaneamente algumas intervenções para comparar seus resultados. Deles são extraídas as teorias e conceitos, como o priming. Essa estratégia, cujo nome não tem tradução para o português, parte do princípio de que é possível sensibilizar as pessoas para alcançar um determinado objetivo. Um experimento realizado no Uruguai com vestibulandos exemplifica isso. Os estudantes foram divididos em dois grupos e, para um deles, foi dito que os melhores ganhariam um troféu, ou seja, um benefício tangível. O resultado daqueles que foram impactados pelo priming foi muito melhor.

Conceitos como esses também podem ser aplicados à gestão de IES?
Sim, eles podem ser aplicados à área administrativa de uma instituição de ensino, inclusive na gestão de pessoas. Um conceito interessante aqui é do viés da confirmação. Quando acreditamos em algo, tendemos a procurar informações que corroboram aquilo. Dessa forma, numa área administrativa, é comum os gestores buscarem meios para justificar suas escolhas e posicionamentos. Quando a ação é bem-sucedida, eles acreditam que o mérito foi deles, mas quando algo dá errado, imediatamente buscam um culpado, como a crise econômica. É isso o que mostra o viés da confirmação. O problema desse excesso de confiança é repetir erros justamente quando eles não são vistos dessa forma. Ter clareza sobre isso pode evitar, portanto, uma série de problemas.
A EC também pode ser usada pelo marketing para atrair mais estudantes. Nem sempre o apelo financeiro, do menor custo, é o mais eficaz para aumentar o número de ingressantes. Os jovens querem mudar o mundo, muitos estão inconformados com a realidade, outros querem criar startups. Para atrair estudantes com esses perfis, definitivamente o apelo deve ser diferente. Outro conceito interessante é o da vítima identificada, que pode ser empregado em campanhas publicitárias, por exemplo. Em vez de focar um grupo, você foca uma pessoa específica. Imagine que a instituição queira atrair mais mulheres para os cursos de exatas. Para sensibilizar o público-alvo, ela pode destacar algumas mulheres bem-sucedidas nessa área, que estudaram naquela instituição, para difundir a mensagem desejada. O impacto de uma ação como essa seria muito maior do que falar da presença de mulheres em geral nas engenharias. O que funciona muito também é tocar na aversão à perda, algo que a EC identificou como sendo um fator de influência muito importante.

A economia comportamental também pode ser usada pelo marketing para atrair mais estudantes. Nem sempre o apelo financeiro, do menor custo, é o mais eficaz para aumentar o número de ingressantes.

 

Como esse fator poderia ser usado na área da educação?
Primeiro, vou começar falando de um caso famoso relacionado à adesão de planos de previdência privada. No formulário usado pela empresa estudada, os funcionários que não queriam o plano podiam simplesmente deixar a pergunta em branco. Interessada em mudar isso, a empresa inseriu no documento a seguinte frase: “eu não quero aderir ao plano de previdência privada”. A inclusão desse “não” teve um impacto enorme, pois deu um peso para a decisão. Como resultado, subiu de 20% para 80% a taxa de pessoas que aderiram. Essa é uma ação que foca a aversão à perda, conceito definido em um dos artigos mais clássicos da economia comportamental. Segundo esse texto, somos mais sensíveis à perda do que ao ganho. Por isso, em programas de bônus, por exemplo, pode ser muito mais efetivo dar o bônus antes e estabelecer que a pessoa vai perdê-lo caso a meta não seja atingida, do que dar integralmente o bônus depois que o resultado for alcançado. São detalhes sutis, mas que fazem muita diferença. No caso de uma instituição de ensino, ela pode fazer uma campanha para os jovens com dizeres sobre o quanto eles vão perder se não cursarem o nível superior. Mas é importante tangibilizar essa perda, dizer o quanto é o salário de uma pessoa com nível superior, por exemplo. Quanto mais tangível, melhor.

Somos sensíveis à perda do que ao ganho. Por isso, em programas de bônus, pode ser muito mais efetivo dar o bônus antes e estabelecer que a pessoa vai perdê-lo caso a meta não seja atingida, do que dar integralmente o bônus depois que o resultado for alcançado

E quanto às ações que buscam influenciar mudanças de comportamento? Na educação, é recorrente a queixa de que os professores resistem ao uso de tecnologias. A EC poderia ser aplicada em casos assim?
É perfeitamente possível. Nessa situação específica, uma solução seria dividir a turma em dois grupos para a realização de um experimento. Um deles utilizaria tecnologias e o outro, não. Se for um estudo bem embasado e se seus resultados forem positivos para o grupo que adotou a tecnologia – maior participação dos alunos, melhores notas, professores mais motivados etc. –, certamente ele poderia servir para convencer o grupo resistente. Os professores terão evidências científicas para mudar de opinião. De maneira geral, se a gente identifica o que gera um hábito, conseguimos criar estratégias melhores para a mudança do comportamento.

Como está a procura pelo MBA e como essa área está se desenvolvendo no Brasil?
Estamos com uma grande procura pelo curso, que é oferecido a distância. Temos estudantes das mais diversas áreas – comunicação, economia, finanças etc. – e com os mais variados interesses. Atualmente, estamos com 120 alunos, o que é um número bastante significativo. O campo de trabalho das pessoas que se especializam em EC é muito amplo. Além da área de publicidade, é possível atuar no mercado financeiro e também em startups, que têm um grande interesse pelos conceitos da economia comportamental. Lá fora, a área está mais desenvolvida. Nos Estados Unidos, as dez maiores instituições de ensino, entre as quais Harvard e Yale, oferecem cursos e realizam pesquisas relacionadas. Já a Inglaterra teve um primeiro-ministro, o David Cameron, que criou um time de economistas comportamentais para trabalhar diretamente com ele. Nós precisamos crescer muito ainda, mas vejo muito potencial. Somos inovadores.

Nos Estados Unidos, as dez maiores instituições de ensino, entre as quais Harvard e Yale, oferecem cursos e realizam pesquisas relacionadas. Já a Inglaterra teve um primeiro-ministro, o David Cameron, que criou um time de economistas comportamentais para trabalhar diretamente com ele.

Autor

Marina Kuzuyabu


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