NOTÍCIA

Políticas Públicas

A favor do diagnóstico

Para educadora, testes não podem ser mais importantes que o currículo

Publicado em 10/09/2011

por Beatriz Rey






Diane Ravitch: aprovação nos testes não garante aprendizagem


Em 2009, quando a educadora norte-americana Diane Ravitch terminou de escrever o livro The death of the great American school system, seu agente enviou o manuscrito a todas as editoras grandes daquele país. Quinze delas o recusaram. Como justificativa, afirmaram que não havia público para o assunto tratado por ela. Hoje, o livro é considerado um best-seller pelo jornal The New York Times. Não por acaso: na década de 90, Diane Ravitch apoiou e ajudou a promover as políticas que envolvem testes padronizados e bonificação por desempenho. Hoje, ela defende exatamente o contrário.

No blog que escreve com a educadora Deborah Meier, Bridging Differences , ela afirma que é contra o uso dos testes padronizados para punir ou bonificar. “O que eu abandonei? A esperança de que a responsabilização vai magicamente alcançar os fins nos quais acredito”, escreve. Na entrevista a seguir concedida por e-mail, ela afirma que as escolas existem para abrigar adultos capacitados e formados para educar crianças. E avisa: “o aspecto mais importante dessa interação não pode ser substituído por tecnologia ou transformado em um processo mecânico que pode ser medido ou aperfeiçoado por computadores”.

Desde a publicação de seu livro, a senhora encontrou novos motivos para rejeitar o modelo de accountability e testes padronizados?
Sim, encontrei mais exemplos de fraudes em testes municipais, estaduais e em escolas. E mais exemplos de como as pessoas tentam driblar o sistema. Por exemplo, em junho de 2010, o Departamento de Educação de Nova York revelou que os resultados dos exames estaduais foram inflacionados. Então, eles reconfiguraram os números e identificaram uma queda dramática no percentual de alunos que passaram nas provas. Os tão alegados “ganhos históricos” da cidade de Nova York desapareceram, já que os resultados
caíram para o patamar em que estiveram em 2002. Apesar do investimento de centenas de bilhões de dólares em testes e materiais, os avanços na última década do programa No Child Left Behind foram pequenos – e certamente não fazem jus a todo o dinheiro investido ou o tempo que poderia ter sido gasto com estudos. O outro efeito negativo do movimento pela responsabilização é que políticos e elaboradores de políticas públicas passaram a culpar as escolas e os professores se os resultados não sobem e se eles não alcançam o patamar de 100%. Mais professores serão demitidos com base nas provas e mais escolas fechadas e substituídas por escolas geridas por instituições privadas. O sistema de accountability expandiu uma demanda por punição, e o alvo são os docentes, seus sindicatos, seu tempo de serviço e direito de estabilidade no emprego e as escolas públicas.

Quais os principais problemas dos exames padronizados?
Um é que testam apenas habilidades e não conhecimento. Outro é que não exigem a capacidade de pensar, mas sim de pensar para o teste. O maior problema é que, atualmente, são mais importantes que o currículo e acabaram se tornando um fim em si mesmos. Muitas crianças passam nas provas, mas ainda não sabem ler ou fazer exercícios de matemática com competência.

O artigo que a senhora escreveu com outros especialistas identifica diversas falhas nos testes padronizados. Qual modelo de avaliação é o mais exato?
O melhor método para medir a habilidade de um aluno é o próprio trabalho desenvolvido por ele, não apenas um teste padronizado que pede a ele que escolha uma de quatro opções. Uma medida melhor seria a qualidade da redação do aluno, seus projetos de ciências, de pesquisa em questões de história e a habilidade demonstrada para resolver problemas de matemática.

Docentes e diretores da rede municipal de Atlanta, na Geórgia, estão sendo acusados de manipular os resultados das provas estaduais e de dar respostas aos alunos. Há uma maneira de evitar situações como essa?
A superintendente de Educação de Atlanta se demitiu depois das revelações de cola generalizada nos exames. Isso é inevitável quando você depende altamente dos resultados, quando docentes e diretores sabem que podem ganhar um bônus ou ser demitidos. O melhor jeito de evitar isso é parar de atrelar altas expectativas às provas e usá-las apenas para propósitos de diagnóstico, não para responsabilizar, bonificar ou punir.

É comum ver pessoas sem experiência em educação assumirem cargos importantes nos EUA. O que a senhora pensa disso?
A reforma promovida por leis corporativas e de negócios acredita que qualquer pessoa pode ser um diretor ou um superintendente após poucas semanas de treinamento. Estão usando o poder que têm para desprofissionalizar a educação. Isso é errado e causará danos ao setor.

Quais perigos o modelo de accountability pode trazer a um país como o Brasil?
É um sistema destrutivo para a educação e para os valores que muitos educadores e pais valorizam. Não se importa com conhecimento, ideais ou caráter; o que importa é ler e saber matemática. A responsabilização leva a uma filosofia em que o que importa é rotular as crianças com números ou letras. Poucos serão vencedores, a maioria perderá. Aqueles que não passam nas provas são estigmatizados, julgados, classificados e considerados fracassados.

A senhora dedica parte considerável de seu livro à questão do currículo. Qual papel ele desempenha na melhoria da qualidade da educação?
Muitos educadores entendem que a educação é muito mais que aprender habilidades básicas. Uma educação de qualidade prepara o aluno para receber mais conhecimento, para ter uma carreira e para a cidadania. Também prepara o estudante para interagir com a sociedade por toda a vida, além de desenvolver o pensamento crítico para decisões que ele deve fazer em sua vida. Um bom currículo escolar deve incluir ciências, artes, história, línguas, educação física, saúde, matemática, literatura e geografia. Mas esse currículo deve ser amarrado de tal maneira que as crianças entendam que seus professores estão dedicados ao seu desenvolvimento como seres humanos.

O modelo de escola do século 19 está fadado a desaparecer ou podemos reformá-lo?
Se você se refere àquele em que professores passam seu conhecimento a alunos, penso que esse modelo está aqui para ficar. Se chegar a época em que as crianças serão enviadas a um “centro de aprendizagem”, para que sentem em frente a um computador ou a uma TV para interagir com uma máquina ou assistir a uma aula de um professor que nunca conheceram, temo pelo futuro. As crianças precisam de contato humano. Precisam de um gesto de apoio  ou de palavras encorajadoras, não de uma tela que dite atividades ou tarefas. As escolas servem a muitos propósitos, mas, acima de tudo, existem para configurar o lugar em que adultos altamente capacitados e bem formados educam crianças. O aspecto mais importante dessa interação não pode ser substituído por tecnologia ou transformado em um processo mecânico que pode ser medido ou aperfeiçoado por computadores.


+ Leia mais:


– Testes padronizados produzem desvios pedagógicos e de função


– Lei de responsabilização dá indícios de não estar funcionando nos EUA


– Escola em Campinas tem concepção de avaliação que vai além do desempenho em testes

Autor

Beatriz Rey


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